Dizer o Direito

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Desistência da ação e consentimento do réu (Direito Processual Civil)



Vamos tratar hoje sobre “desistência da ação” (ou, como preferem alguns autores mais rigorosos, “desistência do prosseguimento do processo”).

Gostaria de chamar a atenção para 10 pontos relevantes acerca do tema:

1) O autor, depois de ter proposta a ação, pode desistir?
Se o réu não tiver apresentado defesa.
O autor pode desistir normalmente.
Se o réu tiver apresentado defesa.
O autor só pode desistir com o consentimento do réu (§ 4º do art. 267).
Se já houver sentença.
O autor não pode desistir nem mesmo com o consentimento do réu (STJ).

2) Cuidado com a redação do § 4º do art. 267 do CPC:
§ 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.

É importante que você conheça a redação deste dispositivo porque pode ser cobrado na prova exatamente como está escrito. No entanto, a doutrina afirma que o mais correto seria esse parágrafo falar o seguinte: “o autor não poderá desistir da ação sem o consentimento do réu se este já tiver apresentado sua defesa”.
Duas situações mostram que a redação do dispositivo não é completamente correta:
·         Se o réu tiver apresentado sua defesa antes do fim do prazo para a resposta (o prazo é de 15 dias e o réu apresenta a defesa já no 2º dia), se o autor quiser desistir da ação no 5º dia, mesmo assim o réu terá que ser ouvido para que seja homologada a desistência.
·         Se já tiver decorrido o prazo para a resposta e o réu não tiver apresentado defesa (foi revel), não será necessária nova intimação do réu para se manifestar sobre a desistência.

3) Por que o réu deve consentir com o pedido de desistência da ação?
Porque o réu que apresentou contestação, assim como o autor, também tem direito a uma sentença de mérito.
Na contestação, o réu formula pedido(s) e, portanto, tem o direito de ver esse(s) pedido(s) apreciado(s) pelo juízo.

4) A discordância do réu quanto à desistência da ação deve ser fundamentada:
Se o réu não quiser concordar com a desistência, deverá apresentar ao juízo um motivo justificável, sob pena de sua conduta ser considerada como abuso de direito.
Desse modo, se a recusa do réu em aceitar a desistência for infundada (sem um motivo razoável), o juiz poderá suprir a sua concordância e homologar a desistência.
Esse é entendimento pacífico do STJ.

5) A desistência da ação somente pode ser requerida por advogado que detenha poderes especiais (art. 38) e só produz efeito depois de homologada por sentença (art. 158, parágrafo único do CPC).

6) A sentença que homologa a desistência não examina o mérito da demanda:
A desistência da ação é instituto de cunho nitidamente processual, não atingindo, em regra, o direito material objeto da ação. Quando o autor desiste da ação ele exercita uma faculdade processual, deixando incólume o direito material, tanto que descompromete o Judiciário de se manifestar sobre a pretensão de direito material (FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 4ª ed., São Paulo: Forense, 2008, p. 449).

Assim, quando o juiz homologa a desistência da ação, ele profere uma sentença terminativa, ou seja, uma sentença que extingue o processo sem resolução do mérito:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:
(...)
VIII - quando o autor desistir da ação;

7) Como visto, se o autor desistir da ação, o réu concordar e o juiz homologar, o processo é extinto sem resolução do mérito. Esse autor poderá novamente propor a mesma ação?
SIM (art. 268 do CPC). Vale ressaltar, no entanto, que, se o autor repropuser a ação, quem irá julgar a demanda será o mesmo juízo que homologou a desistência da primeira ação. Em outras palavras, o juízo que homologou a desistência estará prevento (art. 253, II do CPC).

8) Pedido de desistência e silêncio do réu:
Após o réu apresentar sua resposta e antes do juiz proferir a sentença, o autor fez um pedido de desistência da ação. O juiz, então, determinou a intimação do réu para que se manifestasse, no prazo de 5 dias, sobre o pedido de desistência. O réu deixou transcorrer in albis (“em branco”) o prazo assinalado, ou seja, não se pronunciou a respeito no prazo fixado.

Diante do silêncio do réu, o juiz pode homologar a desistência?
SIM. O STJ, recentemente, decidiu que:
“é válida a homologação da desistência da ação requerida pelo autor, após o prazo para a resposta, na hipótese em que o réu, devidamente intimado para se manifestar a respeito do pedido de desistência formulado, deixa transcorrer in albis o prazo assinalado”.
(Terceira Turma. REsp 1.036.070-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 5/6/2012)

9) Desistência da ação envolvendo a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais como requeridas:
Nas causas em que for ré a União, suas autarquias, fundações ou as empresas públicas federais, somente será aceita a desistência da ação se o autor renunciar expressamente ao direito sobre que se funda a demanda.
Trata-se de previsão expressa do art. 3º da Lei n.° 9.469/97.

Exemplo:
Paulo ingressa com uma ação de cobrança contra a União.
Após a contestação da União, Paulo decide desistir da ação proposta.
A AGU será, então, intimada para se manifestar sobre o pedido de desistência.
A AGU, com base no art. 3º, da Lei n.° 9.469/97, afirmará que a União somente aceita a desistência se o autor renunciar ao seu direito de crédito.
  • Se Paulo não aceitar renunciar ao direito, não poderá desistir da ação, que irá prosseguir normalmente.
  • Se Paulo aceitar renunciar ao direito, o processo será extinto, no entanto, não com base no art. 267, VIII e sim com fundamento no art. 269, V.

Qual é a diferença prática?
A sentença que extinguir o processo com base na renúncia ao direito resolve o mérito e produz coisa julgada formal e material.
Logo, Paulo terá aberto mão de seu direito e não poderá mais pleiteá-lo judicialmente.

Essa previsão do art. 3º da Lei n.° 9.469/97 é legítima?
SIM, apesar da crítica de alguns autores, o STJ considera legítimo esse dispositivo.
Nesse sentido: REsp 1173663/PR, Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23/03/2010.


10) Diferenças entre desistência e renúncia


Desistência
Renúncia
O autor desiste de prosseguir com a ação naquele processo.
O autor abre mão do direito material que alegava possuir.
Após o juízo homologar a desistência, o autor poderá repropor a mesma ação.
O autor não poderá propor nova ação fundada naquele direito material que foi objeto de renúncia.
Se o réu já tiver apresentado contestação, é obrigatório que o réu consinta com a desistência.
Não existe obrigatoriedade legal de ouvir o réu sobre a renúncia do direito manifestada pelo autor.
A sentença que homologa a desistência é terminativa (extingue o processo sem resolução do mérito – art. 267, VIII).
A sentença que reconhece a renúncia é definitiva (extingue o processo com resolução do mérito – art. 269, V).
A sentença faz apenas coisa julgada formal.
A sentença faz coisa julgada formal e material.
Produz efeitos meramente processuais.
Produz efeitos materiais.


Meus amigos, o trabalho tem sido intenso, mas ainda esta semana estaremos publicando o Informativo Esquematizado 499 do STJ.

Bons estudos.

Fiquem com Deus.


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