Feriado prolongado para alguns é
uma ótima oportunidade para treinar uma questão discursiva. Veja se você
saberia responder essa questão:
(OAB/CESPE – 2007.2 – 2ª fase)
Maria,
servidora pública federal, recebeu uma parcela remuneratória em seu
contracheque que não vinha recebendo antes. Ingressou com consulta acerca da
regularidade do recebimento dessa parcela, e foi informada pelo órgão
administrativo competente de que ela faria jus a essa parcela. No entanto, dois
anos depois, o mesmo órgão alterou sua orientação, afirmando que Maria não
fazia jus a essa parcela.
Considerando
a situação apresentada acima, responda, com fundamentação na Lei n.º
9.784/1999, as perguntas a seguir:
a) A
mudança de orientação da administração pode retroagir para atingir as parcelas
até então recebidas?
b) Há
algum princípio a ser utilizado em favor de Maria?
PADRÃO DE RESPOSTA
(ideias
gerais que você teria que desenvolver com maiores detalhes)
a) A
mudança de orientação da administração pode retroagir para atingir as parcelas
até então recebidas?
NÃO. A jurisprudência do STJ e
STF entende que não é possível exigir a devolução ao erário dos valores
recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela
Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei. Nesse sentido:
STFAGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A SERVIDOR DE BOA-FÉ. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.(RE 602697 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011)
STJ(...) 1. Esta Corte firmou entendimento de que os valores recebidos indevidamente pelo servidor, de boa-fé, a título de vencimento ou de remuneração, não servem de fonte de enriquecimento, mas de subsídio dele e de sua família, razão pela qual não cabe a sua devolução.Precedentes.2. Este Superior Tribunal de Justiça não declarou a inconstitucionalidade do artigo 46 da Lei nº 8.112/90, apenas conferiu interpretação diversa ao dispositivo, face à sua competência para zelar pela interpretação do direito infraconstitucional federal. Inexistente, portanto, a alegada violação do princípio constitucional da reserva de plenário, nos termos do artigo 97 da Constituição Federal, ou ofensa ao teor da Súmula Vinculante n.º 10.3. Agravo regimental improvido.(AgRg no AgRg no REsp 1147272/RS, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, em 27/03/2012)
É incabível o desconto das diferenças recebidas indevidamente, em decorrência de errônea interpretação, má aplicação da lei ou equívoco da Administração Pública, quando constatada a boa-fé do beneficiado.(REsp 1120510/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2012)
A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de ser incabível a devolução de valores percebidos por servidor público de boa-fé, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da administração.(AgRg no Ag 1423791/DF, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/02/2012)
Vale mencionar ainda o art. 2º,
parágrafo único, XIII, da Lei n.°
9.784/99 (Lei do processo administrativo federal):
Art. 2º (...)Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:(...)XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
b) Há
algum princípio a ser utilizado em favor de Maria?
SIM. Maria poderá invocar os
princípios da legítima confiança e da boa-fé, sendo este último previsto
expressamente no art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei n.° 9.784/99:
Art. 2º (...)Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:(...)IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
O candidato deveria afirmar que o
princípio da boa-fé é aplicável ao Direito Administrativo (nesse sentido: NOBRE
JÚNIOR, Edilson Pereira Nobre. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito
administrativo brasileiro, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002).
Deveria acrescentar, ademais, que, segundo o STJ, em virtude do
princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa
expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública,
porque jungida à legalidade estrita.
Assim, diante da ausência da
comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente por erro de
direito da Administração, não se pode efetuar qualquer desconto na remuneração
do servidor público, a título de reposição ao erário.