Imagine a seguinte situação
hipotética (baseado em um caso concreto, mas com adaptações):
João e Pedro decidem roubar uma
padaria. Entram no local e, João, armado com um revólver, anuncia o assalto, ameaçando
o dono do estabelecimento e subtraindo dinheiro do caixa.
Após fugirem, o dono da padaria
aciona imediatamente a polícia que, por estar perto, logo chega ao local e começa
a fazer uma busca nas redondezas.
João e Pedro resolvem, então, assaltar
uma farmácia que ficava a duas ruas da padaria.
João entrou na farmácia, levantou
a camisa, mostrando a arma de fogo e retirou das prateleiras, em seguida, pacotes
de fraldas, colocando-as em cima do balcão, enquanto Pedro aguardava do lado de
fora para garantir o sucesso da empreitada criminosa.
Os policiais que faziam a busca
lograram êxito em chegar ao local e detiveram João.
Pedro, por outro lado, conseguiu empreender
fuga, sendo perseguido por um policial. Durante a perseguição, Pedro atingiu o
policial com um disparo de arma de fogo, causando-lhe lesões que foram a causa
eficiente de sua morte.
Ficou provado que João e Pedro utilizaram,
nos assaltos, um veículo que sabiam havia sido furtado por Mário, que o “emprestou”
para que eles realizassem os crimes.
Que crimes cometeram João e Pedro?
Pedro
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Roubo circunstanciado consumado
(art. 157, § 2º, I e II, do CP)
|
Latrocínio consumado (art. 157,
§ 3º do CP)
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Receptação (art. 180 do CP)
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João
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Roubo circunstanciado consumado
(art. 157, § 2º, I e II, do CP)
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Roubo circunstanciado tentado
(art. 157, § 2º, I e II c/c art. 14, II, do CP)
|
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Receptação (art. 180 do CP)
|
Vamos agora explicar cada uma das imputações:
Quanto à receptação:
João e Pedro respondem pela
receptação pelo fato de terem “recebido” um carro que sabiam ser produto de
crime. Veja o tipo penal:
Art. 180. Adquirir,
receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa
que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a
adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a
quatro anos, e multa.
“Receber” significa adquirir a posse
do bem, não importando que tenha como objetivo usá-lo e depois abandoná-lo.
João e Pedro não respondem pelo
furto do veículo porque não há provas de que tenham concorrido, de qualquer
modo, para a prática desse crime (auxiliado, instigado etc.).
Quanto ao roubo da padaria:
Tanto João como Pedro respondem
pelo roubo circunstanciado (apesar de comum, é errado falar em roubo “qualificado”)
previsto no art. 157, § 2º, I (emprego de arma) e II (concurso de pessoas):
Art. 157 (...)
§ 2º - A pena aumenta-se
de um terço até metade:
I - se a violência ou
ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de
duas ou mais pessoas;
O fato de apenas João ter
anunciado o assalto e apontado a arma não faz com que Pedro deixe de responder
pelo mesmo tipo penal. Isso porque o emprego da arma é uma circunstância
objetiva e as circunstâncias objetivas se comunicam a todos os envolvidos
no evento criminoso, sejam eles coautores ou partícipes, conforme se extrai da
regra prevista no art. 30 do CP.
Quanto ao roubo da farmácia:
Aqui é que há uma maior complexidade.
Pedro
Pedro responde por latrocínio consumado, mesmo a polícia tendo chegado
na hora do crime e, por isso, não tendo sido conseguida a subtração de nenhum
bem?
R: SIM, por razões de política
criminal o STF entendeu que, apesar do latrocínio ser originalmente um crime
patrimonial, deve-se dar prevalência ao bem jurídico vida, de modo que, se esta
foi ceifada, o latrocínio deve ser considerado consumado. Nesse sentido:
Súmula 610-STF: Há crime de latrocínio, quando o
homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de bens da
vítima.
Subtração
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Morte
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Latrocínio
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Consumada
|
Consumada
|
Consumado
|
Tentada
|
Tentada
|
Tentado
|
Consumada
|
Tentada
|
Tentado
|
Tentada
|
Consumada
|
Consumado (Súmula 610-STF)
|
Dica: repare que a consumação do latrocínio
será sempre determinada pela consumação ou não da morte.
João
Por que João não
responde por latrocínio e sim por roubo tentado?
R: Em regra, se duas
pessoas decidem participar de um roubo armado e um dos agentes causa a morte de
alguém, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos no
evento criminoso. Isso porque o Código Penal adota a teoria monista ou unitária
prevista no art. 29:
Art. 29. Quem, de qualquer modo,
concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.
Em outras palavras, em regra, o
coautor que participa de roubo armado responde pelo latrocínio ainda que o
disparo tenha sido efetuado só pelo comparsa. Essa é a jurisprudência do STJ e
do STF.
Entretanto, excepcionalmente,
em um caso concreto noticiado no Informativo 670, a 1ª Turma do STF considerou que
não se poderia imputar o resultado morte ao coautor (João) em virtude de ter
havido a ruptura do nexo de causalidade entre os agentes (HC
109151/RJ, rel. Min. Rosa Weber, 12.6.2012).
Seria necessário que houvesse
entre os coautores (Pedro e João) o nexo biopsicológico no quesito relativo à
culpabilidade, ou seja, a ciência de ambos a respeito do que iriam fazer. Seria
necessário que João, ainda que implicitamente, tivesse concordado com o fato de
Pedro atirar no policial. Ocorre que isso não foi demonstrado já que João
aceitou ser preso (não reagiu) enquanto que Pedro fugiu e atirou no policial
para garantir a fuga.
Veja
como Cleber Masson, autor do melhor livro de Direito Penal para concursos, explica
o tema:
“Se, no contexto do roubo, praticado em concurso de pessoas, somente uma
delas tenha produzido a morte de alguém – vítima da subtração patrimonial ou
terceiro –, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos na
empreitada criminosa, como consectário lógico da adoção da teoria unitária ou
monista pelo art. 29, caput, do Código Penal (...).
Entretanto, se um dos agentes quis participar de crime menos grave,
ser-lhe-á aplicada a pena deste. Cuida-se de manifestação do instituto da
cooperação dolosamente distinta, ou desvios subjetivos entre os agentes,
disciplinado pelo art. 29, § 2º, do Código Penal.
Nessa
hipótese, não há concurso de pessoas para o crime mais grave, mas somente para
o de menor gravidade. Exemplo: “A” e “B” combinam a prática do furto de um
automóvel. Quando, em via pública, valendo-se de chave falsa, começam a abrir a
fechadura de um veículo para subtraí-lo, são surpreendidos pelo seu
proprietário. Nesse momento, “A” decide fugir, ao passo que “B” luta com o dono
do automóvel, vindo a mata-lo mediante disparo de arma de fogo. A solução
jurídico-penal é simples: “A” responde por tentativa de furto qualificado, enquanto
a “B” será imputado o crime de latrocínio consumado. (...)” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Vol. 2. Parte Especial. 3ª ed., São
Paulo : Editora Método, 2011, p. 406).E então, se fosse um prova prática da Defensoria ou do Ministério Público, você teria conseguido fazer a correta tipificação das condutas? E se fosse uma prova de sentença, teria julgado de acordo com o STF?
Não estranhe se esse exemplo vier a ser cobrado na sua futura prova. Tenho certeza que você irá acertar.
Bons estudos.