quarta-feira, 30 de maio de 2012
Comentários à Lei 12.654/2012 (coleta de material biológico do investigado ou condenado)
quarta-feira, 30 de maio de 2012
Foi publicada ontem (29/05) a Lei
n.° 12.654/2012 que prevê a
possibilidade de ser realizada uma nova espécie de identificação criminal, qual
seja, a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.
Espécies de identificação
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1) Identificação civil
É a pessoa que possui um dos
documentos de identificação civil previstos no art. 2º da Lei n.° 12.037/2009 (exs:
carteira de identidade, de trabalho, passaporte etc.).
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2) Identificação criminal
Existem três espécies:
a) Identificação fotográfica
b) Identificação dactiloscópica
(digitais)
c) Coleta de material biológico
para a obtenção do perfil genético.
Obs: esta última foi
acrescentada pela Lei n.°
12.654/2012.
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A regra constitucional é a de
que a pessoa que for civilmente identificada não será submetida à
identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 5º,
LVIII). A Lei que traz essas hipóteses é a Lei n.° 12.037/2009.
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A Lei n.° 12.654/2012, para permitir a
identificação criminal mediante a coleta de material biológico, alterou duas
leis:
·
Lei n.°
12.037/09 (Lei de Identificação Criminal);
·
Lei n.°
7.210/84 (Lei de Execuções Penais).
A Lei n.° 12.654/2012 prevê a criação
de banco de dados de perfis genéticos com o material coletado dos investigados
e condenados. Qual é a finalidade dessa coleta e da formação desse banco de
dados?
Existem inúmeros crimes que cuja
execução deixa materiais genéticos como vestígios. Ex1: o sêmen do autor no
caso de um estupro; Ex2: gotas de sangue do agressor na hipótese de um
homicídio consumado, em que a vítima tentou se defender; Ex3: fios de cabelo do
agente no caso de um furto.
Em tais situações, será possível
a comparação dos vestígios deixados com as informações constantes desse banco de
dados para que se possa descobrir o verdadeiro autor do crime.
Em que hipóteses a nova Lei permitiu a coleta de material biológico da
pessoa para a obtenção do perfil genético?
Foram previstas duas hipóteses:
·
durante as investigações para apurar a autoria
de crime;
·
quando o réu já tiver sido condenado pela
prática de determinados crimes.
1ª hipótese: durante as investigações:
Quem determina a
coleta de material biológico do investigado
para a obtenção do seu perfil genético?
A autoridade judiciária.
Nesse caso, a Lei prevê que essa decisão determinando
a coleta do material biológico poderá ser tomada de ofício ou mediante
representação da autoridade policial, do MP ou da defesa.
Qual é o
requisito para que seja determinada esta coleta?
Somente será determinada a coleta de material
biológico do investigado para a obtenção do seu perfil genético se essa prova
for essencial às investigações policiais.
Onde ficarão armazenados esses dados do
material biológico coletado?
A
Lei n.° 12.654 previu que os
dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco
de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia
criminal.
As
informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não
poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto
determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e
internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.
Os
dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter
sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou
promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em
decisão judicial.
As
informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser
consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente
habilitado.
Até quando ficarão armazenados estes dados?
A
exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo
estabelecido em lei para a prescrição do delito.
Ponto polêmico: mesmo
sem que a lei preveja, seria possível a coleta do material biológico do acusado
durante o processo penal, ou seja, após as investigações?
Entendo que não, considerando que se trata de norma que,
por restringir direitos fundamentais do acusado, não pode ser interpretada de
forma ampliativa.
Somente em uma situação seria permitida: quando esta
coleta tenha sido requerida pela defesa do réu para fins de prova de sua
inocência.
2ª hipótese: após o réu ter sido condenado
A nova Lei acrescentou o art. 9º-A à Lei de Execuções Penais, prevendo
o seguinte:
Art.
9º-A. Os condenados por crime praticado,
dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos
crimes previstos no art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão
submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante
extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
§
1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados
sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.
§
2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz
competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de
identificação de perfil genético.
Pontos polêmicos:
Para que seja permitida a coleta de material biológico é necessário que
a condenação tenha transitado em julgado?
Sim. A Lei não condiciona
expressamente que tenha havido o trânsito em julgado, no entanto, essa exigência
decorre do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII).
É permitida a coleta de material biológico em caso de crimes
equiparados a hediondo (tráfico de drogas, tortura e terrorismo)?
Não. Não é porque tais
delitos são equiparados a hediondo que haverá uma simbiose perfeita entre eles.
Em verdade, sempre que a lei quis estabelecer tratamento uniforme entre os
crimes hediondos e equiparados, ela o fez expressamente, como é o caso do art.
2º da Lei n.°
8.072/90.
Vejamos um quadro comparativo
entre as duas hipóteses de coleta de material biológico:
Situações em que é possível a coleta de
material biológico da pessoa
para a obtenção do seu perfil genético
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1ª Hipótese:
|
2ª Hipótese
|
A coleta somente pode ocorrer durante
as investigações (antes de ser ajuizada a ação penal)
|
A coleta somente pode ocorrer após
a condenação do réu.
|
Não importa o crime pelo qual a
pessoa esteja sendo investigada.
|
A coleta somente é permitida se
o réu foi condenado:
·
por crime doloso praticado com violência de
natureza grave contra pessoa; ou
·
por qualquer crime hediondo.
|
Somente ocorre se se essa prova
for essencial às investigações policiais.
O objetivo é elucidar o crime
específico que está sendo investigado.
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É obrigatória por força de lei.
O objetivo é o de armazenar a identificação
do perfil genético do condenado em um banco de dados sigiloso.
|
A coleta é determinada por
decisão judicial fundamentada, proferida de ofício, ou mediante representação
da autoridade policial, do MP ou da defesa.
|
Não necessita de autorização
judicial.
A coleta é feita como
providência automática decorrente da condenação.
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Prevista no parágrafo único do
art. 5º da Lei n.°
12.037/2009 (inserido pela Lei n.°
12.654/2012).
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Prevista no art. 9º-A da LEP (inserido
pela Lei n.°
12.654/2012).
|
Reduzida efetividade da Lei n.° 12.654/2012
Caso o investigado ou o condenado se negue a permitir a coleta de
material biológico, qual será a consequência para ele?
Nenhuma. Toda pessoa tem o
direito de não produzir prova contra si mesmo. Logo, o indivíduo que se nega a permitir
a coleta de material biológico para se autodefender exerce um direito garantido
constitucionalmente e, por tal razão, não pode ser responsabilizado criminal ou
disciplinarmente por isso.
O Estado não poderá, sob
pena de inconstitucionalidade, impor, coativamente, que a pessoa ceda material genético
para a coleta, ainda que mínimo, como a saliva.
A Lei n.° 12.654/2012, portanto, prevê
mera faculdade para o investigado ou condenado que, se assim quiser, poderá permitir
a coleta de seu material biológico.
Forçoso concluir, então,
que se trata de Lei de reduzida efetividade.
Vale mencionar que é pacífico o entendimento do STF de que, por conta do princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), o acusado não é obrigado a fornecer padrão vocal ou padrão de escrita para que sejam realizadas perícias que possam prejudicá-lo. Ora, esse mesmo raciocínio será, certamente, aplicado para o fornecimento de material biológico. Vide os precedentes do STF sobre o tema:
Vale mencionar que é pacífico o entendimento do STF de que, por conta do princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), o acusado não é obrigado a fornecer padrão vocal ou padrão de escrita para que sejam realizadas perícias que possam prejudicá-lo. Ora, esse mesmo raciocínio será, certamente, aplicado para o fornecimento de material biológico. Vide os precedentes do STF sobre o tema:
HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 14
DA LEI Nº 6.368/76. REQUERIMENTO, PELA DEFESA, DE PERÍCIA DE CONFRONTO DE VOZ
EM GRAVAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA. DEFERIMENTO PELO JUIZ. FATO SUPERVENIENTE.
PEDIDO DE DESISTÊNCIA PELA PRODUÇÃO DA PROVA INDEFERIDO.
1. O privilégio contra a
auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do
direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os
padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser
desfavorável.
2. Ordem deferida, em parte,
apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do
direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado
pela autoridade designada para a realização da perícia.
(HC 83096, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em
18/11/2003, DJ 12-12-2003 PP-00089 EMENT VOL-02136-02 PP-00289 RTJ VOL-00194-03
PP-00923)
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE
DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES
PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE.
Diante do princípio nemo tenetur
se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o
dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser
interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer
padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser
intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato
de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de
que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do
delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim,
pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos
públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou
proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou
ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa,
a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for
ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de
desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso
IV do art. 174. Habeas corpus concedido.
(HC 77135, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em
08/09/1998, DJ 06-11-1998 PP-00003 EMENT VOL-01930-01 PP-00170)
Vacatio legis
A Lei n.° 12.654/2012 somente entra
em vigor 180 dias após a sua publicação, ou seja, apenas no dia 26 /11/2012.