segunda-feira, 16 de setembro de 2013
É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental, ainda que não haja imputação contra pessoas físicas
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Olá amigos do Dizer o Direito,
Hoje vamos tratar sobre um julgado da 1ª
Turma do STF que respondeu a seguinte indagação:
É
possível a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais?
O art. 225, § 3º, CF/88 prevê o
seguinte:
Art. 225 (...) § 3º As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A Lei n.° 9.605/98, regulamentando o dispositivo
constitucional, estabeleceu:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta
Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da
sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das
pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou
partícipes do mesmo fato.
Mesmo com essa previsão expressa na
CF/88 e na Lei n.° 9.605/98,
surgiram quatro correntes para explicar a possibilidade (ou não) de
responsabilização penal da pessoa jurídica:
1ª corrente:
NÃO.
A CF/88 não previu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas apenas
sua responsabilidade administrativa.
É
a corrente minoritária.
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Os defensores desta primeira corrente
fazem a seguinte interpretação do § 3º do art. 225 da CF/88: os infratores
pessoas físicas estão sujeitos a sanções penais e os infratores pessoas
jurídicas a sanções administrativas.
Assim, quando o dispositivo
constitucional fala em sanções penais ele está apenas se referindo às pessoas
físicas.
Adotam essa corrente: Miguel Reale
Jr., Cézar Roberto Bitencourt, José Cretela Jr.
É minoritária.
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2ª corrente:
NÃO.
A ideia de responsabilidade da pessoa jurídica é incompatível com a teoria do
crime adotada no Brasil.
É
a posição majoritária na doutrina.
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Conforme explica Silvio Maciel, esta segunda
corrente baseia-se na Teoria da ficção jurídica, de Savigny, segundo a qual
as pessoas jurídicas são puras abstrações, desprovidas de consciência e
vontade (societas delinquere non potest). Logo, “são desprovidas de consciência, vontade
e finalidade e, portanto, não podem praticar condutas tipicamente humanas,
como as condutas criminosas.” (Meio Ambiente.
Lei 9.605, 12.02.1998. In: GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches
(Coord.). Legislação Criminal Especial.
São Paulo: RT, 2009, p. 691).
As pessoas jurídicas não podem ser
responsabilizadas criminalmente porque não têm capacidade de conduta (não têm dolo ou culpa) nem agem
com culpabilidade (não têm
imputabilidade nem potencial consciência da ilicitude).
Além disso, “é inútil a aplicação de
pena às pessoas jurídicas. As penas têm por finalidades prevenir crimes e
reeducar o infrator (prevenção geral e especial, positiva e negativa),
impossíveis de serem alcançadas em relação às pessoas jurídicas, que são
entes fictícios, incapazes de assimilar tais efeitos da sanção penal.” (idem, p. 692).
Adotam essa corrente: Pierangelli,
Zafaroni, René Ariel Dotti, Luiz Regis Prado, Alberto Silva Franco, Fernando
da Costa Tourinho Filho, Roberto Delmanto, LFG, entre outros.
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3ª corrente:
SIM.
É plenamente possível a responsabilização penal da pessoa jurídica no caso de
crimes ambientais porque assim determinou o § 3º do art. 225 da CF/88.
A
pessoa jurídica pode ser punida penalmente por crimes ambientais ainda que não
haja responsabilização de pessoas físicas.
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O principal argumento desta corrente é
pragmático e normativo: pode haver responsabilidade penal porque a CF/88 assim
determinou.
Vale ressaltar que o § 3º do art. 225
da CF/88 não exige, para que haja responsabilidade penal da pessoa jurídica,
que pessoas físicas sejam também, obrigatoriamente, denunciadas.
Esta corrente é defendida, dentre
outros, por Vladimir e Gilberto Passos de Freitas:
“(...) a denúncia
poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a
autoria das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos.
Foi exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser
responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria
do delito. Com isto, a punição findava por ser na pessoa de um empregado, de
regra o último elo da hierarquia da corporação. E quanto mais poderosa a
pessoa jurídica, mais difícil se tornava identificar os causadores reais do
dano. No caso de multinacionais, a dificuldade torna-se maior, e o agente, por
vezes, nem reside no Brasil. Pois bem, agora o Ministério Púbico poderá
imputar o crime às pessoas naturais e à pessoa jurídica, juntos ou
separadamente. A opção dependerá do caso concreto.” (Crimes Contra a Natureza. São Paulo: RT, 2006, p. 70).
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4ª corrente:
SIM.
É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que em
conjunto com uma pessoa física.
É
a posição do STJ.
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O STJ possui o entendimento de que é possível
a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, desde que
haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa natural que atua em seu
nome ou em seu benefício.
Nesse sentido: EDcl no REsp
865.864/PR, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do
TJ/RJ), Quinta Turma, julgado em 20/10/2011)
Assim, para o STJ, o Ministério
Público não poderá formular a denúncia apenas contra a pessoa jurídica,
devendo, obrigatoriamente, identificar e apontar as pessoas físicas que, atuando
em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, sob
pena da exordial não ser recebida (REsp 610.114/RN).
Este entendimento baseia-se na redação
do art. 3º da Lei n.°
9.605/98:
Art.
3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no
interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo
único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Veja o que explica Silvio Maciel:
“Pelo referido dispositivo é possível
punir apenas a pessoa física, ou a pessoa física e a pessoa jurídica
concomitantemente. Não é possível, entretanto, punir apenas a pessoa jurídica,
já que o caput do art. 3º somente permite a responsabilização do ente moral
se identificado o ato do representante legal ou contratual ou do órgão
colegiado que ensejou a decisão da prática infracional. Assim, conforme já
expusemos acima, não é possível denunciar, isoladamente, a pessoa jurídica já
que sempre haverá uma pessoa física (ou diversas) co-responsável pela infração.
Em relação aos entes morais, os crimes ambientais são, portanto, delitos
plurissubjetivos ou de concurso necessário (crimes de encontro).” (ob. cit., p. 702-703).
Essa é a posição, dentre outros, de Édis
Milaré e da jurisprudência do STJ.
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Qual
é a posição do STF sobre o tema?
O STF ainda não havia enfrentado diretamente
o tema, prevalecendo, portanto, até então, a posição do STJ.
Ocorre
que a 1ª Turma do STF, em julgado recente, adotou a 3ª corrente.
O STF entendeu que é admissível a
condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que
absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção
do órgão responsável pela prática criminosa.
1ª Turma. RE 548181/PR, rel. Min. Rosa
Weber, julgado em 6/8/2013 (Info 714).
O
caso concreto foi o seguinte:
O MPF formulou
denúncia por crime ambiental contra a pessoa jurídica Petrobrás e também contra
“H” (então Presidente da companhia) e “L” (superintendente de uma refinaria).
A denúncia foi recebida. No entanto, os
acusados pessoas físicas conseguiram ser excluídos da ação penal, durante a sua
tramitação, por meio de habeas corpus.
Como as pessoas
físicas foram afastadas da ação penal, o STJ decidiu que a pessoa jurídica
deveria também ser, obrigatoriamente, excluída do processo, que foi, portanto,
extinto.
O MPF recorreu e a 1ª Turma do STF, por
maioria, cassou o acórdão do STJ.
Para o STF, a tese do STJ (4ª corrente,
acima exposta) viola a Constituição Federal. Isso porque o art. 225, § 3º, da CF/88
não condiciona a responsabilização da pessoa jurídica a uma identificação, e
manutenção na relação jurídico-processual, da pessoa física ou natural.
Em outras palavras, a Constituição não
faz a exigência de que a pessoa jurídica seja, obrigatoriamente, denunciada em
conjunto com pessoas físicas.
Para o STF, ao se condicionar a
imputabilidade da pessoa jurídica à da pessoa humana, estar-se-ia quase que a
subordinar a responsabilização jurídico-criminal do ente moral à efetiva
condenação da pessoa física, o que não foi o objetivo do § 3º do art. 225 da
CF/88.
Mesmo que se conclua que o legislador
ordinário ainda não estabeleceu por completo os critérios de imputação da
pessoa jurídica por crimes ambientais, não há como deixar de reconhecer a possibilidade
constitucional de responsabilização penal da pessoa jurídica sem necessidade de
punição conjunta com a pessoa física.
Votos
vencidos:
Os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux
ficaram vencidos porque se filiavam a primeira corrente, ou seja, defenderam
que o art. 225, § 3º, da CF/88 criou a responsabilidade penal da pessoa
jurídica, mas apenas impôs sanções administrativas.
Atenção:
Este julgado é o julgado mais
importante de 2013 sobre Direito Penal Ambiental, pois representa uma
contraposição ao entendimento até então amplamente majoritário na
jurisprudência. Muita atenção! Tema fantástico para uma dissertação.