Dizer o Direito

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Teoria da perda de uma chance


O que é a teoria da perda de uma chance?
Trata-se de teoria inspirada na doutrina francesa (perte d’une chance).
Segundo esta teoria, se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados. Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua conduta, faz com que a vítima perca a oportunidade de obter uma situação futura melhor.

A teoria da perda de uma chance é adotada no Brasil?
SIM, esta teoria é aplicada pelo STJ que exige, no entanto, que o dano seja REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável (REsp 1.104.665-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 9/6/2009).
Em outros julgados, fala-se que a chance perdida deve ser REAL e SÉRIA, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada.
(AgRg no REsp 1220911/RS, Segunda Turma, julgado em 17/03/2011)

Natureza do dano
O dano resultante da aplicação da teoria da perda de uma chance é considerado dano emergente ou lucros cessantes?
Trata-se de uma terceira categoria. Com efeito, a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010)

Exemplo de aplicação desta teoria
Aplica-se a teoria da perda de uma chance ao caso de candidato a Vereador que deixa de ser eleito por reduzida diferença de oito votos após atingido por notícia falsa publicada por jornal, resultando, por isso, a obrigação de indenizar. (STJ. 3ª Turma, REsp 821.004/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 19/08/2010)

Perda de uma chance e perda do prazo pelo advogado
O simples fato de um advogado ter perdido o prazo para a contestação ou para a interposição de um recurso enseja indenização pela aplicação desta teoria?
NÃO. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.
Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance.
É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010)

Perda de uma chance nas relações de direito público
A teoria da perda de uma chance pode ser aplicada nas relações de direito público?
SIM, existem alguns Ministros do STJ que defendem que a teoria da perda de uma chance poderia ser aplicada também nas relações entre o Estado e o particular. Nesse sentido: Min. Mauro Campbell Marques e Min. Eliana Calmon.

Perda de uma chance e erro médico
A teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de paciente que venha a falecer em razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.254.141-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012.

Caso concreto julgado pelo STJ:
“R”, viúvo de “V”, ajuizou ação de indenização contra “M”, médico responsável pelo tratamento da falecida, que possuía um câncer no seio.
O autor alegou que, durante o tratamento da doença, “M” cometeu uma série de erros médicos, entre os quais se destacam os seguintes: após o tratamento inicial da doença não foi recomendada quimioterapia; a mastectomia realizada foi parcial (quadrantectomia), quando seria recomendável mastectomia radical; não foi transmitida à paciente orientação para não mais engravidar; com o desaparecimento da doença, novamente o tratamento foi inadequado; o aparecimento de metástase foi negado pelo médico; entre outras alegações.
O laudo pericial apontou que houve, de fato, erro médico.
O réu foi condenado por danos morais e materiais, tendo sido aplicada a teoria da perda de uma chance.

Perda de uma chance clássica X Perda de uma chance por conta de erro médico
A aplicação da teoria da perda de uma chance no caso de erro médico possui algumas diferenças da aplicação tradicional da teoria da perda de uma chance às demais hipóteses (baseado nas lições da Min. Nancy Andrighi):

Teoria da perda de uma chance CLÁSSICA (TRADICIONAL)
Teoria da perda de uma chance no caso de ERRO MÉDICO
Ocorre quando o agente frustrou a oportunidade da pessoa de auferir uma vantagem.
Ocorre quando o médico, por conta de um erro, fez com que a pessoa não tivesse um tratamento de saúde adequado que poderia tê-la curado e evitado a sua morte.
Há sempre certeza quanto à autoria do fato que frustrou a oportunidade. Existe incerteza quanto à existência/extensão dos danos.
Aqui, a extensão do dano já está definida (a pessoa morreu), e o que resta saber é se esse dano teve como concausa a conduta do réu.

Perda de uma chance no caso de mulher que foi impedida de participar de sorteio
Em 2012, o STJ julgou o seguinte caso, aplicando a teoria da perda de uma chance:
Determinada mulher fez compras em um supermercado e recebeu bilhete para participar de um sorteio. No bilhete constava a seguinte inscrição: "você concorre a 900 vales-compras de R$ 100,00 e a 30 casas."
A mulher foi sorteada e, ao comparecer para receber o prêmio, obteve apenas o vale-compras, tomando, então, conhecimento de que, segundo o regulamento, as casas seriam sorteadas àqueles que tivessem sido premiados com os vale-compras. Este segundo sorteio, todavia, já tinha ocorrido, sem a sua participação. As trinta casas já haviam sido sorteadas entre os demais participantes e ela, por falha de comunicação da organização, não participou do sorteio.
O STJ considerou que houve violação do dever contratual, previsto no regulamento, o que fez com que a mulher ficasse impedida de participar do segundo sorteio e, portanto, de concorrer, efetivamente, a uma das trinta casas.
O STJ também entendeu que a mulher deveria ser indenizada pela perda da chance de participar do segundo sorteio, no qual 900 pessoas (ganhadoras dos vale-compras) concorreriam a 30 casas.
Na teoria da perda de uma chance não se paga como indenização o valor do resultado final que poderia ter sido obtido, mas sim uma quantia a ser arbitrada pelo juiz, levando em consideração o caso concreto.
No caso concreto acima relatado, por exemplo, o STJ não condenou o supermercado a pagar o valor de uma casa sorteada. Isso porque não havia certeza de que a mulher seria sorteada. O que ela perdeu não foi a casa em si, mas sim a chance, real e séria, de ganhar a casa. Logo, ela deve ser indenizada pela chance perdida e não pela casa perdida.
Nesse sentido, o STJ entendeu que o dano material suportado pela mulher não corresponde ao valor de uma das 30 casas sorteadas, mas à perda da chance, no caso, de 30 chances, em 900, de obter o bem da vida almejado.
A casa sorteada estava avaliada em R$ 40 mil. Como eram 900 pessoas concorrendo a 30 casas, a probabilidade da mulher ganhar a casa era de 1/30. Logo, o STJ condenou o supermercado a pagar 1/30 do valor da casa (1/30 de R$ 40 mil).
Processo: STJ. 4ª Turma. EDcl no AgRg no Ag 1196957/DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/04/2012.

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