quinta-feira, 11 de abril de 2013
Estudo de caso: competência na hipótese de estelionato praticado pela internet com vítima residente no exterior
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Olá amigos do Dizer o Direito,
Vamos hoje comentar, rapidamente, um
interessante julgado do STJ sobre competência criminal.
O
caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:
“João”, morador de Luanda (Angola),
adquiriu, por meio da internet, um produto que pertenceria a “Pedro”, residente
em Ituverava/SP (Brasil).
O pagamento foi efetuado mediante
transferência bancária da conta corrente de João para a conta de Pedro.
Ocorre que tudo não passava de um “golpe”
de Pedro, sendo sua conduta classificada pelo Ministério Público estadual como
“estelionato” (art. 171 do CP).
O Juízo de Direito de Ituverava/SP declinou
de sua competência e remeteu os autos à Justiça Federal por considerar que, parte
da execução do crime ocorreu em Luanda/Angola, local de residência da vítima que
efetuou a transferência eletrônica para a conta bancária do suposto criminoso. O
Juízo Federal, por sua vez, também entendeu que não era competente para a ação
penal.
Na
situação em tela, o que o juízo federal deverá fazer?
Suscitar conflito negativo de
competência, nos termos do art. 114, I, do CPP:
Art. 114. Haverá conflito de jurisdição:
I - quando duas ou mais autoridades
judiciárias se considerarem competentes, ou incompetentes, para conhecer do
mesmo fato criminoso;
Obs: apesar do CPP utilizar a expressão
“conflito de jurisdição”, a doutrina é uníssona em afirmar que a nomenclatura tecnicamente
correta é “conflito de competência”.
Quem
irá julgar o conflito, ou seja, quem irá decidir qual o juízo competente para a
causa?
O STJ, pois o conflito ocorreu entre
juízes vinculados a tribunais diversos (juiz de direito, vinculado ao TJSP e
juiz federal, vinculado ao TRF3). É o que prevê o art. 105, I, d, da CF/88:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal
de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
d) os conflitos de competência entre quaisquer
tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, "o", bem como entre
tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;
Qual
o juízo competente para o julgamento da ação penal no caso concreto?
O juízo de direito de Ituverava/SP. Segundo
o STJ, não houve qualquer ato de execução do crime em Angola, local de residência
da vítima, visto que o produto foi adquirido por meio da internet, sendo o pagamento
efetuado mediante transferência eletrônica da conta corrente da vítima para a conta
do beneficiário da fraude, cuja agência é localizada na cidade de Ituverava/SP,
local de consumação do delito e de obtenção da vantagem ilícita.
Vale ressaltar, ainda, que, conforme se
verifica do art. 69 do CPP, o local de residência da vítima não é fator de determinação
da competência jurisdicional.
Dessa forma, não havendo qualquer lesão
a bens, serviços ou interesses da União e sendo o crime de estelionato cometido
por particular contra particular, a competência para processar e julgar o delito é da Justiça Estadual.
Todo
crime praticado pela internet é de competência da Justiça Federal?
Claro que não. Segundo entendimento
pacífico da jurisprudência, o fato do delito ter sido cometido pela rede
mundial de computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
Para que o delito cometido por meio da internet seja julgado pela Justiça
Federal, é necessário que se amolde em umas das hipóteses elencadas no art.
109, IV e V, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações
penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de
suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e
ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou
convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha
ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
A decisão do STJ foi proferida no
CC 125.237-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 4/2/2013.
Vamos continuar nossa revisão e analisar agora o art. 109, V, da CF/88:
Aos juízes federais compete
processar e julgar:
V - os crimes
previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
Este inciso fixa competência criminal
da Justiça Federal. Consiste em competência estabelecida em função da matéria.
Requisitos
Para que o delito seja de
competência da Justiça Federal com base neste inciso são necessários três
requisitos:
a) Previsão do fato como crime no
Brasil;
b) Compromisso de combater este
crime assumido pelo Brasil em tratado ou convenção internacional; e
c) Relação de internacionalidade.
A relação de internacionalidade
ocorre quando:
• iniciada a execução do crime no
Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro;
• iniciada a execução do crime no
estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil.
Desse modo, não é suficiente que
o crime esteja previsto em tratado ou convenção internacional para ser julgado
pela Justiça Federal.
Exemplos
Podemos citar os seguintes
exemplos de crimes que poderão ser submetidos a julgamento pela Justiça Federal
com fundamento no art. 109, V, da CF/88, desde que haja relação de
internacionalidade, por serem previstos em tratados internacionais:
a) tráfico transnacional de
drogas (art. 70, da Lei n.°
11.343/2006);
b) tráfico internacional de arma
de fogo (art. 18 da Lei n.°
10.826/2003);
c) tráfico internacional de
pessoas para fim de exploração sexual (art. 231 do CP);
d) envio ilegal de criança ou
adolescente para o exterior (art. 239 do ECA).
Crimes cometidos pela internet
Todo crime praticado pela internet é de competência da Justiça Federal?
Obviamente que não.
Segundo entendimento pacífico da
jurisprudência, o fato do delito ter sido cometido pela rede mundial de
computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Para que o
delito cometido por meio da internet seja julgado pela Justiça Federal, é
necessário que se amolde em umas das hipóteses elencadas no art. 109, IV e V,
da CF/88.
Vejamos três situações que podem
gerar dúvidas no momento da fixação da competência:
1) Crimes contra a honra praticados pelas
redes sociais da internet: competência da JUSTIÇA ESTADUAL, como regra
geral.
A competência para julgar os
crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria) praticados por meio da
internet, em páginas eletrônicas internacionais, tais como as redes sociais
Orkut®, Twitter®, Facebook®, em regra, é da Justiça Estadual. Somente será da
Justiça Federal se for verificada uma das hipóteses previstas nos incisos IV e
V do art. 109 da CF/88. Nesse sentido, o STJ decidiu, recentemente, que, no
caso de uma mulher que publicou mensagens de caráter ofensivo contra seu
ex-namorado nas redes sociais, o delito de injúria por ela praticado deveria ser
julgado pela Justiça Estadual (CC 121.431-SE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
julgado em 11/4/2012).
Entendeu-se, no caso, que as
mensagens veiculadas na internet não ofenderam bens, interesses ou serviços da
União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Dessa forma, não
se enquadrava no inciso IV do art. 109.
Ademais, o delito de injúria não
está previsto em tratado ou convenção internacional em que o Brasil se
comprometeu a combater, como por exemplo, os crimes de racismo, xenofobia,
publicação de pornografia infantil, entre outros. Logo, não se enquadrava
também no inciso V do art. 109.
2) Divulgação, por pessoa residente no
Brasil, de imagens pornográficas de crianças e adolescentes em página da
internet: competência da JUSTIÇA FEDERAL.
A conduta de divulgar vídeos ou
imagens pornográficas de crianças e adolescentes configura o crime previsto no
art. 241-A do ECA. Se este delito for praticado por meio da internet, a
competência para julgá-lo será da Justiça Federal, com base no art. 109, V, da
CF/88.
Com efeito, trata-se de crime que
o Brasil, por meio de tratado internacional, comprometeu-se a reprimir
(Convenção sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, aprovada pelo Decreto legislativo 28/90 e pelo Decreto 99.710/90).
A publicação do vídeo ou das
imagens ocorre no Brasil. No entanto, poderão ser visualizados em qualquer
computador do mundo. Verifica-se, portanto, a transnacionalidade do delito.
Trata-se de entendimento consolidado no STJ: CC 111.338/TO, Rel. Ministro Og
Fernandes, Sexta Turma, julgado em 23/06/2010.
A competência territorial é da
Seção Judiciária do local onde o réu publicou as fotos, não importando o Estado
onde se localize o servidor do site: STJ. CC 29.886/SP, julgado em 12/12/2007.
E se o réu publicou as fotos no exterior?
Esse crime poderá ser julgado
pelo Brasil, por se enquadrar na hipótese prevista no art. 7º, II, do CP,
cumpridas as condições previstas no § 2º do mesmo art. 7º. Em sendo preenchidos
tais requisitos, o delito seria julgado no Brasil pela Justiça Federal, sendo
competente a Seção Judiciária da capital do Estado onde o acusado por último
morou ou, se nunca residiu aqui, será competente a Seção Judiciária do Distrito
Federal (art. 88 do CPP).
3) Troca, por e-mail, de imagens
pornográficas de crianças entre duas pessoas residentes no Brasil:
competência da JUSTIÇA ESTADUAL.
Comprovado que o crime de
divulgação de cenas pornográficas envolvendo criança não ultrapassou as
fronteiras nacionais, restringindo-se a uma comunicação eletrônica entre duas
pessoas residentes no Brasil, a competência para julgar o processo é da Justiça
Estadual, considerando que não houve, no caso, relação de internacionalidade,
exigida pelo art. 109, V da CF/88. Precedente do STJ: CC 121.215/PR, julgado em
12/12/2012.
Por hoje é só.
Esperamos que tenham gostado da
revisão.
Um grande abraço e fiquem com
Deus.