Vamos tratar hoje sobre um tema
muito importante de Direito Processual Penal, qual seja, a competência para
julgar crimes cometidos pela internet.
Todo crime praticado pela internet é de competência
da Justiça Federal?
NÃO. Segundo
entendimento pacífico do STJ, o simples fato do delito ter sido cometido pela
rede mundial de computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça
Federal.
Para que o delito cometido por meio da internet seja julgado pela
Justiça Federal é necessário que se amolde em umas das hipóteses elencadas no
art. 109, IV e V, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
Crimes contra a honra praticados pelas redes sociais da
internet:
competência da JUSTIÇA ESTADUAL (regra geral)
De quem é a competência para julgar os crimes contra a honra (calúnia, difamação,
injúria) praticados por meio
da internet, em páginas eletrônicas internacionais, tais como as redes sociais
Orkut, Twitter, Facebook?
Em regra, trata-se de competência da
Justiça Estadual.
Somente será da Justiça Federal se for
verificada uma das hipóteses previstas nos incisos IV e V do art. 109 da CF/88.
Nesse sentido, o STJ já decidiu que, no
caso de uma mulher que publicou mensagens de caráter ofensivo contra seu ex-namorado
nas redes sociais, o delito de injúria por ela praticado deveria ser julgado
pela Justiça Estadual (CC 121.431-SE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado
em 11/4/2012).
Entendeu-se que as mensagens veiculadas
na internet não ofenderam bens, interesses ou serviços da União ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas. Dessa forma, não se enquadrava no
inciso IV do art. 109.
Ademais, o delito
de injúria não está previsto em tratado ou convenção internacional em que o
Brasil se comprometeu a combater, como por exemplo, os crimes de racismo,
xenofobia, publicação de pornografia infantil, entre outros. Logo, não se
enquadra no inciso V do art. 109.
Divulgação de imagens pornográficas de crianças e
adolescentes em página da internet: competência
da JUSTIÇA FEDERAL
A
conduta de divulgar vídeos ou imagens pornográficas de crianças e adolescentes
configura qual crime?
Art. 241-A do ECA:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Se
esse delito for praticado por meio da internet, de quem é a competência para
julgá-lo?
Justiça Federal, com base no art. 109,
V, da CF:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
Quais as razões para que essa
competência seja da Justiça Federal?
- Trata-se de crime previsto em tratado ou convenção internacional (Convenção sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada pelo Decreto legislativo 28/90 e pelo Decreto 99.710/90);
- A publicação do vídeo ou das imagens ocorreu no Brasil, no entanto, poderão ser visualizados em qualquer computador do mundo. Verifica-se, portanto, a transnacionalidade do delito.
Trata-se
de entendimento consolidado no STJ:
(...) 3. No presente caso, há hipótese de atração da competência da Justiça Federal, uma vez que o fato de haver um usuário do Orkut, supostamente praticando delitos de divulgação de imagens pornográficas de crianças e adolescentes, configura uma das situações previstas pelo art. 109 da Constituição Federal.4. Além do mais, é importante ressaltar que a divulgação de imagens pornográficas, envolvendo crianças e adolescentes por meio do Orkut, provavelmente não se restringiu a uma comunicação eletrônica entre pessoas residentes no Brasil, uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, desde que conectada à internet e pertencente ao dito sítio de relacionamento, poderá acessar a página publicada com tais conteúdos pedófilos-pornográficos, verificando-se, portanto, cumprido o requisito da transnacionalidade exigido para atrair a competência da Justiça Federal. (...)(CC 111.338/TO, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 23/06/2010)
Como
será definida a competência territorial nesse caso?
A competência territorial é da Seção
Judiciária do local onde o réu publicou as fotos, não importando o
Estado onde se localize o servidor do site:
A consumação do ilícito previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente ocorre no ato de publicação das imagens pedófilo-pornográficas, sendo indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores onde tais imagens encontram-se armazenadas, ou a sua efetiva visualização pelos usuários.(CC 29.886/SP, Min. Maria Thereza De Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 12/12/2007)
E
se o réu publicou as fotos no exterior?
Esse crime poderá ser julgado pelo
Brasil por se enquadrar na hipótese prevista no art. 7º, II, do Código Penal:
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:II - os crimes:a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
Nesse caso, a aplicação da lei
brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território
nacional;
b) ser o fato punível também no país em
que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles
pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no
estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no
estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a
lei mais favorável.
Em sendo preenchidos esses requisitos, o
delito seria julgado no Brasil pela Justiça Federal, sendo competente a Seção
Judiciária da capital do Estado onde o acusado por último morou ou, se nunca
residiu aqui, será competente a Seção Judiciária do Distrito Federal. Essa
regra encontra-se prevista no art. 88 do CPP:
Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.
Troca, por e-mail, de imagens
pornográficas de crianças entre duas pessoas residentes no Brasil: competência da
JUSTIÇA ESTADUAL (não há transnacionalidade)
Comprovado que o crime de divulgação de cenas pornográficas envolvendo criança não ultrapassou as fronteiras nacionais, restringindo-se a uma comunicação eletrônica entre duas pessoas residentes no Brasil, a competência para julgar o processo é da Justiça Estadual. Inteligência do art. 109, V da CF. Precedentes do STJ.(CC 99.133/SP, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 05/12/2008)