Em virtude do boom imobiliário, tem sido cada vez mais comum que as construtoras
atrasem na entrega dos imóveis adquiridos pelos consumidores na planta.
Em quase todos os contratos, somente há
previsão de cláusula penal em favor da construtora, não havendo estipulação de
multa e juros para os casos em que a fornecedora incide em mora.
Explicando melhor: o contrato prevê um
valor de juros e multa caso o comprador seja inadimplente. Por outro lado, este
pacto não estipula qualquer cláusula penal na hipótese da
construtora/incorporadora incorrer em mora.
O que
acontece nesses casos?
A
construtora ficará livre de qualquer penalidade por conta
desse atraso?
É possível
aplicar em desfavor da construtora o valor dos juros e multa previsto no
contrato para ser pago em caso de inadimplemento do comprador?
O STJ, em
dois recentes julgados, decidiu que é abusivo o contrato que estipula
penalidade apenas ao consumidor para a hipótese de mora ou inadimplemento
contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor.
Assim, se
o contrato prevê multa moratória para o caso de descumprimento contratual por
parte do consumidor, essa mesma multa deverá incidir contra a construtora caso esta
incorra em mora ou o inadimplemento.
O Min. Luis Felipe Salomão afirma que o
art. 51 do CDC, ao enumerar algumas cláusulas tidas por abusivas, deixa claro
que, nos contratos de consumo, deve haver reciprocidade de direitos entre
fornecedores e consumidores, mostrando-se abusivas, por exemplo, as cláusulas contratuais
que:
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
De igual modo, a Portaria n.° 4, de 13.3.1998, da Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) prevê que são abusivas as cláusulas
que:
"6- estabeleçam sanções em caso de atraso ou descumprimento da obrigação somente em desfavor do consumidor".
E
essa Portaria (ou seja, um ato infralegal) pode ser aplicada para esses
contratos de compra e venda de imóveis?
Sim. Isso porque o art. 7º do Código de
Defesa do Consumidor prevê que os direitos previstos no CDC não excluem outros
decorrentes de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes.
Conclusão:
Ainda
que não haja previsão de multa e juros no contrato para o atraso na entrega do
imóvel, caso a construtora incorra em mora, ela deverá pagar o mesmo percentual
de multa e juros que o consumidor pagaria, segundo o contrato, caso ele
estivesse em atraso.
Veja a ementa dos dois julgados:
Terceira Turma1. A cláusula penal inserta em contratos bilaterais, onerosos e comutativos deve voltar-se aos contratantes indistintamente, ainda que redigida apenas em favor de uma das partes. (...)(REsp 1119740/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 27/09/2011)
Quarta Turma(...) 2. Seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor - em situações de análogo descumprimento da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-se a condenação do fornecedor - construtor de imóveis - em restituir integralmente as parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, § 1º, CDC), abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel. (...)(REsp 955134/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/08/2012)
Esse entendimento do STJ, além de
tecnicamente irrepreensível, é socialmente justo, sendo completo absurdo permitir
que o consumidor, parte hipossuficiente da relação, receba tratamento excessivamente
mais desvantajoso que o fornecedor.