Dizer o Direito

sábado, 21 de setembro de 2013

Se o agente coloca uma fita isolante para alterar o número da placa do carro pratica o delito do art. 311 do CP?

Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos abordar hoje mais um interessante tema e que tem bastante repercussão na prática, além de ser muito cobrado nos concursos.

A pergunta do dia é a seguinte:

Se o agente coloca uma fita adesiva ou isolante para alterar o número ou as letras da placa do carro e, assim, evitar multas, pedágio, rodízio etc, isso configura o delito do art. 311 do CP? Ex: a placa do carro termina com o número 6 e o sujeito, com uma fita isolante preta, altera para 8.

Antes de respondermos essa pergunta, vamos fazer uma revisão sobre o delito do art. 311 do CP.

Previsão típica
O Código Penal prevê o crime de “adulteração de sinal identificador de veículo automotor” nos seguintes termos:
Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
§ 1º - Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço.
§ 2º - Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial.

Bem jurídico: o tipo penal tem por objetivo proteger a autenticidade dos sinais que identificam os veículos automotores (esse é um dos aspectos relacionados com a “fé pública”).

Em que consiste o crime:
- O agente
- adultera (modifica) ou
- remarca (coloca uma nova marca)
- o número de chassi (numeração que fica sobre a estrutura de aço da carroceria) ou
- qualquer sinal identificador do veículo automotor (ex: placas),
- sinal identificador de um componente do veículo (ex: sinal identificador que esteja no vidro, no motor) ou
- sinal identificador de um equipamento do veículo (ex: sinal identificador que esteja no para-choque de um veículo).

Veículo automotor:
A definição do que seja veículo automotor é dada pelo CTB e representa “todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).”

Raspar ou suprimir o número do chassi (Número de Identificação do Veículo – NIV): configura o crime do art. 311 do CP (REsp 1035710/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 21/06/2011).

Se a pessoa substituir a placa do veículo por uma placa com numeração diferente, estará configurado esse delito?
SIM. Tal conduta enquadra-se no art. 311 do CP (AgRg no AREsp 126.860/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, julgado em 06/09/2012).
Vale ressaltar, no entanto, que se houver autorização legal para a mudança da placa, isso, obviamente, não configura crime. É o caso, por exemplo, da previsão existente no § 7º do art. 115 do Código de Trânsito, inserido pela Lei n.° 12.694/2012:
§ 7º Excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN.

Elemento subjetivo: é o dolo. O tipo penal não exige elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica do agente (não exige “dolo específico”).

Se o agente coloca uma fita adesiva ou isolante para alterar o número ou as letras da placa do carro e, assim, evitar multas, pedágio, rodízio etc, isso configura o delito do art. 311 do CP?

NÃO
Para uma primeira corrente,
tal fato seria atípico.
SIM
Trata-se de fato típico, configurando o delito previsto no art. 311 do CP.
Segundo Cleber Masson, “a adulteração ou remarcação de número de chassi ou de sinal identificador de veículo automotor deve revestir-se de permanência, pois somente dessa forma é cabível reconhecer a lesão à fé pública. Se a mudança é temporária e, principalmente, facilmente perceptível por qualquer pessoa, a exemplo do que se verifica na colocação de fitas adesivas nas placas de veículos para livrar-se de multas de trânsito, do pagamento de pedágio, dos radares e da restrição de circulação em dias e horários determinados, não há que se falar em adulteração ou remarcação” (Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2013, p. 1066).
É a posição também de Damásio de Jesus.
Segundo a jurisprudência atual do STJ e do STF, é típica a conduta de adulterar a placa de veículo automotor mediante a colocação de fita adesiva.
A caracterização do crime previsto no art. 311 do CP prescinde de finalidade específica do agente. Além disso, a colocação de fita adesiva pode ser um meio idôneo de enganar a fiscalização de trânsito, sendo, portanto, crime possível.

STJ 6ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1329449/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 18/09/2012.

STF 2ª Turma. RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/8/2013.

Nas provas objetivas, deve-se adotar a 2ª corrente.

Em provas discursivas, é interessante mencionar a existência das duas correntes, mas afirmar que o entendimento do STJ e do STF é no sentido de que há crime.

Cuidado porque a maioria dos livros não informa que a 2ª corrente é a posição prevalente nos Tribunais Superiores.

Em um caso concreto recentemente apreciado pelo STF (RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/8/2013), o réu argumentou que colocou uma fita isolante preta na placa de seu veículo, modificando o último número apenas para poder circular com o carro burlando o rodízio de veículos que existia na cidade. Com base nisso, a defesa apresentava duas teses:
• A falsidade era grosseira (percebida a olho nu);
• Não houve dolo de praticar o delito, mas apenas o de burlar o rodízio, configurando, portanto, mera irregularidade administrativa.

O STF não aceitou os argumentos, afirmando que o bem jurídico protegido pela norma penal foi atingido. Para a Corte, o tipo penal não exige elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica (não exige “dolo específico”). No entanto, mesmo que se considere que a vontade do agente foi apenas essa, tal conduta tinha por objetivo frustrar a fiscalização, ou seja, os meios legítimos de controle do trânsito, incidindo, portanto, no crime.

Além disso, o simples fato de ter sido utilizada fita isolante para fazer a alteração não significa dizer que a falsidade seja grosseira. Isso porque em muitos casos como esse, a adulteração somente é percebida se a placa for analisada de perto, podendo o agente de trânsito ser enganado se o veículo estiver em movimento.

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