O delito de lavagem de dinheiro é
previsto no art. 1º, da Lei n.°
9.613/98.
A lavagem de dinheiro é classificada
como um crime derivado, acessório ou parasitário, considerando
que se trata de infração penal que pressupõe a ocorrência de um delito anterior
(crime antecedente).
Repare
na redação da Lei n.°
9.613/98, em especial no inciso VII do art. 1º:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,
direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias
entorpecentes ou drogas afins;
II - de terrorismo;
II - de terrorismo e seu financiamento;
III - de contrabando ou tráfico de
armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante sequestro;
V - contra a Administração Pública,
inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de
qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos
administrativos;
VI - contra o sistema financeiro
nacional;
VII
- praticado por organização criminosa.
VIII – praticado por particular contra
a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal).
Pena: reclusão de três a dez anos e
multa.
Desse modo, as infrações penais
listadas nesses incisos do art. 1º são consideradas “crimes antecedentes” do
delito de lavagem de dinheiro.
Para que seja recebida a denúncia pelo
crime de lavagem, deve haver, no mínimo, indícios da prática do crime
antecedente ou crime-base:
Art. 2º O processo e julgamento dos
crimes previstos nesta Lei:
(...)
II - independem do processo e
julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que
praticados em outro país;
(...)
§ 1º A denúncia será instruída com
indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os
fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor
daquele crime.
Registre-se que não se exige condenação
prévia do crime antecedente para que seja iniciada a ação penal pelo delito de lavagem
de dinheiro.
Caso
concreto julgado pela 1ª Turma do STF:
O Ministério Público do Estado de São
Paulo ajuizou ação penal contra Estevan Hernandes Filho e Sônia Haddad Moraes
Hernandes, membros da Igreja Renascer em Cristo, imputando-lhes a suposta
prática do delito tipificado no art. 1º, inciso VII, da Lei n.° 9.613/98 (lavagem de dinheiro).
A denúncia narrava que os acusados
seriam membros de uma organização criminosa que se valeria de estrutura de
entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores,
ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para
finalidades ligadas à Igreja da qual seriam dirigentes, em proveito
próprio e de terceiros.
O Ministério Público argumentava que o conceito
de organização criminosa pode ser encontrado na Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo, ratificada pelo
Brasil por meio do Decreto 5.015/2004:
Artigo 2. Para efeitos da presente
Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ - grupo estruturado
de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com
o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente
Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício
econômico ou outro benefício material.
A denúncia foi recebida pelo juízo de 1ª
instância.
Contra o ato do juiz que recebeu a
denúncia foi impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, que
indeferiu a ordem.
Contra essa decisão do TJSP, a defesa
impetrou novo HC, desta vez para o STJ, que também indeferiu a ordem.
Contra essa decisão do STJ, a defesa
finalmente ajuizou novo HC, desta vez para o STF.
O
que alegava a defesa no HC?
O principal argumento era o de que a
conduta narrada na denúncia era atípica.
Para que haja o enquadramento de uma
conduta como lavagem de dinheiro é necessária a ocorrência de um crime
antecedente.
O crime antecedente descrito pelo
Ministério Público na denúncia foi o de organização criminosa.
Sucede que, segundo a defesa, o crime de
“organização criminosa” não foi definido (conceituado) por nenhuma lei no
Brasil.
Logo, não caberia denúncia de lavagem de
dinheiro com base em crime praticado por organização criminosa (art. 1º, VII,
da Lei n.° 9.613/98).
A
1ª Turma do STF acolheu o argumento da defesa?
SIM.
A 1ª Turma deferiu habeas corpus para
trancar ação penal instaurada em desfavor do casal.
Segundo entendeu o STF, utilizar a
Convenção de Palermo nesse caso violaria o princípio da legalidade, segundo o
qual não pode haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX).
Assim, para que a organização criminosa seja usada como crime antecedente da lavagem de dinheiro faz-se necessária a
edição de uma lei em sentido formal e material definindo o que seja organização
criminosa.
O Ministro Relator afirmou que a melhor
doutrina defende que a ordem jurídica brasileira ainda não contempla previsão
normativa do crime de organização criminosa.
Realçou-se que, no rol taxativo do art.
1º da Lei 9.613/98, não consta sequer menção ao delito de quadrilha.
Desse modo, quando o inciso
VII do art. 1º menciona “organização criminosa”, deve-se entender essa expressão
em sentido estrito, não abrangendo a quadrilha ou bando organizado, mas sim uma
definição que ainda carece de lei.
Divergência de entendimento com o STJ
A Lei n.º 9.034/95 dispõe sobre a
utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações
praticadas por organizações criminosas.
Ocorre que a referida lei não definiu o
que seja organização criminosa.
Justamente por isso, alguns autores
afirmam que a definição de organização criminosa foi inserida em nosso
ordenamento jurídico por meio da Convenção de Palermo, de 2000. Foi esse o entendimento
defendido pelo Ministério Público de São Paulo no caso acima analisado e que não foi acolhido pela 1ª Turma do STF.
O STJ, no entanto, possui inúmeros precedentes adotando
essa tese, ou seja, a de que se pode utilizar o conceito de “organização criminosa”
previsto na Convenção de Palermo:
II. A conceituação de organização
criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto
5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo, que entende por
grupo criminoso organizado, "aquele estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a
intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro
benefício material".
(HC 171.912/SP, Rel. Ministro Gilson
Dipp, Quinta Turma, julgado em 13/09/2011)
O conceito jurídico da expressão
organização criminosa ficou estabelecido em nosso ordenamento com o Decreto n.º
5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de
29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional (Convenção de Palermo). Precedentes desta Corte e do
Supremo Tribunal Federal.
(HC 129.035/PE, Rel. Ministro CELSO
LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Rel. p/ Acórdão Ministro HAROLDO
RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em
16/08/2011, DJe 03/11/2011)
Desse modo, atualmente, temos uma divergência
entre o STJ e a 1ª Turma do STF:
1ª Turma
do STF
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A organização criminosa não pode ser
usada como crime antecedente da lavagem de dinheiro, considerando que não
existe definição legal no país.
A definição contida na Convenção de
Palermo não vale para tipificar o art. 1º, VII, da Lei n.° 9.613/98.
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STJ
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A conceituação de organização
criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto
5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo.
Logo, é possível a imputação do crime
previsto no art. 1º, VII, da Lei n.°
9.613/98.
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Esse tema deve ser dirimido em breve pelo Plenário do STF no caso do “Mensalão”. Vamos aguardar e
acompanhar. Por enquanto, o panorama é esse.