Dizer o Direito

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O regime de “ISSQN Fixo” do DL 406/68 não se aplica aos serviços notariais e registrais



Olá amigos do Dizer o Direito,

Hoje o post é direcionado especificamente aos amigos que são notários e registradores, ou que estudam para estes concursos.

Vamos falar a respeito de recente decisão do STJ sobre a tributação de ISS incidente sobre os serviços notariais e registrais.

Serviços notariais e registrais estão sujeitos ao pagamento de ISS
A Lei Complementar n.° 116/2003 previu que os “serviços de registros públicos, cartorários e notariais” deveriam sofrer a tributação de ISS (item 21 da lista de serviços anexa).
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG ingressou, então, com uma ADI no STF questionando esta tributação.
A Corte Suprema julgou improcedente a ação:
(...) As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.
(ADI 3089, Relator p/ Acórdão: Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2008)

No referido julgamento não foram discutidas, pelo menos de forma explícita, a base de cálculo e a alíquota do ISS que deveriam incidir sobre os referidos serviços.

Como regra geral, a base de cálculo do ISS sobre a qual incide a alíquota é o preço do serviço (art. 7º, da LC 116/2003). Com fundamento nisso, os Municípios, em geral, têm cobrado o ISS dos serviços notariais e registrais aplicando a alíquota sobre o valor dos emolumentos.

Emolumento é o valor pago pelo usuário do serviço pelos atos praticados na serventia notarial e de registro. Ex: o tabelionato de notas do Estado X cobra 2 reais a título de emolumentos pelo serviço notarial de autenticação de documentos.

Desse modo, os municípios têm cobrado a alíquota do ISS (normalmente 5%), valendo-se como base de cálculo o valor dos emolumentos. Em nosso exemplo, os 5% de ISS seriam cobrados sobre os 2 reais de emolumentos.

Os titulares das serventias não concordam com este parâmetro e defendem que fazem jus ao regime especial de tributação previsto no § 1º do art. 9º, do Decreto-Lei n.° 406/68.

Regime especial de tributação do ISS previsto no DL 406/68
A regra geral é que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço (art. 7º, LC 116/2003).
O § 1º do art. 9º do DL n.° 406/68 traz uma exceção a essa regra e prevê que os contribuintes que prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal (pessoas físicas) têm direito ao regime do chamado “ISSQN Fixo”, segundo o qual é fixada uma alíquota sem relação com o preço do serviço. Vejamos o que diz o DL n.° 406/68:

Art. 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.


Segundo a tese sustentada pelos serventuários, os serviços registrais e notariais são considerados “trabalho pessoal”, uma vez que atendem às seguintes características:
a) Exigem-se conhecimentos intelectuais pessoais para o exercício de tais atividades, como a formação jurídica e a habilitação em concurso (art. 14, Lei n.° 8.935/94);
b) A serventia não possui personalidade jurídica ou judiciária, não sendo empresa;
c) O titular da serventia assume responsabilidade pessoal pelo serviço prestado.

Vale ressaltar que esse regime de “ISSQN Fixo” do DL n.° 406/68 foi previsto para ajudar as pessoas que exercem “trabalho pessoal”, sendo muito mais vantajoso que a regra geral. Assim, na prática, se fosse acolhido o entendimento dos notários e registradores, ele iriam pagar, em regra, menos ISS.

Argumentos da Fazenda Pública municipal
As Fazendas Públicas municipais refutam a tese dos notários e registradores, ancorando-se em duas vigas fundamentais:
a)      o § 1º do art. 9º do DL n.° 406/68 não estaria mais em vigor;
b)      ainda que estivesse vigente, os serventuários não se enquadrariam nesse regime especial de tributação em razão de não prestarem serviço de natureza pessoal.

O primeiro argumento do Fisco é, a nosso sentir, absolutamente insubsistente. A LC 116/03, em seu art. 10, revogou expressamente apenas os arts. 8º, 10, 11 e 12 do DL n.° 406/68, mantendo, a contrario sensu, a vigência do art. 9º. De igual sorte, não houve revogação tácita, considerando que LC 116/03 não tratou inteiramente da matéria prevista no § 1º do art. 9º do Decreto-Lei. Essa é também a opinião da doutrina e da jurisprudência do STJ (REsp 713752/PB) e do STF (Súmula 663-STF).

Alegação bem mais forte sustentada pela Municipalidade é a de que os serviços prestados pelas serventias não são necessariamente pessoais. Para tanto, ressaltam que atividades como o reconhecimento de firma, a emissão de certidões, a elaboração de escrituras, entre outras, podem (e, na prática, são) prestadas tanto pelo titular das serventias como por seus funcionários, indicados como substitutos (art. 20, caput e § 1º, da Lei n.° 8.935/94). O § 4º do mesmo art. 20, por sua vez, preconiza que os substitutos poderão praticar todos os atos que sejam próprios dos notários e registradores, exceto, lavrar testamentos.

Tais dispositivos são utilizados pela Fazenda Municipal para reafirmar a tese de que os serviços notariais e registrais não são necessariamente pessoais, eis podem ser desempenhados pelos substitutos (terceiros).

Os Municípios sustentam ainda que o art. 14, da Lei n.° 8.935/94 somente exige requisitos pessoais para o ato administrativo de delegação, dispensando, contudo, qualquer exigência pessoal para o exercício das atividades, tanto que o art. 20, do Diploma em questão, autoriza, sem amarras formais, a livre contratação dos substitutos.

O Poder Público municipal contradita o argumento da ausência de personalidade jurídica das serventias, afirmando que elas preenchem perfeitamente os elementos do conceito de empresa trazido pelo art. 966, do Código Civil eis que exercem profissionalmente atividade econômica organizada para a prestação de serviços. A atividade das serventias seria profissional porque exercida com habitualidade; organizada porque conjugaria, de forma metodológica, os fatores de produção; por fim, econômica, uma vez que objetivaria lucro, conforme, inclusive, ressaltado pelo E. STF quando do julgamento da ADI 3.089.

Quanto ao argumento de que a responsabilidade dos serventuários seria pessoal, a Fazenda sustenta que isso ocorre porque a serventia seria uma pessoa jurídica de direito privado, sob a forma de empresário individual (sic), sendo, portanto, apenas uma decorrência da responsabilidade patrimonial pessoal pelos atos da pessoa jurídica.

Decisão recente do STJ
Para o STJ, NÃO SE APLICA à prestação de serviços de registros públicos cartorários e notariais a sistemática de recolhimento de ISS prevista no § 1º do art. 9º do DL n.° 406/68.
(Primeira Seção. REsp 1.328.384-RS, Rel. originário Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/2/2013)

O referido preceito legal impõe, como condição para o enquadramento no regime especial de recolhimento de ISS, a “prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte”. No entanto, a prestação dos serviços cartoriais não importa em necessária intervenção pessoal do notário ou do oficial de registro, tendo em vista que o art. 236 da CF e a legislação que o regulamenta permitem a formação de uma estrutura economicamente organizada para a prestação do serviço de registro público, assemelhando-se ao próprio conceito de empresa. Nesse sentido, o art. 236 da CF determina a natureza jurídica da prestação do serviço como privada, sem determinar, contudo, a unipessoalidade da prestação de serviço cartorário, e o art. 20 da Lei n. 8.935/1994 autoriza, de forma expressa, o notário ou oficial de registro a contratar, para o desempenho de suas funções, escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados.

Além do mais, a realidade comprova que, em regra, a atividade cartorária não é prestada de modo direto apenas pelo tabelião, mas também por atendentes, principalmente nos grandes centros urbanos.

Desse modo, os serviços notariais e registrais sofrem a incidência do ISS e a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, ou seja, o valor dos emolumentos.


Bibliografia

BELIZÁRIO, Michele Cristine. Serviços notariais, cartorários e registros públicos e a forma de tributação do ISSQN. Disponível em: .

MELO, José Eduardo. PAULSEN, Leandro. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 5ª. ed., 2ª tir., Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2010.

SANT’ANNA, Gilson Carlos. Resumo sobre o ISS. Disponível em: .

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