Dizer o Direito

sábado, 29 de junho de 2013

O advogado pode cobrar honorários advocatícios de seu cliente mesmo que ele seja beneficiário da justiça gratuita?

Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar de um assunto que tem se tornado cada vez mais comum na prática forense: o advogado pode cobrar honorários advocatícios de uma pessoa que seja beneficiária da justiça gratuita?

Vamos explicar melhor o tema e expor o que o STJ e o STF têm decidido sobre isso:

Imagine a seguinte situação hipotética:
Dr. Ruy (advogado) celebrou contrato de prestação de serviços advocatícios com João (seu cliente). No ajuste, ficou previsto que os honorários contratuais seriam pagos por João somente ao final da causa, se esta fosse exitosa.
Assim, se a ação de indenização a ser proposta por João fosse julgada procedente, este deveria pagar ao advogado cinco mil reais. Se não tivesse êxito, João não pagaria nada.

Cláusula quota litis
Apenas por curiosidade, quando isso ocorre, diz-se que o contrato de honorários possui uma cláusula ad exitum ou quota litis.
Como a obrigação do advogado é de meio (e não de resultado), havia uma discussão no Conselho Federal da OAB se a cláusula quota litis violaria ou não o Código de Ética e Disciplina da OAB.

O Conselho Federal da OAB, em 2010, entendeu que o contrato de prestação de serviços jurídicos com cláusula quota litis, onde o advogado aceita receber seus honorários somente no final do processo, em princípio, por si só, não fere o regime ético-disciplinar. No entanto, segundo a OAB, este tipo de contrato deve ser excepcional (quando a parte não tiver condições de pagar antecipadamente), não podendo o advogado transformá-lo em algo corriqueiro (Consulta 2010.29.03728-01).

Voltando ao nosso exemplo
O advogado elaborou e protocolizou a petição inicial da ação.
Vale ressaltar que, pelo fato de João ser pobre, requereu-se a justiça gratuita.
O juiz deferiu os benefícios da justiça gratuita ao autor.
Após toda a tramitação processual, a ação foi julgada procedente.

O debate jurídico é o seguinte:
O advogado pode cobrar honorários advocatícios contratuais de uma pessoa que seja beneficiária da justiça gratuita ou isso viola o art. 3º, V, da Lei n.° 1.060/50?
O advogado pode sim cobrar honorários advocatícios contratuais de seu cliente, mesmo ele sendo beneficiário da justiça gratuita, sem que esta prática viole o art. 3º, V, da Lei n.° 1.060/50. Foi o que decidiu a 4ª Turma do STJ no REsp 1.065.782-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/3/2013.

Vejamos inicialmente o que diz o art. 3º, V, da Lei n.° 1.060/50, que estabelece as normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados:
Art. 3º A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
V - dos honorários de advogado e peritos.

O art. 3º, V, acima transcrito NÃO veda que o advogado possa cobrar de seu cliente os honorários advocatícios ajustados entre eles (honorários contratuais). O que este dispositivo quer dizer é que a pessoa pobre (beneficiária da justiça gratuita) está isenta do pagamento dos honorários resultantes da sucumbência, ou seja, aqueles devidos ao advogado da parte contrária, mas não os que ela contrata com o seu patrono, levando em conta o eventual proveito que terá na causa.

Desse modo, se a ação proposta por João tivesse sido julgada improcedente, ele não teria que pagar os honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu. João estaria isento, por força do art. 3º, V, supra.

O STJ tem entendimento majoritário no sentido de que a isenção do art. 3º, V não se estende aos honorários contratuais. Confira alguns precedentes:
(...) Se o beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita opta por um determinado profissional em detrimento daqueles postos à sua disposição gratuitamente pelo Estado, deverá ele arcar com os ônus decorrentes desta escolha.
Esta solução busca harmonizar o direito de o advogado receber o valor referente aos serviços prestados com a faculdade de o beneficiário, caso assim deseje, poder escolher aquele advogado que considera ideal para a defesa de seus interesses. (...)
(REsp. 965350/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/12/2008)

(...) A concessão de assistência judiciária gratuita refere-se, exclusivamente, às custas e verba honorária fixada em juízo, não importando em dispensa de pagamento dos honorários contratualmente estabelecidos pelas partes constante da avença entre elas firmada. (...)
(REsp 598.877/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 16/11/2010)

Principais argumentos apresentados pelo Min. Luis Felipe Salomão:
• De fato, o art. 3º da Lei n.° 1.060/50 não diferencia honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais (o dispositivo fala apenas em honorários). No entanto, é preciso interpretar este inciso de acordo com a CF/88 e com as demais normas do ordenamento jurídico.
• Assim, se considerarmos que os benefícios da justiça gratuita se estendem aos honorários contratuais, iremos fazer com que uma eventual decisão do Judiciário deferindo a justiça gratuita tenha o condão de desfazer um ato extraprocessual e pretérito, qual seja, o contrato celebrado entre o advogado e o cliente, interpretação que viola o ato jurídico perfeito.
• Vale ressaltar, ainda, que a hipossuficiência reconhecida por ocasião do deferimento da justiça gratuita é absolutamente compatível com o pagamento de honorários contratuais pelo êxito da causa, uma vez que a pessoa não tem recursos no momento da propositura da ação, mas sendo esta exitosa, poderá ser utilizada parte da verba recebida para remunerar o profissional que atuou na causa.
• Estender os benefícios da justiça gratuita aos honorários contratuais, retirando do causídico a merecida remuneração pelo serviço prestado, não contribui para que o hipossuficiente tenha maior acesso ao Judiciário. Ao contrário, não admitir o recebimento dos honorários em tais casos dificulta, pois não haverá nenhum advogado que aceite patrocinar os interesses de necessitados, circunstância que fará com que haja uma grande procura pelas Defensorias Públicas o que gerará prejuízo aos demais hipossuficientes já que a instituição ainda não está estruturada para atender toda esta demanda.

Julgado do STF
A conduta do advogado de cobrar os honorários contratuais do beneficiário da justiça gratuita configura estelionato ou algum outro crime?
NÃO. Recentemente, a 1ª Turma do STF examinou esta questão sob o ponto de vista criminal e decidiu que esta conduta do advogado NÃO constitui estelionato.
De acordo com o STF, não há qualquer ilegalidade ou crime no fato de um advogado pactuar com seu cliente, em contrato de risco, a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação judicial proposta, mesmo quando este goza do benefício da gratuidade de justiça. (STF. 1ª Turma. HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4/9/2012).
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