Dizer o Direito

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”



A Constituição Federal, em seu art. 102, § 2º, estabelece os efeitos da decisão proferida pelo STF no controle abstrato de constitucionalidade:
Art. 102 (...)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Vamos esquematizar esses efeitos:
Quanto ao aspecto subjetivo
(quem é atingido pela decisão?)
Eficácia contra todos (erga omnes)
Efeito vinculante
Quanto ao aspecto objetivo
(que partes da decisão produzem eficácia erga omnes e efeito vinculante?)
1ª corrente: teoria restritiva
Somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante.
Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

2ª corrente: teoria extensiva
Além do dispositivo, os motivos determinantes (ratio decidendi) da decisão também são vinculantes.
Admite-se a transcendência dos motivos que embasaram a decisão.
Em suma, pela teoria da transcendência dos motivos determinantes, a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes da decisão também teriam efeito vinculante.

O STF adota a teoria da transcendência dos motivos determinantes (teoria extensiva)?
NÃO

O STF já chegou a manifestar apreço pela teoria da transcendência dos motivos determinantes na manifestação de alguns Ministros, mas atualmente, a posição pacífica da Corte é no sentido de que não pode ser acolhida.

Em julgado recente da Corte, noticiado no Informativo 668, a 1ª Turma do STF reforça o entendimento de que não se admite a teoria dos motivos determinantes (Rcl 11477 AgR/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 29.5.2012).

A questão foi a seguinte:
“A”, Prefeito de uma cidade do interior do Ceará, teve suas contas aprovadas pela Câmara Municipal, mas rejeitadas pelo Tribunal de Contas.

O Tribunal de Contas tomou essa decisão porque a Constituição do Estado do Ceará prevê que o Tribunal de Contas irá julgar as contas dos prefeitos.

“A” afirma que a decisão do Tribunal de Contas foi errada e que a Constituição do Ceará, nesse ponto, viola a CF/88, considerando que, no caso dos chefes do Poder Executivo, o Tribunal de Contas apenas emite parecer prévio, não devendo julgar as contas.

“A” defende que o STF já acolheu essa tese, ou seja, a de que as contas dos Prefeitos não são julgadas pelo Tribunal de Contas, mas sim pela Câmara Municipal. Cita como precedentes do STF as ADIs 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT.

Desse modo, “A”, inconformado com a decisão do Tribunal de Contas, ajuiza reclamação no STF alegando que o entendimento do Supremo foi desrespeitado pelo Tribunal de Contas.

Essa reclamação do Prefeito pode ser julgada procedente?
NÃO.

Quando o STF julgou as ADIs 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT, ele realmente decidiu que:
As contas dos chefes do Poder Executivo são julgadas pelo Poder Legislativo (no caso dos Governadores, pelas Assembleias e se for Prefeito, pelas Câmaras Municipais);
No caso das contas dos chefes do Poder Executivo, o Tribunal de Contas apenas emite um parecer prévio, que poderá ser acolhido ou não pelo Poder Legislativo.

No entanto, o STF mencionou essas duas conclusões acima expostas apenas na fundamentação do julgado. O dispositivo da decisão foi a declaração de inconstitucionalidade de normas das Constituições do Estado de Tocantins (ADI 3715), de Pernambuco (ADI 1779) e de Mato Grosso (ADI 849).

O dispositivo das ADIs 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT possui eficácia vinculante e erma omnes?
SIM. Logo, a decisão do STF de que são inconstitucionais esses artigos das Constituições do TO, PE e MT deve ser respeitada por todos e, em caso de descumprimento, pode-se ajuizar reclamação no STF.

A fundamentação utilizada pelo STF ao julgar essas ADI’s 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT possui eficácia vinculante e erma omnes?
NÃO. Porque o STF não adota a teoria da transcendência dos motivos determinantes.

O Supremo acolhe a teoria restritiva, de forma que somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

Assim, ainda que a Constituição do Ceará tenha um artigo com redação idêntica ao da Constituição do Tocantins (que foi declarado inconstitucional), não se poderá ajuizar reclamação diretamente no STF caso o Tribunal de Contas aplique normalmente esse artigo da Carta cearense. Teria que ser proposta uma nova ADI impugnando a Constituição cearense ou então valer-se o interessado dos instrumentos processuais para a defesa do seu direito e a declaração difusa de inconstitucionalidade.

RECLAMAÇÃO
A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:
usurpou competência do STF; ou
desrespeitou decisão proferida pelo STF.

No caso concreto, não houve desrespeito à decisão do STF porque a posição do Tribunal de Contas foi contrária ao entendimento do Supremo expresso na fundamentação de algumas ADI’s, mas não foi violadora de nenhum dispositivo de decisão do Pretório Excelso.

O Min. Marco Aurélio (Relator) afirmou que não se pode utilizar a reclamação, que é uma via excepcional (por ser proposta diretamente no STF por qualquer interessado), como se fosse um incidente de uniformização de jurisprudência.

OUTROS PRECEDENTES
O STF possui outros precedentes, também atuais, negando aplicação à teoria da transcendência dos motivos determinantes. Confira:

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO – CABIMENTO DA AÇÃO CONSTITUCIONAL – AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE TEMAS ENTRE O ATO RECLAMADO E O PARADIGMA DESTA CORTE – TRANSCENDÊNCIA DE MOTIVOS – TESE NÃO ADOTADA PELA CORTE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. É necessária a existência de aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF para que seja admitido o manejo da reclamatória constitucional.
2. Embora haja similitude quanto à temática de fundo, o uso da reclamação, no caso dos autos, não se amolda ao mecanismo da transcendência dos motivos determinantes, de modo que não se promove a cassação de decisões eventualmente confrontantes com o entendimento do STF por esta via processual. Precedente.
3. Agravo regimental não provido.
(Rcl 3294 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2011)

(...) Este Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Rcl 3.014/SP, Rel. Min. Ayres Britto, rejeitou a aplicação da chamada “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.
(Rcl 9778 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2011)


O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.868, examinou a validade constitucional da Lei piauiense 5.250/02. Diploma legislativo que fixa, no âmbito da Fazenda estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Por se tratar, no caso, de lei do Município de Indaiatuba/SP, o acolhimento do pedido da reclamação demandaria a atribuição de efeitos irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. Tese rejeitada pela maioria do Tribunal. (...)
(Rcl 3014, Relator  Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2010)
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