Dizer o Direito

sábado, 4 de maio de 2013

Licitação dispensável pelo pequeno valor e contratação de empresa organizadora de concurso público



Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje comentar uma interessante decisão relacionada com licitação dispensada.

Antes de analisarmos o julgado, como vocês já sabem, vamos fazer uma breve revisão sobre o tema.

LICITAÇÃO

Regra: obrigatoriedade de licitação.
Como regra, a CF/88 impõe que a Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante (art. 37, XXI).

Exceção: contratação direta nos casos especificados na legislação.
O inciso XXI do art. 37 da CF/88 afirma que a lei poderá especificar casos em que os contratos administrativos poderão ser celebrados sem esta prévia licitação. A isso, a doutrina denomina “contratação direta”.

Resumindo: a regra na Administração Pública é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever casos excepcionais em que será possível a contratação direta sem licitação.

Lei n.° 8.666/93
A Lei de Licitações e Contratos prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:

DISPENSADA
DISPENSÁVEL
INEXIGÍVEL
Art. 17
Art. 24
Art. 25
Rol taxativo
Rol taxativo
Rol exemplificativo
A lei determina a não realização da licitação, obrigando a contratação direta.
A lei autoriza a não realização da licitação. Mesmo sendo dispensável, a Administração pode decidir realizar a licitação (discricionariedade).
Como a licitação é uma disputa, é indispensável que haja pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê alguns casos em que a inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade jurídica de competição.
Ex: alienação de bens imóveis provenientes de dação em pagamento.
Ex: compras até 8.000 reais.
Ex: contratação de artista consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública para fazer o show do aniversário da cidade.

Procedimento de justificação
Mesmo nas hipóteses em que a legislação permite a contratação direta, é necessário que o administrador público observe algumas formalidades e instaure um processo administrativo de justificação.

Crime
Se o administrador público...

• Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei; ou
• Deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (as formalidades estão previstas especialmente no art. 26 da Lei).

... ele praticará o crime previsto no art. 89 da Lei n.° 8.666/93:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Licitação dispensável pelo pequeno valor
O julgado analisado trata sobre uma das hipóteses de licitação dispensável, prevista no art. 24, II, da Lei:
Art. 24.  É dispensável a licitação:
I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;
II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

A redação do inciso II é um pouco confusa, mas o que ele quer dizer é o seguinte:
O administrador público pode optar por realizar a contratação direta (ou seja, sem licitação), no caso de compras e serviços (que não sejam de engenharia) de até 8 mil reais, considerando esse valor globalmente, isto é, o valor total do serviço ou da compra que possa ser realizada de uma só vez.

Caso concreto
No caso julgado, a Administração Pública municipal contratou a empresa “A” para realizar um concurso público.
O contrato previa o seguinte: o Município pagaria 5 mil reais para a instituição organizadora e esta também teria direito de receber o que fosse arrecadado com as inscrições realizadas.
Como a Administração somente pagaria diretamente à instituição organizadora o valor de 5 mil reais, o administrador público entendeu que esta hipótese se enquadrava no inciso II do art. 24 da Lei n.° 8.666/93. Por esta razão, contratou a empresa organizadora diretamente, ou seja, sem licitação.

A decisão tomada pelo administrador foi correta?
NÃO. Para o STJ, não se amolda à hipótese de dispensa de licitação prevista no art. 24, II, da Lei n. 8.666/1993 a situação em que, contratada organizadora para a realização de concurso público por valor inferior ao limite previsto no referido dispositivo, tenha-se verificado que a soma do valor do contrato com o total arrecadado a título de taxa de inscrição supere o limite de dispensa previsto no aludido inciso (STJ. 2ª Turma. REsp 1.356.260-SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/2/2013).

Não cabe ao intérprete criar novos casos de dispensa, sobretudo porquanto a licitação é destinada a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração (art. 3º da Lei n.° 8.666/93).

Nesse contexto, ainda que os valores recolhidos como taxa de inscrição não sejam públicos, a adequada destinação deles é de interesse público primário. Mesmo que a contratação direta de banca realizadora de concurso sem licitação não afete o interesse público secundário (direitos patrimoniais da Administração Pública), é contrária ao interesse público primário, pois a destinação de elevado montante de recursos à empresa privada ocorrerá sem o processo competitivo, violando, dessa maneira, o princípio da isonomia.

Então, para contratar a Instituição organizadora de um concurso público, é sempre indispensável a realização de licitação?
NÃO. Para a maioria da doutrina e para o TCU, admite-se a contratação direta (sem licitação) de Instituição para realizar concurso público desde que ela se enquadre perfeitamente na hipótese prevista no inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93:
Art. 24.  É dispensável a licitação:
XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;

O Tribunal de Contas da União, ao interpretar este inciso XIII, faz algumas exigências quanto à instituição a ser contratada.

No voto condutor do Acórdão 569/2005 – Plenário do TCU, firmou-se o entendimento de que a contratação direta com base no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666, de 1993, “não suporta toda e qualquer contratação direta de instituição para a realização de concurso público, mas apenas de instituições que atendam os requisitos constantes do próprio texto legal, ou seja: ser brasileira, não ter fins lucrativos, apresentar inquestionável reputação ético-profissional, ter como objetivo estatutário-regimental a pesquisa, o ensino ou o desenvolvimento institucional.
Além disso, a instituição deve deter reputação ético-profissional na estrita área para a qual está sendo contratada (Decisão 908/1999 - Plenário-TCU) e o objeto contratado deve guardar correlação com o ensino, pesquisa ou o desenvolvimento institucional.”
A par desses requisitos, o TCU afirma que também é necessário que se demonstre a compatibilidade dos preços contratados com os de mercado. Em suma, não pode haver superfaturamento.

Há uma Súmula neste sentido:
Súmula 250-TCU: A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.

Como exemplos de instituições que se enquadram neste inciso e que, portanto, podem, em tese, ser contratadas sem licitação, desde que cumpridos os demais requisitos, citamos a FCC, a ESAF e a FGV.

Bem pessoal, é isso. Neste final de semana vamos trabalhar nos Informativos que ainda não foram publicados e, assim, que tivermos mais assuntos interessantes iremos postar.

Um abraço a todos e um ótimo sábado.
Dizer o Direito!