Dizer o Direito

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Inquérito civil - treinando questões discursivas


Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje treinar uma questão discursiva que pode ser cobrada em sua próxima prova de Promotor de Justiça:

Imagine a seguinte situação hipotética e responda as perguntas que seguem:
O Ministério Público, por meio de sua página na internet, recebeu uma “denúncia anônima” relatando que determinados vereadores tiveram uma evolução patrimonial incompatível com seus rendimentos.
O Promotor de Justiça determinou a instauração de inquérito civil baseado apenas nessa “denúncia anônima” e requisitou dos investigados inúmeras informações, dentre elas fontes de renda que possuem, além da remuneração recebida do Município.

O que é um inquérito civil?
O inquérito civil é um procedimento administrativo, investigativo, de natureza inquisitorial, instaurado pelo membro do Ministério Público com a finalidade de apurar fatos que podem ser objeto de uma ação civil pública.

Quais são as suas principais características?
• procedimento administrativo;
• investigativo;
• inquisitorial (para a maioria, não existe contraditório e ampla defesa);
• unilateral;
• não obrigatório (facultativo);
• público;
• exclusivo do Ministério Público (só ele pode instaurar).

Onde está previsto no inquérito civil?
• Art. 129, III, da CF/88;
• Art. 8º da Lei n.° 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública);
• Art. 6º da Lei n.° 7.853/89 (pessoas com deficiência);
• Art. 201, V, da Lei n.° 8.069/90 (ECA);
• Art. 6º, VII, da LC n.° 75/93 (Lei do MPU);
• Art. 25, IV, da Lei n.° 8.625/93 (Lei orgânica do MP);
• Art. 74, I, da Lei n.° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso);
• Resolução n.° 23/2007-CNMP.

Quais são as fases do inquérito civil?
Podem ser identificadas três fases do inquérito civil: instauração, instrução e conclusão.

Quais as formas de instauração do inquérito civil?
O inquérito civil poderá ser instaurado:
I – de ofício;

II – em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade.
Obs: o requerimento ou representação pode ser formulada inclusive verbalmente, situação em que o MP reduzirá a termo as declarações. A falta de formalidade, por si só, não implica indeferimento do pedido de instauração de inquérito civil.

III – por designação do Procurador-Geral de Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público, Câmaras de Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos cabíveis.

A instauração do inquérito civil se dá por meio de portaria.


A denúncia anônima é válida para a instauração de IC?
SIM. A jurisprudência do STJ admite a atuação investigatória do Ministério Público, no âmbito administrativo, em caso de denúncia anônima.

É certo que a CF/88 veda o anonimato (art. 5°, IV). No entanto, essa previsão deve ser harmonizada, com base no princípio da concordância prática, com o dever constitucional imposto ao Ministério Público de promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III).

Nos termos do art. 22 da Lei n.° 8.429/1992, o Ministério Público pode, mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo para apurar qualquer ilícito previsto no aludido diploma legal. Se pode de ofício, nada impede que o faça mediante uma denúncia anônima.

Assim, ainda que a notícia da suposta discrepância entre a evolução patrimonial de agentes políticos e seus rendimentos tenha decorrido de denúncia anônima, não se pode impedir que o membro do Parquet tome medidas proporcionais e razoáveis, como no caso dos autos, para investigar a veracidade do juízo apresentado por cidadão que não se tenha identificado.

Vale ressaltar que o § 3º do art. 2º da Resolução n.° 23/2007-CNMP autoriza a instauração de inquérito civil mesmo em caso de manifestação anônima, desde que obedecidos os mesmos requisitos para as representações em geral, isto é, desde que existam, por meios legalmente permitidos, informações sobre o fato e seu autor.

Confira dois precedentes recentes nesse sentido:
(...) O STJ reconhece a possibilidade de investigar a veracidade de denúncia anônima em Inquérito Civil ou Processo Administrativo (...)
(RMS 38.010/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 02/05/2013)

(...) 2. A Lei n. 8.625/1993, lei orgânica do Ministério Público, e a Resolução n. 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público autorizam a atuação investigatória do parquet, no âmbito administrativo, em caso de denúncia anônima. (...)
(RMS 37.166/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 09/04/2013)

Em nosso exemplo, os investigados poderiam alegar o direito à intimidade para se recusarem a prestar informações sobre sua evolução patrimonial?
NÃO. O art. 13 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.° 8.429/92) obriga os agentes públicos a disponibilizarem periodicamente informações sobre seus bens e evolução patrimonial. Segundo já decidiu o STJ, os agentes políticos sujeitam-se a uma diminuição na esfera de privacidade e intimidade, de modo que se mostra ilegítima a pretensão de não revelar fatos relacionados à evolução patrimonial (RMS 38.010/RJ).

Qual é o instrumento jurídico cabível por meio do qual os investigados podem questionar a instauração de um inquérito civil abusivo?
Algumas leis orgânicas de Ministérios Públicos estaduais preveem a existência de um recurso administrativo contra a instauração (verifique a Lei do MP relacionada com o concurso que você for prestar).
Os investigados poderão também impetrar mandado de segurança.

É cabível a impetração de habeas corpus nesse caso?
NÃO. O habeas corpus não é meio hábil para questionar-se aspectos ligados quer ao inquérito civil público, quer à ação civil pública, porquanto, nesses procedimentos, não se faz em jogo, sequer na via indireta, a liberdade de ir e vir. (STF HC 90378, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 13/10/2009).

Um grande abraço a todos!

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