Dizer o Direito

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Liquidação de sentença e non liquet




Olá amigos do Dizer o Direito, estamos preparando o Informativo 505 do STJ. No entanto, enquanto ele não é publicado, gostaríamos de comentar um tema muito difícil e interessante que certamente será cobrado em breve numa prova discursiva de concurso da magistratura.

A pergunta é a seguinte:
Na fase de liquidação da sentença, se o juiz entender que as provas produzidas não foram suficientes para definir o quantum debeatur, o que ele deverá fazer?

Antes de responder a pergunta, vamos rememorar o tema:

Liquidação da sentença
Um dos requisitos da sentença é que ela seja líquida.
Para o CPC, sentença líquida é aquela que define o quantum debeatur, ou seja, é aquela que fixa o valor da obrigação devida.
Pode acontecer, no entanto, de a sentença prolatada ser ilíquida, isto é, não fixar o valor certo que o réu foi condenado a pagar.
Neste caso, deverá ser realizada a liquidação da sentença, conforme prevê o CPC:

Art. 475-A. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação.


Desse modo, a liquidação da sentença é a etapa do processo que ocorre após a fase de conhecimento e que se destina a descobrir o valor da obrigação (quantum debeatur) quando não foi possível fixar essa quantia diretamente na sentença.

Objetivo da liquidação
A finalidade da liquidação é descobrir o quantum debeatur e, assim, poder permitir o cumprimento da sentença (execução).

É possível que, na liquidação, não se consiga obter provas do quanto é devido ao credor?
SIM. É possível que seja iniciada a fase de liquidação da sentença, sejam buscadas provas para se conseguir definir o quantum debeatur e, mesmo assim, o juiz entenda que não foram produzidos elementos suficientes para fixar o valor devido.

Exemplo (julgado pelo STJ, com algumas adaptações):
Certo programa de TV divulgou, indevidamente, imagens de uma menor em situação vexatória, fato ocorrido em 1991. A menor, devidamente, assistida por seus pais, ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a emissora, demanda que foi julgada procedente.
Na sentença, o juiz fixou um valor certo para os danos morais (100 salários-mínimos).
Quanto aos danos materiais, o juiz condenou a emissora a pagar o valor correspondente ao minuto cobrado pela emissora por anúncios publicitários multiplicado pela quantidade de minutos que a menor ficou exposta.
Perceba que o valor dos danos morais é líquido, mas a quantia referente aos danos materiais é ilíquida já que não será possível executar imediatamente essa quantia. Para saber qual é essa soma, será necessário, primeiro, definir qual era o valor do minuto de publicidade na época dos fatos e quanto tempo a menor foi exposta (incluindo não apenas o programa em si, mas também as chamadas divulgadas antes que o programa fosse ao ar).
Foi iniciada a liquidação da sentença e, durante essa fase, tentou-se obter a cópia da grade de programação para saber quantas chamadas foram divulgadas do programa e em quantos minutos a garota aparecia. Tentou-se também chegar a um valor exato do quanto era cobrado por minuto pela emissora em cada um dos horários.
Ocorre que, quando foi proferida a sentença, a emissora não tinha mais essas informações, nem mesmo as gravações da época. Isso se mostrou justificável pelo fato de que a ação somente foi julgada 20 anos após o programa ter ido ao ar, e como não se determinou, em nenhum momento, que a TV guardasse essas gravações, o STJ considerou que não houve irregularidade no procedimento adotado pela empresa de reaproveitar o material gravando outros programas por cima.
O certo é que não havia meios de conseguir provar a quantidade de minutos e o valor do minuto. Em outros termos, não havia meios de provar o quantum debeatur.

O que o juiz deve fazer caso isso ocorra?
A 3ª Turma do STJ decidiu que, neste caso, o juiz deve declarar o non liquet. Em suma, o juiz declara que não irá decidir o mérito da liquidação. Non liquet significa isso: o juiz deixa de decidir a controvérsia posta à sua apreciação.
Como o juiz deixa de decidir em virtude da ausência de elementos de prova necessários para resolver a controvérsia, significa dizer que ele profere uma decisão terminativa (e não de mérito).
A decisão terminativa não produz coisa julgada material (o processo é extinto sem resolução do mérito). Na prática, isso significa que a liquidação pode ser reproposta desde que o autor consiga reunir novas provas que consigam demonstrar o quantum debeatur.

Essa decisão do juiz reconhecendo o non liquet encontra previsão no CPC atual?
NÃO. Situações como essa não contam com previsão expressa no CPC de 1973 (atual). No CPC/39 (anterior), existia essa possibilidade em seu art. 915, que permitia a declaração de non liquet, com extinção da liquidação sem resolução de mérito e eventual repetição do procedimento, no futuro, caso se tornasse possível apresentar a prova necessária para a condenação.

Segundo decidiu o STJ, apesar dessa regra não ter sido repetida no CPC atual, ela poderá ser aplicada ainda hoje.

Assim, sendo impossível apurar, na liquidação, o quantum debeatur em virtude da ausência de provas, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, facultando-se ao autor reiniciar a liquidação no futuro, caso reúna, com novos elementos, provas suficientes para definir esse valor.

Em sede doutrinária, há certa divergência sobre esse assunto, mas o julgado do STJ está de acordo com a posição de Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil).

Uma última pergunta:
No caso concreto, o juiz, diante da ausência das gravações e do valor do horário publicitário da emissora, poderia ele fazer uma estimativa de tais informações?
NÃO. Segundo decidiu o STJ, não é possível ao juízo promover a liquidação da sentença valendo-se, de maneira arbitrária, de meras estimativas, na hipótese em que a sentença fixa a obrigatoriedade de indenização do dano, mas as partes sem culpa estão impossibilitadas de demonstrar a sua extensão.

Processo mencionado: STJ. Terceira Turma. REsp 1.280.949-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/9/2012.
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