Dizer o Direito

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Usucapião de imóvel localizado em área que a União alega ser terreno de marinha, mas na qual ainda não houve demarcação



Olá amigos do Dizer o Direito,

Ainda hoje iremos publicar o INFORMATIVO Esquematizado 524 do STJ. No entanto, queremos destacar o assunto abaixo porque ele é MUITO importante para quem está se preparando para Juiz Federal, bem como para os concursos de cartório. Muita atenção ao tema!

Imagine a seguinte situação:
João ajuizou ação de usucapião, na vara cível da capital (Justiça estadual), narrando que ocupava determinado imóvel há mais de 30 anos, de forma mansa e pacífica.
O CPC determina que a União, o Estado e o Município devem ser intimados no processo de usucapião para que manifestem se possuem interesse na causa (art. 943 do CPC).
O Estado e o Município informaram que não possuíam qualquer relação com o imóvel em litígio. A União, por seu turno, manifestou interesse no feito requerendo que a ação fosse julgada improcedente sob o argumento de que a área que João pretendia usucapir seria, presumidamente, terreno de marinha.
Os terrenos de marinha são bens da União, conforme prevê o art. 20, VII, da CF/88. Logo, como são bens públicos, não podem ser objeto de usucapião (art. 183, § 3º e art. 191, parágrafo único, da CF/88).

Diante dessa intervenção da União, qual providência o magistrado deverá adotar?
O processo de usucapião tramita, em regra, na Justiça estadual. Se a União alega interesse no feito, o juiz deverá declinar a competência para a Justiça Federal a fim de que lá se decida a respeito da existência ou não de seu interesse na causa (Súmulas 150 e 224 do STJ).

O que são terrenos de marinha?
Terrenos de marinha são “todos aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e lagoas navegáveis (estes últimos, exclusivamente, se sofrerem a influência das marés, porque senão serão terrenos reservados), vão até a distância de 33 metros para a parte da terra contados da linha do preamar médio, medida em 1831” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 417).

Isso é um pouco difícil de entender, então, encontrei esta imagem para ilustrar melhor:

Fonte: http://www.vendariviera.com.br/blog/imoveis/saiba-mais-sobre-o-terreno-de-marinha/

Os terrenos de marinha são bens da União (art. 20, VII, da CF/88). Isso se justifica por se tratar de uma região estratégica em termos de defesa e de segurança nacional (é a “porta de entrada” de navios mercantes ou de guerra).

Enfiteuse
José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1311) explica que, em algumas regiões, a União permitiu que particulares utilizassem, de forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha.  Como essas áreas pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse que funciona, em síntese, da seguinte forma:
• A União (senhorio direto) transfere ao particular (enfiteuta) o domínio útil do imóvel.
• O particular (enfiteuta) passa a ter a obrigação de pagar anualmente uma importância a título de foro ou pensão.

Obs: O CC-2002 proibiu a constituição de novas enfiteuses, continuando a existir aquelas que já haviam sido constituídas. O Código determinou, ainda, que, a enfiteuse dos terrenos de marinha poderia continuar a existir, sendo matéria a ser regulada por lei especial (art. 2.038, § 2º).

Demarcação dos terrenos de marinha
O Decreto-lei n.° 9.760/46 dispõe sobre os bens imóveis da União, tratando, dentre eles, sobre os terrenos de marinha.
O Decreto-lei prevê, em seus arts. 9º a 14, um complexo procedimento para a identificação da linha do preamar médio naquela localidade específica, de forma a permitir a realização da demarcação dos terrenos de marinha.
Essa demarcação é feita pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) com a notificação pessoal de todos os interessados identificados e com domicílio certo, devendo ser assegurados o contraditório e a ampla defesa.

Voltando ao nosso caso concreto.
A União alegou que o imóvel que João buscava usucapir estava, presumidamente, localizado em terreno de marinha. Presumidamente porque a SPU ainda não havia feito a demarcação do local. Em outras palavras, não havia sido formalmente declarado que o imóvel em questão encontrava-se localizado em terreno de marinha.

A discussão, portanto, é a seguinte:
Pode ser realizada usucapião de área que a União alega que é terreno de marinha, mas que ainda não passou pelo processo de demarcação?
SIM. A alegação da União de que determinada área constitui terreno de marinha, sem que tenha sido realizado processo demarcatório específico e conclusivo pela Delegacia de Patrimônio da União, não obsta o reconhecimento de usucapião.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.090.847-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/4/2013.

A demarcação da faixa de marinha depende de complexo procedimento administrativo prévio de atribuição do Poder Executivo, com notificação pessoal de todos os interessados, sempre que identificados pela União e de domicílio certo, com observância à garantia do contraditório e da ampla defesa.
Enquanto não houver esse procedimento não se pode ter certeza de que a área encontra-se efetivamente situada em terreno de marinha.
Tendo-se em conta a complexidade e onerosidade do procedimento demarcatório, sua realização submete-se a um juízo de oportunidade e conveniência por parte da Administração Pública.
Ocorre que não é razoável que o jurisdicionado, para que possa usucapir um terreno que ocupa há mais de 30 anos, fique esperando que o Poder Executivo realize a demarcação da área, sem qualquer previsão de que isso vá ocorrer.

Assim, é possível o reconhecimento da usucapião nesse caso, devendo, contudo, o juiz, fazer uma ressalva na sentença de que a União poderá fazer uma eventual e futura demarcação no terreno. Se ficar constatando, efetivamente, que o imóvel está localizado em terreno de marinha, a União será declarada proprietária da área, não havendo preclusão sobre o tema. Aplica-se o mesmo raciocínio constante na Súmula 496 do STJ: Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União.

Interessante o tema.

Voltem mais tarde para baixar o Informativo 524 do STJ.

Bons estudos.

Um abraço a todos.

sábado, 28 de setembro de 2013

Execução fiscal de anuidades dos Conselhos profissionais e a incidência imediata da Lei 12.514/2011


Olá amigos do Dizer o Direito,

Hoje vamos tratar sobre um assunto muito interessante para quem se prepara para os concursos da Procuradoria Federal/AGU e, principalmente, para o de Juiz Federal do TRF1, que será realizado no próximo dia 20 de outubro.

O tema de hoje é:

Execução fiscal de anuidades dos Conselhos profissionais e a incidência imediata da Lei n.° 12.514/2011.

Qual é a natureza jurídica dos Conselhos Profissionais (exs: CREA, CRM, COREN, CRO etc.)?
Segundo o entendimento do STF, os Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica de autarquias federais, com exceção da OAB, que é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

Anuidades
Os Conselhos podem cobrar um valor todos os anos dos profissionais que integram a sua categoria. A isso se dá o nome de anuidade (art. 4º, II, da Lei n.° 12.514/2011). Veja o que diz também a Lei n.° 11.000/2004:
Art. 2º Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como as multas e os preços de serviços, relacionados com suas atribuições legais, que constituirão receitas próprias de cada Conselho.

Qual é a natureza jurídica dessas anuidades?
Tais contribuições são consideradas tributo, sendo classificadas como “contribuições profissionais ou corporativas”.

Fato gerador
O fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício (art. 5º da Lei n.° 12.514/2011).

Execução fiscal
Como a anuidade é um tributo e os Conselhos profissionais são autarquias, em caso de inadimplemento, o valor devido é cobrado por meio de uma execução fiscal.

Competência
A execução fiscal, nesse caso, é de competência da Justiça Federal tendo em vista que os Conselhos são autarquias federais (Súmula 66 do STJ).
Vale ressaltar que, se o executado for domiciliado em comarca que não possua sede de Vara Federal, a competência para processar e julgar a execução será da Justiça Estadual, conforme autoriza o art. 109, § 3°, da CF/88 c/c o art. 15, I, da Lei n.° 5.010/66.

Restrição de valor estabelecida pela Lei n.° 12.514/2011
O volume de inadimplência nesses Conselhos profissionais é muito alto, o que fazia com que fossem ajuizadas, anualmente, milhares de execuções fiscais, a maioria referente a pequenos valores, abarrotando a Justiça Federal. Além disso, o custo do processo judicial muitas vezes era superior ao crédito perseguido por meio da execução.
Pensando nisso, o legislador editou a Lei n.° 12.514/2011 trazendo uma restrição de valor para que o Conselho possa ajuizar a execução fiscal cobrando as anuidades em atraso:
Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente.

Desse modo, o art. 8º da Lei acima referida traz uma nova condição de procedimento para que os Conselhos profissionais ajuízem execuções fiscais: o total da quantia executada deverá ser, no mínimo, quatro vezes o valor da anuidade. Na prática, o Conselho precisa aguardar que o profissional fique inadimplente 4 anos para propor a execução fiscal.

Vale ressaltar que, mesmo não podendo ajuizar a execução, os Conselhos poderão tomar outras medidas contra o inadimplente, como, por exemplo, suspender seu exercício profissional. Veja:
Art. 8º (...) Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação da ética ou a suspensão do exercício profissional.

Essa limitação, como vimos, foi imposta apenas em 2011. A pergunta que surge diante disso é a seguinte: o que fazer com as execuções fiscais propostas antes da Lei n.° 12.514/2011, que ainda estão em tramitação e cuja quantia cobrada é inferior ao valor de quatro anuidades?
O STJ decidiu que elas devem ser extintas por falta superveniente de interesse de agir. Isso porque o art. 8º da Lei n.° 12.514/2011 é uma norma de caráter processual e, como tal, tem aplicação imediata aos processos em curso (2ª Turma. REsp 1.374.202-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/5/2013).

Ex: imaginemos que a anuidade do Conselho é de 500 reais. Em 2010, este Conselho ajuizou execução fiscal contra um profissional inadimplente cobrando o valor de uma anuidade. Em 2011, com a entrada em vigor da Lei n.° 12.514/2011 essa execução fiscal deverá ser extinta em razão da perda superveniente de interesse de agir.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Livro: Principais julgados do STF e STJ comentados 2012


Olá amigos do Dizer o Direito,

Com muita alegria comunico o lançamento do meu primeiro livro:

“Principais julgados do STF e STJ comentados 2012”.

Essa obra é fruto dos informativos esquematizados que publico gratuitamente aqui no site.

Muitos leitores escreviam pedindo que fizesse uma versão impressa dos informativos, seja porque o custo da impressão estava ficando alto para os leitores, seja porque algumas pessoas ainda preferem ler em suporte físico em vez de ter que acompanhar pela tela do computador.

Pensando em vocês fiz a compilação e a organização de todos os informativos esquematizados de 2012.

Além de tornar a leitura mais agradável, se comparado com a tela do computador, o livro tem outra grande vantagem: os julgados foram agrupados de acordo com os ramos do direito e, dentro de cada um deles, foram organizados segundo os respectivos assuntos. Assim, por exemplo, no capítulo sobre “Processo Civil”, temos diversos subtópicos para tratar sobre competência, petição inicial, citação, intimação, litisconsórcio, tutela antecipada, recursos etc.

Vale ressaltar, ainda, que a obra conta com um extenso índice, que facilita a busca rápida dos temas.

Com isso, o livro foi organizado como se fosse um curso, envolvendo os principais assuntos de cada matéria, com trechos de doutrina, lei e, principalmente, a explicação dos julgados de 2012.

 A ideia era ter lançado o livro antes. No entanto, acabamos atrasando por conta da enorme burocracia e do imenso trabalho que deu para concluir o projeto.

Pedimos desculpas por eventuais erros gramaticais ou de digitação, mas é porque infelizmente não houve condições de esse primeiro livro passar por uma revisão profissional. Gentilmente, encarem essa primeira obra como experimental.

Antes que surja qualquer dúvida, é importante esclarecer o seguinte: os informativos continuarão sendo publicados de forma inteiramente gratuita no blog. O livro (e quem sabe, os próximos) é apenas mais uma ferramenta colocada à disposição de vocês.

Tentamos fazer com que o preço da obra fosse razoável, mas não podemos correr o risco de termos prejuízo. Por isso, por favor, nos ajudem e comprem o livro porque temos que pagar o valor gasto com a sua impressão, que foi alto.

Se o projeto der certo, a ideia é lançar o próximo livro com os julgados de 2013 logo no começo do ano.

Lembrando sempre que quem não puder/quiser pagar, pode ficar tranquilo porque os informativos continuarão sendo gratuitos.

Muito obrigado a todos vocês queridos leitores!

Márcio André


Dados técnicos da obra:

Título: Principais Julgados do STF e STJ comentados. 2012.

ISBN: 978-85-67168-00-5

Autor: Márcio André Lopes Cavalcante

1.031 páginas

Preço: R$ 94,00

FRETE: o preço acima inclui o valor do frete, na modalidade entrega comum, cujo prazo é de 15 dias úteis da data da postagem (na modalidade de envio que fazemos, os correios só alimentam no rastreamento a data da postagem e depois a chegada do livro, não indicando o seu trânsito).

Vendas somente pela internet (via PagSeguro).



Recebimento indevido de valores e dever de devolução (IMPORTANTE)



Olá amigos do Dizer o Direito,

Como estão os estudos para Procurador Federal/AGU?

Hoje vamos tratar sobre alguns assuntos que estão na pauta do dia e que poderiam ser excelentes questões do seu concurso.

Vamos por partes:

Tema 1:
Servidor recebe de boa-fé valores pagos indevidamente pela própria Administração Pública: ele tem o dever de restituir a quantia?

Posição do STJ
O STJ possui entendimento pacífico no sentido de que é incabível a restituição ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.

Em virtude do princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública, porque jungida à legalidade estrita.

Assim, diante da ausência da comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente por erro de direito da Administração, não se pode efetuar qualquer desconto na remuneração do servidor público a título de reposição ao erário.

Veja esse precedente do STJ proferido em sede de recurso especial repetitivo:

(...) quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público. (...)
(REsp 1244182/PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012)


Posição do TCU
Vale a pena conhecer também o entendimento do TCU, que é parecido com o do STJ, apesar de um pouco mais rigoroso com o servidor ao exigir que o erro da Administração Pública seja escusável. Confira-se:
Súmula 249 do TCU: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.


Posição da AGU
Vejam a posição da AGU, que trilha no mesmo sentido do STJ, acrescentando, no entanto, que o pagamento indevido pode ocorrer, além da interpretação errônea, pela má aplicação da lei ou erro da Administração:
Súmula 34 da AGU: É incabível a restituição de valores de caráter alimentar percebidos de boa-fé, por servidor público, em virtude de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração.


Tema 2:
Servidor recebe valores por força de decisão judicial precária que depois é revogada: ele tem o dever de restituir a quantia?

Se o servidor público recebe os valores por força de decisão judicial posteriormente revogada, tal quantia poderá ser exigida pela Administração Pública?
SIM. Existem várias decisões do STJ afirmando que, neste caso, não se poderia falar em boa-fé do servidor, considerando que sabia que poderia haver alteração da decisão que tinha caráter precário (AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1267968/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 07/02/2013).

(...) Esta Corte Superior consolidou entendimento no sentido de que não cabe a restituição de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de equívoco de interpretação ou de má-aplicação da lei pela Administração. Todavia,  é legítimo o desconto de vantagem patrimonial paga a servidor público pelo erário, em face de cumprimento de decisão judicial precária, posteriormente revogada. (...)
(EDcl no REsp 1255160/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgados em 18/12/2012, DJe 08/02/2013)


Tema 3:
Segurado do INSS que recebe benefício previdenciário por força de tutela antecipada posteriormente revogada: ele tem o dever de restituir a quantia?

Imagine a seguinte situação:
João ajuíza uma ação contra o INSS pedindo a concessão de auxílio-doença, alegando que possui uma incapacidade total e temporária para o exercício de suas funções.
O autor junta atestado médico comprovando a incapacidade.
O juiz concede a tutela antecipada determinando que o INSS fique pagando mensalmente o auxílio-doença até que a sentença seja proferida.
É realizada perícia médica judicial e o médico-perito discorda do resultado do atestado médico apresentado pelo autor e afirma que João tem sim condições de trabalhar.
Diante do resultado da perícia, o juiz sentencia a demanda, revogando a tutela antecipada anteriormente concedida e julgando improcedente o pedido.
Ocorre que João recebeu 10 meses de auxílio-doença por força da tutela antecipada.

Indaga-se: o autor terá que devolver a quantia recebida?

Posição antiga do STJ:
Não
Entendimento atual do STJ:
SIM
A jurisprudência do STJ era pacífica no sentido de que os segurados do RGPS não tinham obrigação de restituir valores obtidos por força de tutela antecipada que foi posteriormente revogada.

O STJ fundamentava suas decisões no fato de que as verbas previdenciárias possuem natureza alimentar. Logo, deveria ser observado o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 194.038-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/10/2012 (Info 507).
A 1ª Seção do STJ (engloba a 1ª e a 2ª Turmas) alterou seu entendimento e decidiu que o segurado da Previdência Social tem o dever de devolver o valor de benefício previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela que tenha sido posteriormente revogada.

REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013 (Info 524).

Desse modo, segundo o atual entendimento da 1ª Seção do STJ, o segurado da Previdência Social tem o dever de devolver o valor de benefício previdenciário recebido por força de tutela antecipada que tenha sido posteriormente revogada.

Qual é a razão jurídica invocada pelo STJ para alterar seu entendimento?
O STJ afirmou que, para decidir o tema, deve-se considerar não apenas o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, mas também a boa-fé OBJETIVA envolvida na situação.

Existe boa-fé subjetiva
Para o Min. Herman Benjamin, nas hipóteses de benefícios previdenciários oriundos de antecipação de tutela, não há dúvida de que o autor da ação possui boa-fé subjetiva, considerando que ele recebe os benefícios por conta de uma decisão judicial, havendo assim legitimidade jurídica no recebimento desses valores, apesar de precária (não definitiva).

Não existe boa-fé objetiva
Por outro lado, o Min. Herman Benjamin entende que o autor da ação não apresenta, no caso, boa-fé objetiva, tendo em vista que os pagamentos determinados por meio de antecipação de tutela não gozam de definitividade, de maneira que o requerente é titular de um direito precário e, como tal, não pode pressupor que aquelas quantias foram incorporadas em seu patrimônio de forma irreversível.
Em outras palavras, o autor da ação deve saber que está recebendo aquelas quantias a título provisório e que elas poderão ser retiradas de seu patrimônio caso a tutela antecipada seja revogada.
Dessa forma, não há legitimidade jurídica para que o segurado presuma que não terá de devolver os valores recebidos, até porque, invariavelmente, ele está assistido por advogado e, conforme prevê o art. 3º da LINDB, ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece. Logo, ele deve estar ciente da precariedade do provimento judicial que lhe é favorável.
Como o autor sabia que os recursos recebidos não integrariam em definitivo o seu patrimônio, qualquer ato de disposição desses valores, ainda que para fins alimentares, salvo situações emergenciais e excepcionais, não poderia estar acobertado pela boa-fé, já que é princípio basilar tanto na ética quanto no direito, que ninguém pode dispor do que não possui (Min. Humberto Martins, no AgRg no REsp 126480/CE).

Argumento da irrepetibilidade não é suficiente
Conclui-se, portanto, segundo essa nova visão do STJ, que não é suficiente que a verba recebida seja alimentar. É necessário que o titular do direito o tenha recebido com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento.
Em suma, mesmo o benefício previdenciário sendo considerado como verba alimentar, a pessoa que o recebeu por força de tutela antecipada posteriormente revogada tem o dever de devolver tais valores porque não agiu de acordo com a boa-fé objetiva.

Forma de devolução das quantias
Em caso de revogação da tutela antecipada, o autor terá que devolver os valores recebidos. No entanto, quais são os critérios para que isso seja feito?
O STJ afirmou que essa devolução não poderá comprometer o sustento do indivíduo, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, os Ministros definiram que a devolução dos valores recebidos deve ser feita conforme os seguintes parâmetros:
a) o INSS deverá ajuizar uma ação de execução da sentença que declarou que o autor não tinha direito;
b) caso a pessoa que recebeu indevidamente os valores esteja, atualmente, gozando de algum benefício do INSS (ex: está recebendo aposentadoria), o INSS poderá cobrar os valores mediante desconto em folha de até 10% do benefício que ela estiver recebendo até pagar toda a dívida. Ex: a pessoa recebe mil reais de aposentadoria e deve 500 reais. O INSS poderá descontar todos os meses 100 reais dos proventos da pessoa até que ela quite o débito.


Tema 4:
Segurado do INSS que recebe benefício previdenciário por força de sentença judicial transitada em julgado e que depois é rescindida: ele tem o dever de restituir a quantia?

Imagine agora a seguinte situação:
Pedro propõe uma ação contra o INSS pedindo a concessão de um benefício previdenciário.
O juiz federal julga procedente o pedido, sentença que é mantida em 2ª instância e transitada em julgado.
O INSS ajuíza, então, uma ação rescisória, que é julgada procedente.
Ocorre que Pedro recebeu durante vários meses o benefício previdenciário.

Indaga-se: o segurado terá que devolver a quantia recebida?
NÃO. Os valores que foram pagos pelo INSS aos segurados por força de decisão judicial transitada em julgado, a qual, posteriormente, vem a ser rescindida, não são passíveis de devolução, ante o caráter alimentar dessa verba e pelo fato de que o segurado recebeu e gastou tais quantias de boa-fé. (AR 3.926/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, julgado em 11/09/2013).
Se a decisão já havia transitado em julgado, a fruição do que foi recebido indevidamente está acobertada pela boa-fé, considerando que o segurado poderia supor, de forma legítima, que os valores integraram em definitivo o patrimônio do beneficiário e que não mais iriam ser questionados (AgRg no REsp 126480/CE).

Desse modo, há uma diferença entre os valores recebidos por força de uma tutela antecipada e aqueles auferidos em decorrência de uma sentença transitada em julgado:
Decisão em tutela antecipada
Sentença transitada em julgado
Os valores recebidos possuem natureza alimentar.
Os valores recebidos possuem natureza alimentar.
O beneficiário não ostenta boa-fé objetiva (não pode ter legítima expectativa de que os valores ingressaram de forma definitiva).
O beneficiário ostenta boa-fé objetiva (possui legítima expectativa de que os valores ingressaram de forma definitiva).
Em caso de revogação da decisão, deverá devolver os valores.
Em caso de rescisão da coisa julgada, não terá obrigação de devolver os valores.


Amigos, os temas acima abordados são dos mais importantes do ano. É impossível prever o que o examinador irá cobrar de vocês, mas se fosse por questão de relevância, pelo menos algum desses assuntos deveria ser cobrado na prova discursiva de Procurador Federal.

Bons estudos e aguardem porque mais tarde teremos uma grande novidade para anunciar!!!


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Videoaula: Julgados do 1º Semestre de 2013 relacionados com direito à imagem, fraude contra credores e obrigações


Olá amigos do Dizer o Direito,

Gostaríamos mais uma vez de convidá-los a conhecer o Curso de Revisão da jurisprudência do STF e do STJ –  1º Semestre de 2013, promovido pela EBEJI.

Nesse curso, são comentadas as principais decisões do STF e do STJ divulgadas nos Informativos do 1º semestre de 2013 relacionadas com Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil, Processo Civil, Direito do Consumidor, Direito Penal e Processo Penal.

As informações completas sobre o Curso podem ser encontradas no site da EBEJI e, para os alunos que se matricularem até o dia de hoje (24/09), o valor promocional é de R$ 100,00.

Para que vocês conheçam melhor a sistemática do Curso, divulgados aqui uma aula inteira gratuita. Nesta aula, o Prof. Márcio Cavalcante trata sobre os julgados do 1º Semestre de 2013 relacionados com direito à imagem, fraude contra credores e obrigações. Confira:

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

INFORMATIVO Esquematizado 715 STF



Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 715 do STF.

Tenham todos uma excelente semana!


INFORMATIVO Esquematizado 715 STF - Versão Resumida



Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 715 STF - Versão Resumida.

Tenham uma ótima semana!




sábado, 21 de setembro de 2013

Se o agente coloca uma fita isolante para alterar o número da placa do carro pratica o delito do art. 311 do CP?

Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos abordar hoje mais um interessante tema e que tem bastante repercussão na prática, além de ser muito cobrado nos concursos.

A pergunta do dia é a seguinte:

Se o agente coloca uma fita adesiva ou isolante para alterar o número ou as letras da placa do carro e, assim, evitar multas, pedágio, rodízio etc, isso configura o delito do art. 311 do CP? Ex: a placa do carro termina com o número 6 e o sujeito, com uma fita isolante preta, altera para 8.

Antes de respondermos essa pergunta, vamos fazer uma revisão sobre o delito do art. 311 do CP.

Previsão típica
O Código Penal prevê o crime de “adulteração de sinal identificador de veículo automotor” nos seguintes termos:
Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
§ 1º - Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço.
§ 2º - Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial.

Bem jurídico: o tipo penal tem por objetivo proteger a autenticidade dos sinais que identificam os veículos automotores (esse é um dos aspectos relacionados com a “fé pública”).

Em que consiste o crime:
- O agente
- adultera (modifica) ou
- remarca (coloca uma nova marca)
- o número de chassi (numeração que fica sobre a estrutura de aço da carroceria) ou
- qualquer sinal identificador do veículo automotor (ex: placas),
- sinal identificador de um componente do veículo (ex: sinal identificador que esteja no vidro, no motor) ou
- sinal identificador de um equipamento do veículo (ex: sinal identificador que esteja no para-choque de um veículo).

Veículo automotor:
A definição do que seja veículo automotor é dada pelo CTB e representa “todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).”

Raspar ou suprimir o número do chassi (Número de Identificação do Veículo – NIV): configura o crime do art. 311 do CP (REsp 1035710/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 21/06/2011).

Se a pessoa substituir a placa do veículo por uma placa com numeração diferente, estará configurado esse delito?
SIM. Tal conduta enquadra-se no art. 311 do CP (AgRg no AREsp 126.860/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, julgado em 06/09/2012).
Vale ressaltar, no entanto, que se houver autorização legal para a mudança da placa, isso, obviamente, não configura crime. É o caso, por exemplo, da previsão existente no § 7º do art. 115 do Código de Trânsito, inserido pela Lei n.° 12.694/2012:
§ 7º Excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN.

Elemento subjetivo: é o dolo. O tipo penal não exige elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica do agente (não exige “dolo específico”).

Se o agente coloca uma fita adesiva ou isolante para alterar o número ou as letras da placa do carro e, assim, evitar multas, pedágio, rodízio etc, isso configura o delito do art. 311 do CP?

NÃO
Para uma primeira corrente,
tal fato seria atípico.
SIM
Trata-se de fato típico, configurando o delito previsto no art. 311 do CP.
Segundo Cleber Masson, “a adulteração ou remarcação de número de chassi ou de sinal identificador de veículo automotor deve revestir-se de permanência, pois somente dessa forma é cabível reconhecer a lesão à fé pública. Se a mudança é temporária e, principalmente, facilmente perceptível por qualquer pessoa, a exemplo do que se verifica na colocação de fitas adesivas nas placas de veículos para livrar-se de multas de trânsito, do pagamento de pedágio, dos radares e da restrição de circulação em dias e horários determinados, não há que se falar em adulteração ou remarcação” (Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2013, p. 1066).
É a posição também de Damásio de Jesus.
Segundo a jurisprudência atual do STJ e do STF, é típica a conduta de adulterar a placa de veículo automotor mediante a colocação de fita adesiva.
A caracterização do crime previsto no art. 311 do CP prescinde de finalidade específica do agente. Além disso, a colocação de fita adesiva pode ser um meio idôneo de enganar a fiscalização de trânsito, sendo, portanto, crime possível.

STJ 6ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1329449/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 18/09/2012.

STF 2ª Turma. RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/8/2013.

Nas provas objetivas, deve-se adotar a 2ª corrente.

Em provas discursivas, é interessante mencionar a existência das duas correntes, mas afirmar que o entendimento do STJ e do STF é no sentido de que há crime.

Cuidado porque a maioria dos livros não informa que a 2ª corrente é a posição prevalente nos Tribunais Superiores.

Em um caso concreto recentemente apreciado pelo STF (RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/8/2013), o réu argumentou que colocou uma fita isolante preta na placa de seu veículo, modificando o último número apenas para poder circular com o carro burlando o rodízio de veículos que existia na cidade. Com base nisso, a defesa apresentava duas teses:
• A falsidade era grosseira (percebida a olho nu);
• Não houve dolo de praticar o delito, mas apenas o de burlar o rodízio, configurando, portanto, mera irregularidade administrativa.

O STF não aceitou os argumentos, afirmando que o bem jurídico protegido pela norma penal foi atingido. Para a Corte, o tipo penal não exige elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica (não exige “dolo específico”). No entanto, mesmo que se considere que a vontade do agente foi apenas essa, tal conduta tinha por objetivo frustrar a fiscalização, ou seja, os meios legítimos de controle do trânsito, incidindo, portanto, no crime.

Além disso, o simples fato de ter sido utilizada fita isolante para fazer a alteração não significa dizer que a falsidade seja grosseira. Isso porque em muitos casos como esse, a adulteração somente é percebida se a placa for analisada de perto, podendo o agente de trânsito ser enganado se o veículo estiver em movimento.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Revisão para o VI concurso da Defensoria Pública de São Paulo



Olá amigos do Dizer o Direito,

Muitos leitores irão fazer o concurso da Defensoria Pública de São Paulo e, por essa razão, preparamos uma revisão de véspera de prova para tentar ajudar vocês no domingo.

Esperamos que seja útil.

Boa sorte a todos!


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Competência para julgar homicídio cujo ato de execução se deu em uma comarca e a consumação ocorreu em outra localidade



Lugar do crime
No processo penal, a competência territorial é definida pelo lugar do crime.
Em outras palavras, em regra, o juízo competente para conhecer a ação penal é o do lugar em que o crime ocorreu.
Diante disso, torna-se importante responder a seguinte pergunta: onde a legislação considera que o crime ocorreu? O que é o lugar do crime?

Teorias sobre o lugar do crime
O critério para definir onde o crime ocorreu é fixado pela lei.
A legislação do país pode adotar uma das seguintes opções:
a) Teoria da atividade: adota como critério que o lugar do crime é o local onde ocorreu a conduta delituosa, ou seja, onde o sujeito praticou a ação ou a omissão.
b) Teoria do resultado (evento): considera que o lugar do crime é o local onde o delito se consumou (crimes consumados) ou onde foi praticado o último ato de execução (no caso de crimes tentados). Obs: os autores de Direito Penal, por conta da redação do CP, afirmam que, pela teoria do resultado, lugar do crime é o local em que se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
c) Teoria da ubiquidade (mista): entende que lugar do crime é tanto o local onde ocorreu a ação ou omissão como também onde se deu o resultado. Em suma, este critério abrange as duas teorias.

Qual foi a teoria adotada pelo Brasil?

Código Penal (reformado em 1984)
Código de Processo Penal (1941)
Teoria da UBIQUIDADE
Art. 6º Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. (Redação dada pela Lei 7.209/84)

Teoria do RESULTADO
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.


Como compatibilizar os dois dispositivos? O art. 6º do CP revogou o art. 70 do CPP?
NÃO. O art. 6º do CP não revogou o art. 70 do CPP. Os dois dispositivos convivem harmoniosamente.

Em que casos é utilizado o art. 6º do CP?
O art. 6º do CP é uma regra destinada a resolver a competência no caso de crimes envolvendo o território de dois ou mais países. Trata-se, portanto, de uma norma de aplicação da lei penal no espaço.
Assim, a regra do Código Penal foi prevista pelo legislador para definir se o Brasil é competente nos casos de crimes envolvendo territórios de outros países, ou seja, situações de conflito internacional de jurisdição.
Diz-se que o art. 6º do CP resolve a competência nas hipóteses de crime à distância.
Crime à distância (ou de espaço máximo): é o delito que envolve o território de dois países. A execução do crime inicia-se em um país e a sua consumação ocorre em outro. Ex: tráfico de drogas provenientes de Letícia (Colômbia) com destino a Tabatinga (Brasil).
Obs: LFG afirma que existe ainda outra classificação chamada de “crime em trânsito”, que seria o delito que envolveria o território de mais de dois países. Ex: tráfico internacional de drogas envolvendo Letícia (Colômbia), Tabatinga (Brasil) e Santa Rosa (Peru). Esta nomenclatura, contudo, é pouco difundida entre os demais autores e na jurisprudência.

Em que casos é utilizado o art. 70 do CPP?
O art. 70 do CPP é uma regra destinada a resolver crimes envolvendo o território de duas ou mais comarcas (ou duas ou mais seções judiciárias).
Trata-se de uma regra de competência interna (não há discussão envolvendo a jurisdição de outros países).
Assim, a regra do CPP foi prevista pelo legislador para definir qual comarca (se for da Justiça Estadual) ou seção/subseção judiciária (se for da Justiça Federal) será competente em crimes cuja execução iniciou-se em uma cidade e a consumação ocorreu em outra, ambas dentro do Brasil. Resolve conflitos de competência territorial.
Diz-se que o art. 70 do CPP resolve conflitos de competência territorial na hipótese de crimes plurilocais, que são aqueles que envolvem duas ou mais comarcas/seções judiciárias dentro do país.

Vamos, então, comparar novamente as duas previsões:

ART. 6º DO CP
ART. 70, CAPUT, DO CPP
Adotou a teoria da ubiquidade (mista).
Adotou a teoria do resultado.
Lugar do crime é local em que...
• ocorreu a ação ou omissão (no todo ou em parte)
• bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
Lugar do crime é o local em que se consumou a infração, ou, no caso de tentativa, o lugar em que for praticado o último ato de execução.
Regra destinada a resolver a competência no caso de crimes envolvendo o território de dois ou mais países (conflito internacional de jurisdição).
Regra destinada a resolver crimes envolvendo o território de duas ou mais comarcas (ou seções judiciárias) apenas dentro do Brasil (conflito interno de competência territorial).
Define o se o Brasil será competente para julgar o fato no caso de crimes à distância.
Define qual o juízo competente no caso de crimes plurilocais.


Competência territorial disciplinada pelo CPP

Regra: a competência territorial será do juízo do lugar em que ocorreu o RESULTADO.
Crime consumado: o juízo competente será o do lugar onde o crime se consumou.
Crime tentado: a competência será do lugar onde foi praticado o último ato de execução.

A doutrina aplaude a escolha da teoria do resultado pelo CPP?
Não. “(...) o local no qual se consuma o crime nem sempre é favorável à produção da prova, se outro tiver sido o lugar da ação ou dos atos de execução. A testemunha ocular da prática de um crime, de modo geral, reside ou tem domicílio naquele local. Assim, se a vítima for deslocada para outra cidade, a fim de receber cuidados médicos, não resta dúvida de que a instrução criminal, e, por isso, a ação penal, deveriam ter curso no local onde se praticou a ação e não onde ocorreu o resultado.” (PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2012, p. 156).

Por conta dessas críticas levantadas pela doutrina, a jurisprudência criou uma verdadeira exceção ao art. 70 do CPP. Veja abaixo:

Exceção: em crimes contra a vida, a competência será determinada pela teoria da ATIVIDADE.
Assim, no caso de crimes contra a vida (dolosos ou culposos), se os atos de execução ocorreram em um lugar e a consumação se deu em outro, a competência para julgar o fato será do local onde foi praticada a conduta (local da execução).

Esse é o entendimento do STJ e do STF:
(...) Nos termos do art. 70 do CPP, a competência para o processamento e julgamento da causa, será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração.
2. Todavia, a jurisprudência tem admitido exceções a essa regra, nas hipóteses em que o resultado morte ocorrer em lugar diverso daquele onde se iniciaram os atos executórios, determinando-se que a competência poderá ser do local onde os atos foram inicialmente praticados.
3. Tendo em vista a necessidade de se facilitar a apuração dos fatos e a produção de provas, bem como garantir que o processo possa atingir à sua finalidade primordial, qual seja, a busca da verdade real, a competência pode ser fixada no local de início dos atos executórios. (...)
(HC 95.853/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 11/09/2012)

Qual é a razão de se adotar esse entendimento?
Explica Guilherme de Souza Nucci:
“(...) é justamente no local da ação que se encontram as melhores provas (testemunhas, perícia etc.), pouco interessando onde se dá a morte da vítima. Para efeito de condução de uma mais apurada fase probatória, não teria cabimento desprezar-se o foro do lugar onde a ação desenvolveu-se somente para acolher a teoria do resultado. Exemplo de ilogicidade seria o autor ter dado vários tiros ou produzido toda a série de atos executórios para ceifar a vida de alguém em determinada cidade, mas, unicamente pelo fato da vítima ter-se tratado em hospital de Comarca diversa, onde faleceu, deslocar-se o foro competente para esta última. As provas teriam que ser coletadas por precatória, o que empobreceria a formação do convencimento do juiz.” (Código de Processo Penal Comentado. 8ª ed., São Paulo: RT, 2008, p. 210).

Caso concreto
No caso concreto julgado recentemente pelo STF, a ré foi denunciada pela prática de homicídio culposo por ter deixado de observar dever objetivo de cuidado que lhe competia em razão de sua profissão de médica, agindo de forma negligente durante o pós-operatório de sua paciente, ocasionando-lhe a morte.
A conduta negligente da médica foi praticada em uma determinada cidade e o falecimento da vítima se deu em outra.
O STF considerou que o juízo competente era o do local onde se deu a conduta.
(1ª Turma. RHC 116200/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/8/2013).

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Curso de Revisão de Informativos do STF e do STJ – 1º Semestre de 2013


Olá amigos do Dizer o Direito,

Gostaríamos de convidá-los a conhecer o Curso de Revisão da jurisprudência do STF e do STJ –  1º Semestre de 2013, promovido pela EBEJI.

Nesse curso, são comentadas as principais decisões do STF e do STJ divulgadas nos Informativos do 1º semestre de 2013.

Os julgados de Direito Penal, Processo Penal e Execução Penal foram expostos pelo recém-nomeado Defensor Público Federal Caio Paiva, editor do site www.oprocesso.com.br.

As decisões de Direito Constitucional e Processo Civil foram explicadas pelo Advogado da União Ubirajara Casado.

Os acórdãos de Direito Administrativo, Direito Civil e Direito do Consumidor foram comentados pelo Prof. Márcio Cavalcante, editor do site www.dizerodireito.com.br.

As informações completas sobre o Curso podem ser encontradas no site da EBEJI e, para os alunos que se matricularem até o dia 24/09, o valor promocional é de R$ 100,00.

O curso é voltado especialmente para aqueles que se preparam para concursos públicos, sendo também recomendado aos profissionais do Direito que buscam se manter atualizados com os recentes entendimentos dos Tribunais Superiores.




Dizer o Direito!