Dizer o Direito

domingo, 8 de abril de 2012

Entre o bem e o mal nas profissões jurídicas - por Vladimir Passos de Freitas



Meus amigos,

Neste domingo em que exercitamos a renovação de nosso espírito pela lembrança da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, gostaríamos de compartilhar com vocês este excelente texto do Professor Doutor Vladimir Passos de Freitas, exemplo de sabedoria e humildade.

O artigo foi extraído do site Consultor Jurídico (www.conjur.com.br).

Aproveitando o ensejo, desejamos uma feliz Páscoa a todos. 

Ps: deixem os estudos para amanhã. Hoje é dia de aproveitar a família!


Entre o bem e o mal nas profissões jurídicas
Por Vladimir Passos de Freitas

O tema é ignorado pelos estudiosos, mas está presente no dia-a-dia dos operadores do Direito. Resume-se a algo aparentemente simples, mas que envolve grande complexidade, ou seja, a opção, sempre possível, dos profissionais da área jurídica entre o bem e o mal no exercício de suas atividades. Como bem observa Amartya Sem “o poder de fazer o bem quase sempre anda junto com a possibilidade de fazer o oposto” (Desenvolvimento como liberdade, Companhia de Bolso, p. 11).

Fique, desde logo, claro, que aqui não se está a falar de atos criminosos. Extorsão, corrupção ativa, advocacia administrativa e temas correlatos são assuntos afetos ao Direito Penal. Excelentes obras jurídicas e farta jurisprudência deles trata há décadas. Aqui o foco é outro. Trata-se de como, na rotina profissional, é possível adotar um lado (fazer o bem) ou outro (fazer o mal), sem que disto surjam consequências diretas e explícitas.

Vejamos alguns exemplos de situações em que dois caminhos se abrem ao profissional, mas um terá reflexos positivos e o outro, negativos, para terceiros.

Um cartorário pode facilitar ou não a vida dos que o procuram. Poderá exibir um processo a um advogado que atende no balcão ou poderá dizer que está concluso ao juiz e que nada pode fazer. Por telefone, poderá dar uma informação solucionando uma dúvida ou, negando-se, poderá obrigar o interessado a ir ao Cartório e perder horas com isto. Seu poder de fazer o bem ou o mal é imenso, muito embora nem sempre percebido.

Um professor de Direito pode corrigir os erros de um aluno em classe, expondo-o a uma situação de constrangimento, ao invés de chamá-lo em particular e aconselhá-lo a ler boas obras de literatura.

Um advogado, ao deparar com um erro de seu adversário em uma ação, poderá apontá-lo tecnicamente ou ridicularizá-lo, expondo a falta cometida. O resultado processual será o mesmo. Mas na segunda hipótese ele terá humilhando seu colega menos preparado ou experiente.

Um promotor de Justiça pode receber um processo com vista e retê-lo por meses. Poderá agir desta maneira por inapetência para o trabalho ou porque não tem simpatia pelo advogado da parte. Em atitude oposta, pode devolver com manifestação no mesmo dia ou poucos dias depois, dependendo do volume de trabalho. Do ponto de vista disciplinar, tanto fará optar por uma ou outra providência.

Um juiz tem oportunidades diárias de ajudar ou de prejudicar alguém. Tudo em uma esfera cinzenta, em que o bem e o mal não serão identificados. Por exemplo, marcando uma audiência cível para um ano depois, quando poderia fazê-lo para 60 ou 90 dias, com pequeno sacrifício pessoal. Ou convertendo em diligência o julgamento de um processo, desnecessariamente, apenas para vê-lo fora das estatísticas dos conclusos para sentença.

Um escrivão de Polícia pode lavrar um B.O. rapidamente ou deixar uma pessoa, que pode ser a vítima, aguardando horas. Um delegado pode reter um inquérito policial por anos, com sucessivos pedidos de prazo, deixando pendente a vida do indiciado, o que, dependendo do caso e da pessoa, pode gerar consequências econômicas, físicas e psicológicas.

Um examinador na prova oral de um concurso pode perguntar delicada ou rispidamente e com isto levar o candidato a um estado de calma ou apreensão, com reflexos no resultado final. Um defensor público pode atender cinco ou 25 pessoas carentes em um dia. Para ele, será indiferente. Se optar por apenas cinco, poderá justificar-se dizendo que é a única forma de ouvir com calma e dar uma solução meditada.

Em suma, o que se está querendo dizer é que o operador jurídico, optando por uma ou outra ação, não sofrerá consequências do ponto de vista de controle do órgão profissional. O Conselho Federal da OAB tem um Código de Ética e Disciplina. O CNJ editou um Código de Ética da Magistratura Nacional. O Direito Administrativo afirma a existência do princípio da cortesia. Mas regras e princípios semelhantes não descem aos detalhes dos exemplos mencionados. Não interferem na rotina das atividades jurídicas.

Então, a conclusão será a de que o mal compensa? A resposta é não. Em qualquer das profissões mencionadas, trabalhar de uma ou de outra forma traz resultados diferentes. Vejamos.

Os que optam pelo mal, pela insensibilidade nas relações com os que dele se aproximam, criam em torno de si um ambiente negativo, no qual predominam os sentimentos de medo, rancor, ira. Dele se aproximarão os maus (os iguais se atraem), os invejosos, os bajuladores, aqueles que nele veem alguma oportunidade de obter vantagens. São pessoas amargas, cujo prazer por uma conquista, dá-lhes satisfação apenas transitória. Quando se aposentam, caem na mais absoluta solidão. Revoltados, fora do circuito profissional, dirigem suas baterias contra os membros de sua família.

Ao inverso, os que optam pelo bem, os que usam o poder para auxiliar o próximo nas suas aflições — o que não significa perda da autoridade — criam uma energia positiva que alcança todos com os quais se envolvem. Suas ações são contagiantes. Isto se percebe facilmente ao entrar-se no local de trabalho. Por exemplo, nas Varas onde o juiz é cordial e solidário, o clima de boa vontade acaba fazendo parte do ambiente e beneficia a todos. Cultiva-se o bom humor, a cortesia, a boa-vontade e recebe-se em troco carinho, respeito, gratidão.

Não se precisa mais do que 10 minutos para que passem em nossa mente exemplos de pessoas próximas que adotam uma ou outra conduta e os respectivos resultados.

Portanto, optar pelo bem no exercício das profissões jurídicas significa não hesitar em auxiliar o próximo, desde que seja possível. Deixar o cumprimento burocrático das obrigações e dar um passo a mais, tentando realmente solucionar o conflito. Não usar o poder para causar sofrimento a terceiros, mesmo que réus.

Em suma, a prática do bem traz resultados, sim. É ser integrado no ambiente de trabalho, negar espaço ao ceticismo, saber-se querido e respeitado, amar e ser amado, utilizar o poder para ajudar o próximo e receber como resultado, mesmo que não seja esta a intenção, muitas felicidades. Em conclusão, é muito mais do que o sucesso financeiro ou a ascensão na carreira, conquistas estas importantes, mas que são sempre momentâneas e exigem permanentes renovações, sob pena de cair-se em um vazio existencial.

Não por acaso esta coluna é publicada no domingo de Páscoa, símbolo do renascimento, de mudança e de conciliação. Terão os operadores do Direito consciência da possibilidade de optarem pelo bem nas práticas diárias e dos resultados da escolha?

Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2012
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