Dizer o Direito

domingo, 16 de junho de 2013

Ações de indenização por danos a direitos da personalidade envolvendo pessoas falecidas - aspectos de direito material e processual

Olá amigos do Dizer o Direito,


Vamos hoje sobre a legitimidade para ações de indenização por danos a direitos da personalidade envolvendo pessoas falecidas. Trata-se de um tema muito interessante. Vejamos:

O que é a herança?
A herança é o conjunto de bens deixado pela pessoa falecida. Caracteriza-se, por força de lei, como sendo bem imóvel, universal e indivisível. A herança é formada automaticamente pela morte e somente será dissolvida quando houver a partilha.

O que é o espólio?
O espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele. Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex: celebrar contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et. al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).


Quem representa o espólio em juízo (quem age em nome do espólio)?
 • Se já houve inventário: o espólio é representado em juízo pelo inventariante.
• Se ainda não foi aberto inventário: o espólio é representado pelo administrador provisório (art. 985 do CPC).

Fixados estes conceitos, imagine a seguinte situação hipotética:
João, viúvo, pai de Hugo, José e Luiz, faleceu em decorrência de suposta falha no atendimento hospitalar. Foi aberto inventário, tendo Hugo sido nomeado como inventariante. Os filhos decidem contratar um advogado para ajuizar uma ação de indenização contra o hospital pelos danos morais e materiais que eles sofreram com a morte do genitor. O advogado propõe a ação de indenização indicando como autor o espólio.

O advogado agiu de maneira correta?
NÃO. O espólio não tem legitimidade para postular indenização pelos danos materiais e morais supostamente experimentados pelos herdeiros, ainda que se alegue que os referidos danos teriam decorrido de erro médico de que fora vítima o falecido. Na situação exposta, o direito à reparação pelos danos causados com a morte é dos filhos de João por conta de direito próprio deles (e não por um direito que tenha sido transmitido com a herança). Assim, o direito à reparação pela morte de João nada tem a ver com a herança (não foi um bem deixado pelo falecido com a sua morte). Logo, o autor da demanda não deve ser o espólio. Resumindo: o direito no qual se funda a ação é próprio dos herdeiros, e não um direito do de cujus que foi transmitido. Foi o que decidiu o STJ recentemente: 4ª Turma. REsp 1.143.968-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/2/2013.
  
Vejamos, ao contrário, duas situações em que a legitimidade seria do espólio: 
O espólio teria legitimidade para ajuizar a ação se o direito à indenização pertencesse ao falecido e tivesse sido transmitido aos herdeiros com a morte.

Ex1: suponhamos que, antes de João falecer, tenha sido publicada uma reportagem no jornal atacando a sua honra. João ajuizou uma ação de indenização contra o periódico, tendo, no entanto, morrido antes que a demanda fosse julgada. Neste exemplo, considerando a natureza patrimonial do direito de ação por danos morais, esse direito se transmitirá aos herdeiros. Logo, o espólio possui legitimidade para suceder o autor na ação de indenização, operando-se a substituição processual, nos termos do art. 43 do CPC.

Ex2: a reportagem foi publicada atacando a honra de João. Ocorre que não deu tempo de ele tomar providências contra o periódico. Nesta hipótese, muito embora se reconheça o caráter pessoal da referida ação, o STJ e a doutrina majoritária consideram que o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima. Logo, o espólio tem legitimidade para intentar a ação de reparação por danos morais. Nesse sentido é o art. 943 do CC e o Enunciado 454 do CJF.


Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

Enunciado 454-CJF: Art. 943. O direito de exigir reparação a que se refere o art. 943 do Código Civil abrange inclusive os danos morais, ainda que a ação não tenha sido iniciada pela vítima.

Vale ressaltar que o direito de personalidade da pessoa morte não foi transmitido com a herança. O direito da personalidade extinguiu-se com a morte do titular. O que se transmitiu, neste caso, foi apenas o direito patrimonial de requerer a indenização.

Agora, por fim, uma última hipótese:
Suponha que a reportagem atacando a honra de João foi publicada somente após a sua morte. Neste caso, será possível o ajuizamento de ação de indenização por danos morais? Quem terá legitimidade para figurar no polo ativo: o espólio ou os herdeiros?
SIM, será possível a propositura de ação de indenização por danos morais. A legitimidade ativa para esta demanda é dos herdeiros, nos termos do parágrafo único do art. 12 do CC:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Se o dano ocorre depois da morte do titular, não produz efeitos jurídicos ao morto. Contudo, tal ofensa atinge, indiretamente, os familiares vivos da pessoa morta, caracterizados como “lesados indiretos”. Assim sendo, os herdeiros, considerados como “lesados indiretos” pelas ofensas devem propor a ação em nome próprio. Como explicam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
“(...) é um direito reconhecido às pessoas vivas de ter salvaguardada a personalidade dos seus parentes (e do cônjuge ou companheiro) falecidos, sob pena de afronta à sua própria personalidade. Isto porque ao violar a honra, imagem, sepultura etc., de uma pessoa morta, atinge-se, obliquamente (indiretamente, na linguagem do Código Civil), os seus parentes (e o cônjuge ou companheiro) vivos.
Bem por isso, os lesados indiretos atuam em nome próprio, defendendo um interesse próprio, consistente na defesa da personalidade de seus parentes (ou de seu cônjuge ou companheiro) falecidos. Agem, pois, por legitimidade ordinária, autônoma, e não em substituição processual.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 198)

Quadro-resumo:
Ofensa a direito da personalidade da pessoa enquanto viva, tendo esta ajuizado ação de indenização, mas falecido antes do trânsito em julgado.
O espólio é legitimado a prosseguir na demanda.
Ofensa a direito da personalidade da pessoa enquanto viva. Esta faleceu sem ter ajuizado a ação.
O espólio é legitimado a propor a ação de indenização.
Ofensa à memória da pessoa já falecida.
Os herdeiros (e não o espólio) são legitimados para propor a ação de indenização.
Dor e sofrimento causado pela morte da pessoa.
Os herdeiros (e não o espólio) são legitimados para propor a ação de indenização.

Gostaram do tema? Muito interessante e evolve Direito Civil e Processual Civil.

Vamos passar o domingo trabalhando e, se Deus quiser, na segunda-feira, publicaremos o INFORMATIVO 517 do STJ.

Um grande abraço!





Dizer o Direito!