Dizer o Direito

quinta-feira, 28 de junho de 2012

É inconstitucional a lei obrigar que o regime inicial de cumprimento de pena para os condenados por crimes hediondos ou equiparados seja o fechado



Um dos temas mais discutidos no direito penal nos últimos anos foi sobre o regime de cumprimento de pena para os condenados por tráfico de drogas.

Finalmente, no dia de ontem (27/06/2012), o STF pacificou o entendimento sobre isso.

Vamos explicar o que decidiu a Corte Suprema, fazendo antes uma breve revisão sobre o assunto:

O que são crimes hediondos?
São crimes que o legislador considerou especialmente repulsivos e que, por essa razão, recebem tratamento penal e processual penal mais gravoso que os demais delitos.
A CF/88 menciona que os crimes hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, não definindo, contudo, quais são os delitos hediondos.
Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Quais são os crimes hediondos no Brasil?
O Brasil adotou o sistema legal de definição dos crimes hediondos. Isso significa que é a lei quem define, de forma exaustiva (taxativa, numerus clausus), quais são os crimes hediondos.
Esta lei é a de n.° 8.072/90, conhecida como Lei dos crimes hediondos.

A Lei n.° 8.072/90 prevê, em seu art. 1º, o rol dos crimes hediondos:
São considerados hediondos os seguintes crimes (consumados ou tentados):
I - homicídio (art. 121 do CP), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (roubo seguido de morte) (art. 157, § 3º, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);
IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).
VIII - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B).
IX - Genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei n.° 2.889/56).

O tráfico de drogas é crime hediondo?
NÃO. O tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo não são crimes hediondos. Estes três delitos (TTT) são equiparados (assemelhados) pela CF/88 a crimes hediondos. Em outras palavras, não são crimes hediondos, mas devem receber o mesmo tratamento penal e processual penal mais rigoroso que é reservado aos delitos hediondos.

A Lei n.° 8.072/90, em sua redação original, determinava que os condenados por crimes hediondos ou equiparados (TTT) deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (...)
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

Em 23/02/2006, o STF declarou inconstitucional este § 1º do art. 2º por duas razões principais, além de outros argumentos:
a) A norma violava o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), já que obrigava o juiz a sempre condenar o réu ao regime integralmente fechado independentemente do caso concreto e das circunstâncias pessoais do réu;
b) A norma proibia a progressão de regime de cumprimento de pena, o que inviabiliza a ressocialização do preso.

A ementa do julgado ficou assim redigida:
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER.
A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.
PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL.
Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.
(HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006)

Diante dessa decisão, o Congresso Nacional editou a Lei n.° 11.464/2007 modificando o § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90:
Redação original
Redação dada pela Lei 11.464/2007
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida INTEGRALMENTE em regime fechado.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida INICIALMENTE em regime fechado.
Para os crimes anteriores à Lei n.° 11.464/2007, como o antigo § 1º era inconstitucional, as regras são as seguintes:
* É possível a progressão de regime cumprido 1/6 da pena (art. 112 da LEP) (Súm. 471-STJ);
* Não existe regime inicial obrigatório. O regime inicial é fixado segundo as normas do art. 33, § 2º do CP.

Para os crimes posteriores à Lei n.° 11.464/2007, as regras da Lei são as seguintes:
* A nova redação do § 1º passou a permitir a progressão de regime para crimes hediondos, conforme os requisitos previstos no § 2º do art. 2º (2/5 se primário e 3/5 se reincidente);
* A nova redação do § 1º continuou a impor ao juiz que sempre fixe o regime inicial fechado aos condenados por crimes hediondos e equiparados.

Segundo entendeu o STF, essa nova redação dada pela Lei n.° 11.464/2007 somente é válida para os crimes praticados após a sua vigência (29.03.2007).
Assim, a Lei n.° 11.464/2007 é irretroativa, considerando que, segundo o STF, trata-se de lei posterior mais grave. Isso porque depois da decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação de progressão para crimes hediondos (prevista na redação original do § 1º), os condenados por crime hediondos e equiparados passaram a poder progredir com o requisito de 1/6 (regra geral), mais favorável que o critério da Lei n.º 11.464/07 (RHC 91300/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 5.3.2009).

Recapitulando:
  • § 1º (em sua redação original): proibia a progressão para crimes hediondos.
  • STF (em 23/02/2006): decidiu que essa redação original do § 1º era inconstitucional (não se podia proibir a progressão).
  • Como o STF afirmou que o § 1º era inconstitucional: as pessoas condenadas por crimes hediondos ou equiparados passaram a progredir com os mesmos requisitos dos demais crimes não hediondos (1/6, de acordo com o art. 112 da LEP).
  • Lei n.° 11.464/2006: modificou o § 1º prevendo que a progressão para crimes hediondos e equiparados passaria a ser mais difícil que em relação aos demais crimes (2/5 para primários e 3/5 para reincidentes).
  • Logo, a Lei n.° 11.464/2006 foi mais gravosa para aqueles que cometeram crimes antes da sua vigência (e que podiam progredir com 1/6). Por tal razão, ela é irretroativa.
As perguntas que o STF respondeu ontem foram as seguintes:
O novo § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90, com a redação dada pela Lei n.° 11.464/2007, continua sendo inconstitucional?
Os vícios de inconstitucionalidade que existiam na redação original permanecem?
Esse dispositivo, em sua nova redação, continua violando o princípio constitucional da individualização da pena?

A resposta a essas perguntas é SIM.
O Plenário do STF, no dia de ontem (27/06/2012) decidiu que o § 1º do art. 2º da Lei n.° 8.072/90, com a redação dada pela Lei n.° 11.464/2007, ao impor o regime inicial fechado, é INCONSTITUCIONAL.

A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus 111.840/ES, afetado ao Plenário, tendo como relator o Min. Dias Toffoli.

Como votaram os Ministros:
O § 1º do art. 2º, da Lei n.° 8.072 é inconstitucional?
SIM
NÃO
Dias Toffoli
Rosa Weber
Cármen Lúcia
Ricardo Lewandowski
Cezar Peluso
Gilmar Mendes
Celso de Mello
Ayres Britto
Luiz Fux
Marco Aurélio
Joaquim Barbosa
Vejamos os principais argumentos utilizados para se chegar a essa conclusão:
  • A CF prevê o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI). Esse princípio também deve ser observado no momento da fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Assim, a fixação do regime prisional também deve ser individualizada (ou seja, de acordo com o caso concreto), ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 
  • A CF prevê, no seu art. 5º, XLIII, as vedações que ela quis impor aos crimes hediondos e equiparados (são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia). Nesse inciso não consta que o regime inicial para esses crimes tenha que ser o fechado. Logo, não poderia o legislador estabelecer essa imposição de regime inicial fechado por violar o princípio da individualização da pena.
  • Desse modo, deve ser superado o disposto na Lei dos Crimes Hediondos (obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado) para aqueles que preencham todos os demais requisitos previstos no art. 33, §§ 2º, e 3º, do CP, admitindo-se o início do cumprimento de pena em regime diverso do fechado.
  • O juiz, no momento de fixação do regime inicial, deve observar as regras do art. 33 do Código Penal, podendo estabelecer regime prisional mais severo se as condições subjetivas forem desfavoráveis ao condenado, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo.

A partir dessa decisão do STF, a pergunta que surge é a seguinte:
Qual é o regime inicial de cumprimento de pena do réu que for condenado por crime hediondo ou equiparado (ex: tráfico de drogas)?
O regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas b e c, do Código Penal.
Assim, será possível, por exemplo, que o juiz condene o réu por tráfico de drogas a uma pena de 6 anos de reclusão e fixe o regime inicial semiaberto.


Duas observações finais:

A declaração de inconstitucionalidade foi feita incidentalmente, ou seja, em sede de controle difuso no julgamento de um habeas corpus. Desse modo, em tese, essa declaração de inconstitucionalidade não possui eficácia erga omnes nem efeitos vinculantes (salvo para os adeptos da “abstrativização do controle difuso”). No entanto, é certo que todos os demais juízos vão ter que se curvar ao entendimento do Supremo Tribunal Federal.

O habeas corpus julgado foi impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo. Desse modo, esse é um tema que certamente será cobrado nas provas de Defensor Público.


INFORMATIVO Esquematizado 670 STF - Versão Resumida







INFORMATIVO Esquematizado 670 STF



Olá amigos do Dizer o Direito,

Publicamos hoje o INFORMATIVO Esquematizado 670 do STF.

Bons estudos a todos. Fiquem com Deus. Grande abraço.


quarta-feira, 27 de junho de 2012

STF decide que a definição de organização criminosa estabelecida na Convenção de Palermo não pode ser usada como crime antecedente da lavagem de dinheiro



O delito de lavagem de dinheiro é previsto no art. 1º, da Lei n.° 9.613/98.

A lavagem de dinheiro é classificada como um crime derivado, acessório ou parasitário, considerando que se trata de infração penal que pressupõe a ocorrência de um delito anterior (crime antecedente).

Repare na redação da Lei n.° 9.613/98, em especial no inciso VII do art. 1º:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II - de terrorismo;
II - de terrorismo e seu financiamento;
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante sequestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa.
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal).
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

Desse modo, as infrações penais listadas nesses incisos do art. 1º são consideradas “crimes antecedentes” do delito de lavagem de dinheiro.

Para que seja recebida a denúncia pelo crime de lavagem, deve haver, no mínimo, indícios da prática do crime antecedente ou crime-base:
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(...)
II - independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país;
(...)
§ 1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime.

Registre-se que não se exige condenação prévia do crime antecedente para que seja iniciada a ação penal pelo delito de lavagem de dinheiro.

Caso concreto julgado pela 1ª Turma do STF:
O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação penal contra Estevan Hernandes Filho e Sônia Haddad Moraes Hernandes, membros da Igreja Renascer em Cristo, imputando-lhes a suposta prática do delito tipificado no art. 1º, inciso VII, da Lei n.° 9.613/98 (lavagem de dinheiro).

A denúncia narrava que os acusados seriam membros de uma organização criminosa que se valeria de estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante fraudes, desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja da qual seriam dirigentes, em proveito próprio e de terceiros.

O Ministério Público argumentava que o conceito de organização criminosa pode ser encontrado na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 5.015/2004:
Artigo 2. Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

A denúncia foi recebida pelo juízo de 1ª instância.

Contra o ato do juiz que recebeu a denúncia foi impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, que indeferiu a ordem.

Contra essa decisão do TJSP, a defesa impetrou novo HC, desta vez para o STJ, que também indeferiu a ordem.

Contra essa decisão do STJ, a defesa finalmente ajuizou novo HC, desta vez para o STF.

O que alegava a defesa no HC?
O principal argumento era o de que a conduta narrada na denúncia era atípica.
Para que haja o enquadramento de uma conduta como lavagem de dinheiro é necessária a ocorrência de um crime antecedente.
O crime antecedente descrito pelo Ministério Público na denúncia foi o de organização criminosa.
Sucede que, segundo a defesa, o crime de “organização criminosa” não foi definido (conceituado) por nenhuma lei no Brasil.
Logo, não caberia denúncia de lavagem de dinheiro com base em crime praticado por organização criminosa (art. 1º, VII, da Lei n.° 9.613/98).

A 1ª Turma do STF acolheu o argumento da defesa?
SIM.

A 1ª Turma deferiu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor do casal.

Segundo entendeu o STF, utilizar a Convenção de Palermo nesse caso violaria o princípio da legalidade, segundo o qual não pode haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX).

Assim, para que a organização criminosa seja usada como crime antecedente da lavagem de dinheiro faz-se necessária a edição de uma lei em sentido formal e material definindo o que seja organização criminosa.

O Ministro Relator afirmou que a melhor doutrina defende que a ordem jurídica brasileira ainda não contempla previsão normativa do crime de organização criminosa.

Realçou-se que, no rol taxativo do art. 1º da Lei 9.613/98, não consta sequer menção ao delito de quadrilha.

Desse modo, quando o inciso VII do art. 1º menciona “organização criminosa”, deve-se entender essa expressão em sentido estrito, não abrangendo a quadrilha ou bando organizado, mas sim uma definição que ainda carece de lei.


Divergência de entendimento com o STJ
A Lei n.º 9.034/95 dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

Ocorre que a referida lei não definiu o que seja organização criminosa.

Justamente por isso, alguns autores afirmam que a definição de organização criminosa foi inserida em nosso ordenamento jurídico por meio da Convenção de Palermo, de 2000. Foi esse o entendimento defendido pelo Ministério Público de São Paulo no caso acima analisado e que não foi acolhido pela 1ª Turma do STF.

O STJ, no entanto, possui inúmeros precedentes adotando essa tese, ou seja, a de que se pode utilizar o conceito de “organização criminosa” previsto na Convenção de Palermo:
II. A conceituação de organização criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo, que entende por grupo criminoso organizado, "aquele estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
(HC 171.912/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 13/09/2011)

O conceito jurídico da expressão organização criminosa ficou estabelecido em nosso ordenamento com o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo). Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.
(HC 129.035/PE, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Rel. p/ Acórdão Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2011, DJe 03/11/2011)

Desse modo, atualmente, temos uma divergência entre o STJ e a 1ª Turma do STF:
1ª Turma do STF
A organização criminosa não pode ser usada como crime antecedente da lavagem de dinheiro, considerando que não existe definição legal no país.
A definição contida na Convenção de Palermo não vale para tipificar o art. 1º, VII, da Lei n.° 9.613/98.
STJ
A conceituação de organização criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo.
Logo, é possível a imputação do crime previsto no art. 1º, VII, da Lei n.° 9.613/98.

Esse tema deve ser dirimido em breve pelo Plenário do STF no caso do “Mensalão”. Vamos aguardar e acompanhar. Por enquanto, o panorama é esse.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Questão interessante sobre latrocínio que pode ser cobrada em uma prova prática ou de sentença



Imagine a seguinte situação hipotética (baseado em um caso concreto, mas com adaptações):

João e Pedro decidem roubar uma padaria. Entram no local e, João, armado com um revólver, anuncia o assalto, ameaçando o dono do estabelecimento e subtraindo dinheiro do caixa.

Após fugirem, o dono da padaria aciona imediatamente a polícia que, por estar perto, logo chega ao local e começa a fazer uma busca nas redondezas.

João e Pedro resolvem, então, assaltar uma farmácia que ficava a duas ruas da padaria.

João entrou na farmácia, levantou a camisa, mostrando a arma de fogo e retirou das prateleiras, em seguida, pacotes de fraldas, colocando-as em cima do balcão, enquanto Pedro aguardava do lado de fora para garantir o sucesso da empreitada criminosa.

Os policiais que faziam a busca lograram êxito em chegar ao local e detiveram João.

Pedro, por outro lado, conseguiu empreender fuga, sendo perseguido por um policial. Durante a perseguição, Pedro atingiu o policial com um disparo de arma de fogo, causando-lhe lesões que foram a causa eficiente de sua morte.

Ficou provado que João e Pedro utilizaram, nos assaltos, um veículo que sabiam havia sido furtado por Mário, que o “emprestou” para que eles realizassem os crimes.

Que crimes cometeram João e Pedro?

Pedro
Roubo circunstanciado consumado (art. 157, § 2º, I e II, do CP)
Latrocínio consumado (art. 157, § 3º do CP)
Receptação (art. 180 do CP)
João
Roubo circunstanciado consumado (art. 157, § 2º, I e II, do CP)
Roubo circunstanciado tentado (art. 157, § 2º, I e II c/c art. 14, II, do CP)
Receptação (art. 180 do CP)
Vamos agora explicar cada uma das imputações:

Quanto à receptação:
João e Pedro respondem pela receptação pelo fato de terem “recebido” um carro que sabiam ser produto de crime. Veja o tipo penal:
Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

“Receber” significa adquirir a posse do bem, não importando que tenha como objetivo usá-lo e depois abandoná-lo.
João e Pedro não respondem pelo furto do veículo porque não há provas de que tenham concorrido, de qualquer modo, para a prática desse crime (auxiliado, instigado etc.).

Quanto ao roubo da padaria:
Tanto João como Pedro respondem pelo roubo circunstanciado (apesar de comum, é errado falar em roubo “qualificado”) previsto no art. 157, § 2º, I (emprego de arma) e II (concurso de pessoas):
Art. 157 (...)
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

O fato de apenas João ter anunciado o assalto e apontado a arma não faz com que Pedro deixe de responder pelo mesmo tipo penal. Isso porque o emprego da arma é uma circunstância objetiva e as circunstâncias objetivas se comunicam a todos os envolvidos no evento criminoso, sejam eles coautores ou partícipes, conforme se extrai da regra prevista no art. 30 do CP.

Quanto ao roubo da farmácia:
Aqui é que há uma maior complexidade.

Pedro
Pedro responde por latrocínio consumado, mesmo a polícia tendo chegado na hora do crime e, por isso, não tendo sido conseguida a subtração de nenhum bem?
R: SIM, por razões de política criminal o STF entendeu que, apesar do latrocínio ser originalmente um crime patrimonial, deve-se dar prevalência ao bem jurídico vida, de modo que, se esta foi ceifada, o latrocínio deve ser considerado consumado. Nesse sentido:
Súmula 610-STF: Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de bens da vítima.

Subtração
Morte
Latrocínio
Consumada
Consumada
Consumado
Tentada
Tentada
Tentado
Consumada
Tentada
Tentado
Tentada
Consumada
Consumado (Súmula 610-STF)
Dica: repare que a consumação do latrocínio será sempre determinada pela consumação ou não da morte.

João
Por que João não responde por latrocínio e sim por roubo tentado?
R: Em regra, se duas pessoas decidem participar de um roubo armado e um dos agentes causa a morte de alguém, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos no evento criminoso. Isso porque o Código Penal adota a teoria monista ou unitária prevista no art. 29:
Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Em outras palavras, em regra, o coautor que participa de roubo armado responde pelo latrocínio ainda que o disparo tenha sido efetuado só pelo comparsa. Essa é a jurisprudência do STJ e do STF.

Entretanto, excepcionalmente, em um caso concreto noticiado no Informativo 670, a 1ª Turma do STF considerou que não se poderia imputar o resultado morte ao coautor (João) em virtude de ter havido a ruptura do nexo de causalidade entre os agentes (HC 109151/RJ, rel. Min. Rosa Weber, 12.6.2012).

Seria necessário que houvesse entre os coautores (Pedro e João) o nexo biopsicológico no quesito relativo à culpabilidade, ou seja, a ciência de ambos a respeito do que iriam fazer. Seria necessário que João, ainda que implicitamente, tivesse concordado com o fato de Pedro atirar no policial. Ocorre que isso não foi demonstrado já que João aceitou ser preso (não reagiu) enquanto que Pedro fugiu e atirou no policial para garantir a fuga.

Veja como Cleber Masson, autor do melhor livro de Direito Penal para concursos, explica o tema:
Se, no contexto do roubo, praticado em concurso de pessoas, somente uma delas tenha produzido a morte de alguém – vítima da subtração patrimonial ou terceiro –, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos na empreitada criminosa, como consectário lógico da adoção da teoria unitária ou monista pelo art. 29, caput, do Código Penal (...).
Entretanto, se um dos agentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste. Cuida-se de manifestação do instituto da cooperação dolosamente distinta, ou desvios subjetivos entre os agentes, disciplinado pelo art. 29, § 2º, do Código Penal.
Nessa hipótese, não há concurso de pessoas para o crime mais grave, mas somente para o de menor gravidade. Exemplo: “A” e “B” combinam a prática do furto de um automóvel. Quando, em via pública, valendo-se de chave falsa, começam a abrir a fechadura de um veículo para subtraí-lo, são surpreendidos pelo seu proprietário. Nesse momento, “A” decide fugir, ao passo que “B” luta com o dono do automóvel, vindo a mata-lo mediante disparo de arma de fogo. A solução jurídico-penal é simples: “A” responde por tentativa de furto qualificado, enquanto a “B” será imputado o crime de latrocínio consumado. (...)” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Vol. 2. Parte Especial. 3ª ed., São Paulo : Editora Método, 2011, p. 406).

E então, se fosse um prova prática da Defensoria ou do Ministério Público, você teria conseguido fazer a correta tipificação das condutas? E se fosse uma prova de sentença, teria julgado de acordo com o STF?

Não estranhe se esse exemplo vier a ser cobrado na sua futura prova. Tenho certeza que você irá acertar. 

Bons estudos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

INFORMATIVO Esquematizado 669 - Versão Resumida







INFORMATIVO Esquematizado 669 STF



Olá amigos do Dizer o Direito,

Estamos muito felizes com os vários testemunhos de pessoas que estão tendo mais facilidade de entender a jurisprudência do STF e do STJ com os nossos informativos.

É muito gratificante saber que, de alguma forma, estamos contribuindo no estudo de vocês.

Publicamos hoje o INFORMATIVO Esquematizado 669 STF.

Um grande abraço a todos e bom final de semana.


quarta-feira, 20 de junho de 2012

Comentários às novas súmulas do STJ



A Segunda Seção do STJ (que julga matérias de direito privado) aprovou ontem sete novas súmulas.

São súmulas difíceis de entender e algumas não tão importantes para os concursos em geral.

Vejamos algumas noções sobre cada uma delas, apontando as que se mostram mais relevantes para fins de concurso.

SÚMULA 472:
A cobrança de comissão de permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.

Assunto: Direito Civil (Obrigações) / Direito Bancário

Em quais concursos essa súmula poderá ser cobrada?
Trata-se de súmula geral, que poderá ser exigida em qualquer concurso.
Atenção especial se você estiver fazendo magistratura estadual.

O que é a comissão de permanência?
A comissão de permanência é um valor cobrado pelas instituições financeiras no caso de inadimplemento contratual enquanto o devedor não quitar sua obrigação.
Em outras palavras, é um encargo cobrado por dia de atraso no pagamento de débitos junto a instituições financeiras.
É cobrado após o vencimento e incide sobre os dias de atraso.

Fundamento:
A comissão de permanência foi instituída por meio da Resolução n.° 15/1966, do Conselho Monetário Nacional.
Atualmente, rege o tema a Resolução n.° 1.129/1986 do CMN.

Duas conclusões da súmula:
1) O valor cobrado de comissão de permanência não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato.

2) A comissão de permanência exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.

Portanto, ou se cobra a comissão de permanência, ou se cobra os demais encargos previstos no contrato.

Encargos inacumuláveis
A comissão de permanência não pode ser cumulada com:
• juros remuneratórios;
• correção monetária;
• juros moratórios
• ou multa moratória.

Em suma, não pode cumular com nada.

Veja as outras súmulas do STJ que tratam sobre o tema:

Súmula 30-STJ: A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.

Súmula 294-STJ: Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.

Súmula 296-STJ: Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.



SÚMULA 473:
O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada.

Assunto: Sistema Financeiro de Habitação

Em quais concursos essa súmula poderá ser cobrada?
Magistratura federal, AGU, Procurador Federal, DPU, Advogado da CEF.

O seguro habitacional é obrigatório para quem contrata financiamento imobiliário.
Segundo o entendimento anterior, o mutuário (pessoa que contrata mútuo – empréstimo) era obrigado a contratar o seguro habitacional oferecido pelo mesmo banco que lhe concedia o financiamento imobiliário.

O STJ, por meio dessa súmula, repele frontalmente essa posição e afirma que o mutuário do SFH tem liberdade para escolher com quem irá contratar o seguro habitacional.


SÚMULA 474:
A indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial do beneficiário, será paga de forma proporcional ao grau da invalidez.

Assunto: Direito Civil (seguro)

Em quais concursos essa súmula poderá ser cobrada?
Apenas concursos estaduais. Mesmo em concursos estaduais, não é um tema muito frequente nas provas.

DPVAT
O DPVAT é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não.

Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros.

Ex: dois carros batem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro.
Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos.
Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez.

Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente.

O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.

Quem custeia as indenizações pagas pelo DPVAT?
Os proprietários de veículos automotores. Trata-se de um seguro obrigatório. Assim, sempre que o proprietário do veículo paga o IPVA, está pagando também, na mesma guia, um valor cobrado a título de DPVAT.

O STJ afirma que a natureza jurídica do DPVAT é a de um contrato legal, de cunho social.

O DPVAT é regulamentado pela Lei n.° 6.194/74.

Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei?
I – no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima)
II – no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500 (por vítima)
III – no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso à cada vítima.

Desse modo, como a indenização por invalidez é de até R$ 13.500, entende-se que esse valor deverá ser proporcional ao grau da invalidez permanente apurada. Foi justamente isso que o STJ sumulou.


SÚMULA 475:
Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas.

Assunto: Direito Empresarial (Títulos de Crédito)

Em quais concursos essa súmula poderá ser cobrada?
Concursos estaduais, em especial Magistratura.

“B”, empresa do ramo de vendas, emitiu uma duplicata (título de crédito) por conta de mercadorias que seriam vendidas a “A”.
Ocorre que o negócio jurídico acabou não sendo concretizado (não existiu).
Mesmo sem ter existido o negócio jurídico, “B” emitiu a duplicata (sem causa) e, além disso, fez o endosso translativo desse título para  “C” (banco).
O endosso translativo (também chamado de endosso próprio), é o ato cambiário por meio do qual o endossante transfere ao endossatário o título de crédito e, em consequência, os direitos nele incorporados. Em outras palavras, “B” transmitiu a “C” seu suposto crédito que teria em relação a “A”.
Ocorre que “A” recusou aceite a essa duplicata.
Diante disso, “C” apresentou a duplicata para ser protestada pelo tabelionato de protesto, o que foi feito. Assim, “A” foi intimado pelo tabelião de protesto, a pedido de “C” para que pagasse a duplicata. Como “A” não pagou, foi inscrito no SPC e SERASA.

“A” quer ajuizar ação de cancelamento de protesto cumulada com reparação por danos morais. Quem deverá ser réu nessa ação? Quem é o responsável por esse protesto indevido, “B” (que emitiu a duplicata) ou “C” (que recebeu a duplicata mediante endosso)?
Resposta: “C”.

Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário (“C”) que recebe por endosso translativo título de crédito (no caso, uma duplicata) contendo vício formal extrínseco ou intrínseco (no caso, a ausência de compra e venda).

Caso o endossatário (“C”), que levou o título a protesto indevidamente, seja condenado a pagar a indenização, terá direito de cobrar esse valor pago (direito de regresso) contra o endossante (no caso, “B”) e eventuais avalistas do título de crédito.

O endossatário que recebe, por endosso translativo, título de crédito contendo vício formal, sendo inexistente a causa para conferir lastro à emissão de duplicata, responde pelos danos causados diante de protesto indevido, ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas.


SÚMULA 476:
O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário.

Assunto: Direito Empresarial (Títulos de Crédito)

Em quais concursos essa súmula poderá ser cobrada?
Concursos estaduais, em especial Magistratura.

O endosso-mandato ou endosso-procuração é aquele por meio do qual o endossante transfere ao endossatário o poder de que este aja como seu representante, exercendo os direitos relacionados com o título de crédito, podendo cobrá-lo, protestá-lo, executá-lo etc.

O endosso-mandato é uma espécie de endosso impróprio.
O endosso impróprio, ao contrário do endosso translativo, não transfere o crédito para o endossatário, mas apenas permite que este (o endossatário) tenha a posse do título para agir em nome do endossante (endosso-mandato) ou como garantia de uma dívida que o endossante tenha com o endossatário (endosso-caução).

Figuras:
• Endossante-mandante (ex: uma loja)
• Endossatário-mandatário (normalmente um banco).

No endosso-mandato, "transmite-se ao endossatário-mandatário, assim investido de mandato e da posse do título, o poder de efetuar a cobrança, dando quitação de seu valor" (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2º Vol. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 495).

O endossatário recebe o título de crédito apenas para efetuar a cobrança do valor nele mencionado e dar a respectiva quitação; após a cobrança, o endossatário deverá devolver o dinheiro ao endossante, descontada sua remuneração por esse serviço.

“B”, empresa do ramo de vendas, emitiu uma duplicata (título de crédito) por conta de mercadorias vendidas a “A”.
 “B”, após emitir a duplicata, fez o endosso-mandato desse título para  “C” (banco), a fim de que este efetuasse a cobrança do valor de “A”.
Ocorre que “A” recusou o pagamento dessa duplicata alegando que já havia pago.
Mesmo assim, “C” apresentou a duplicata para ser protestada pelo tabelionato de protesto, o que foi feito. Assim, “A” foi intimado pelo tabelião de protesto, a pedido de “C” para que pagasse a duplicata. Como “A” não pagou, foi inscrito no SPC e SERASA.

“A” quer ajuizar ação de cancelamento de protesto cumulada com reparação por danos morais. Quem deverá ser réu nessa ação? Quem é o responsável por esse protesto indevido (“B” ou “C”)?
Resposta: como regra, “B” (endossante). “C” (endossatário de endosso-mandato) somente responderá se ficar provado que extrapolou os poderes de mandatário.

No endosso-mandato, o endossatário não age em nome próprio, mas sim em nome do endossante.

O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário.

Exemplo em que o endossatário responderia: diante da resposta do devedor de que já havia pago o débito, o endossante solicitou ao endossatário que aguardasse para protestar o título somente após conferir se houve realmente a quitação. O endossatário, descumprindo essa determinação, realizou o protesto imediatamente, mesmo sem aguardar essa conferência.


SÚMULA 477:
A decadência do artigo 26 do CDC não é aplicável à prestação de contas para obter esclarecimentos sobre cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários.

Assunto: Direito do Consumidor

Em quais concursos essa súmula poderá ser cobrada?
Concursos estaduais (Magistratura, MP, Defensoria Pública).

“A”, analisando seu saldo da conta bancária, desconfia que houve saques indevidos realizados pela instituição financeira.

Qual o prazo que “A” possui para ajuizar ação de prestação de contas contra o banco, visando a obter esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou encargos em sua conta bancária?

Os bancos alegavam que a cobrança abusiva de taxas, tarifas e outros encargos corresponderia a um vício no serviço prestado pelo banco, de fácil constatação, razão pela qual deveria ser aplicado o prazo decadencial de 90 dias previsto no art. 26, II, do CDC:

Art. 26 - O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I – 30 (trinta dias), tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis;
II – 90 (noventa dias), tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.

O STJ concordou com essa tese?
NÃO. O STJ entendeu que o art. 26 do CDC não tem aplicação em ação de prestação de contas para obter esclarecimentos sobre cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários.

O art. 26 do CDC somente se aplica para os casos de VÍCIOS.

Vício é a inadequação do produto ou serviço para os fins a que se destina.
Ex: Paulo compra um Playstation e ele não liga.

Defeito, por sua vez, também é diferente de vício.

Defeito diz respeito à insegurança do produto ou serviço.
Ex: Paulo compra um Playstation, ele liga o aparelho, começa a jogar e de repente o videogame esquenta muito e explode, ferindo “A”.

O débito indevido de tarifas bancárias em conta-corrente é defeito ou vício?
Nenhum dos dois. Não é defeito nem vício.

Esse débito indevido não se enquadra no conceito legal de vício nem no de defeito do serviço bancário. Trata-se de custo contratual dos serviços bancários, não dizendo respeito à qualidade, confiabilidade ou idoneidade dos serviços prestados.

O objetivo dessa ação de prestação de contas não é reclamar de vícios (aparentes ou de fácil constatação) no fornecimento de serviço prestado, mas sim o de obter esclarecimentos sobre os lançamentos efetuados em sua conta-corrente.

Logo, o prazo para que “A” ajuíze a ação de prestação de contas contra o banco é um prazo prescricional (e não de decadência), sendo este o mesmo prazo da ação de cobrança correspondente, estando previsto no Código Civil e não no CDC.

O STJ já possuía uma súmula relacionada com esse tema:
Súmula 259-STJ: A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária.


SÚMULA 478:
Na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferência sobre o hipotecário.

Assunto: Direito Processual Civil (Execução)

Em quais concursos essa súmula poderá ser cobrada?
Concursos estaduais, em especial magistratura.

“A” possui um imóvel “X”.
“A” possui uma dívida com o Banco, tendo sido esse imóvel “X” hipotecado como garantia real da dívida.
“A” possui também dívida com o condomínio em virtude de inúmeros meses de cotas condominiais atrasadas.

Obs: mesmo que esse imóvel “X” seja considerado bem de família, ele poderá ser penhorado, porque tanto a hipoteca como a dívida de condomínio são exceções à impenhorabilidade do bem de família, conforme prevê a Lei n.° 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

Caso esse imóvel seja vendido judicialmente para pagar as dívidas de “A”, qual dívida deverá ser paga em primeiro lugar? Qual dos dois créditos possui preferência?
R: o referente às cotas condominiais.

Por se tratar de obrigação propter rem, o crédito oriundo de despesas condominiais em atraso prefere ao crédito hipotecário no produto de eventual arrematação.


Dizer o Direito!