Conceito de aborto
Aborto é a interrupção da vida intra-uterina, com a destruição do produto da concepção (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 24ª ed., 2006, p. 62).
O aborto no Brasil é crime?
SIM. O aborto no Brasil é crime,
tipificado nos arts. 124, 125 e 126 do Código Penal.
Exceções em que o aborto não é crime no Brasil:
O Código Penal, em seu art. 128,
traz duas hipóteses em que o aborto é permitido:
Inciso I: se não há outro meio de
salvar a vida da gestante (é o chamado “aborto necessário”).
Inciso II: no caso de gravidez
resultante de estupro (“aborto humanitário”).
Segundo o texto do CP, essas
seriam as duas únicas hipóteses em que o aborto seria permitido legalmente
no Brasil.
Feto anencéfalo
Feto anencéfalo é aquele que,
“por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais)” (DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 281)
ADPF 54
A Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Saúde do Brasil ingressou com uma ação de arguição de
descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF n.º 54)
pedindo que a Corte Constitucional conferisse ao Código Penal uma interpretação
conforme a Constituição e declarasse que o aborto de fetos anencéfalos não é
crime.
Principais argumentos utilizados na ADPF:
A ação foi assinada pelo grande
constitucionalista Luis Roberto Barroso e tinha, entre outros, os seguintes
argumentos:
- Como o feto anencéfalo não desenvolveu o cérebro, ele não teria qualquer condição de sobrevivência extrauterina;
- Perdurar a gestação por meses seria apenas prolongar o sofrimento da mãe considerando que a morte da criança ao nascer, ou mesmo antes do parto, seria cientificamente inevitável;
- Rigorosamente, não haveria nem mesmo aborto porque o feto anencéfalo é desprovido de cérebro e, segundo a Lei n.º 9.434/1997, o marco legislativo para se aferir a morte de uma pessoa ocorre no momento em que se dá sua morte cerebral.
Argumentos contrários à ADPF:
Outros setores da sociedade e, em
especial a Igreja Católica, mostraram-se completamente contrários à possibilidade
de aborto de fetos anencefálicos. Para tanto, valeram-se das seguintes razões:
- O feto já pode ser considerado um ser humano e deve ter seu direito à vida respeitado;
- Haveria chances de sobrevivência extrauterina, como no caso raro de uma criança chamada Marcela de Jesus Galante Ferreira, que foi diagnosticada como feto anencéfalo, mas teria sobrevivido alguns meses após o parto (conhecido como “Caso Marcela”). (obs: os médicos rechaçam essa afirmação, sustentando que não se trataria de feto anencéfalo, tendo havido erro no diagnóstico);
- A legalização do aborto de fetos anencefálicos representaria o primeiro passo para a legalização ampla e irrestrita dos abortos no Brasil;
- O aborto de fetos anencefálicos seria um tipo de aborto eugênico, isto é, uma espécie de aborto preconizada por regimes arianos, como o nazista, no qual se eliminariam indivíduos com deficiências físicas ou mentais, em uma forma de purificação da raça.
CNBB como amicus curiae
A Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB) chegou, inclusive, a pedir para intervir na ADPF como amicus curiae (intervenção processual
atípica de terceiros), o que, no entanto, foi negado pelo Ministro Relator da
ação.
Medida cautelar concedida pelo Min. Marco Aurélio
Em 1º de julho de 2007, o Min.
Marco Aurélio, do STF, concedeu, em decisão monocrática, medida cautelar na referida ação, declarando
que não haveria crime nesses casos e determinando a suspensão dos processos que
versassem sobre o tema.
O Pleno do STF se reuniu, cassou
a liminar concedida pelo Relator, mas determinou que os processos que tratassem
sobre o assunto em outros juízos continuassem suspensos.
ADPF como instrumento para discutir o tema
Antes de examinar o mérito, ainda no julgamento da cautelar concedida pelo Min. Marco Aurélio, o
Procurador Geral da República suscitou uma questão de ordem no sentido de que a
ADPF não seria o meio processual adequado para tratar sobre tal tema. O STF, no
entanto, rejeitou a questão de ordem e, por 7 votos contra 4 (à época) declarou que não
havia qualquer empecilho processual e que a ADPF poderia ser utilizada para
discutir o assunto.
Audiências públicas
Desde então o STF realizou audiências públicas e ouviu inúmeros representantes da área médica a fim de recolher
maiores subsídios para julgar a ação.
Julgamento do mérito da ADI
Após longos anos de tramitação, nesta quarta (11/04) e quinta-feira
(12/04), o STF julgou o mérito da ADPF.
O que foi decidido?
Por 8 votos a 2, os Ministros
entenderam que não é crime interromper a gravidez de fetos anencéfalos.
Assim, os médicos que fazem a
cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem crime de
aborto.
A grávida e a equipe médica precisam de autorização judicial para fazer
a cirurgia de retirada de um feto anencéfalo?
NÃO. Segundo restou decidido, para interromper a gravidez
de feto anencéfalo não é necessária decisão judicial que a autorize. Basta o
diagnóstico de anencefalia do feto.
A cirurgia de retirada de um feto anencéfalo é considerada aborto?
NÃO. Sete Ministros que
participaram do julgamento consideraram que não se trata de aborto porque não
há a possibilidade de vida do feto fora do útero.
O Min. Gilmar Mendes votou pela
descriminalização da prática, mas considerou que tal prática configura sim aborto. Segundo
o Min. Mendes, o aborto de feto anencéfalo pode ser enquadrado no inciso II do
art. 128 do CP, que afirma que não se pune o aborto praticado por médico se não
há outro meio de salvar a vida da gestante.
Trechos relevantes dos votos dos Ministros (com informações do site do
STF):
Min. Marco Aurélio
(Relator da ADPF)
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“A incolumidade física do feto
anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não
pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da
mulher”.
Para ele, é inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem
chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da
pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à
saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na
Constituição.
Obrigar a mulher a manter esse
tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere privado em
seu próprio corpo”, deixando-a desprovida do mínimo essencial de
autodeterminação, o que se assemelha à tortura.
“Cabe à mulher, e não ao
Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para
deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez”, afirmou, acrescentando
estar em jogo a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas
mulheres, direitos fundamentais que devem ser respeitados.
Direito à vida
Em seu voto, o Min. Marco
Aurélio sustentou que na ADPF 54 não se discute a descriminalização do
aborto, já que existe uma clara distinção entre este e a antecipação de parto
no caso de anencefalia. “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida
potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível”. A
anencefalia, que pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro, é doença
congênita letal, para a qual não há cura e tampouco possibilidade de
desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. “O anencéfalo
jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial,
mas de morte segura”, afirmou o Ministro.
Código Penal
Em relação ao fato de não haver
menção no Código Penal aos casos de anencefalia como quesito autorizador de
interrupção de gravidez, o Ministro Marco Aurélio argumentou que nas décadas
de 30 e 40, quando foi editado o Código Penal hoje vigente, a medicina não
possuía os recursos técnicos necessários para identificar previamente esse
tipo de anomalia fetal.
Estado laico
Ao proferir seu voto, o Min.
reforçou ainda o caráter laico do Estado brasileiro, previsto desde a Carta
Magna de 1891, quando da transição do Império à República. “A questão posta
nesse processo – inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual
configura crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo - não pode ser
examinada sob os influxos de orientações morais religiosas”, frisou.
Doação de órgãos
Ao sustentar seu entendimento,
o Ministro também afastou a premissa utilizada em prol da defesa do
anencéfalo de que os seus órgãos poderiam ser doados. Segundo ele, além de
ser vedada a manutenção de uma gravidez somente para viabilizar a doação de
órgãos, essa possibilidade é praticamente impossível no caso de anencefalia,
pois o feto teria outras anomalias que inviabilizariam a prática. Obrigar a
mulher a manter a gravidez apenas com esse propósito, para o relator, seria
tratá-la a partir de uma perspectiva utilitarista, de instrumento de geração
de órgãos para doação, o que também fere o princípio da dignidade da pessoa
humana.
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Min. Rosa Weber
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O que está em jogo, no caso,
não é o direito do feto anencefálico à vida, já que, de acordo com o conceito
de vida do Conselho Federal de Medicina (CFM), jamais terá condições de
desenvolver uma vida com a capacidade psíquica, física e afetiva inata ao ser
humano, pois não terá atividade cerebral que o qualifique como tal. O que
está em jogo, portanto, segundo ela, é o direito da mãe de escolher se ela
quer levar adiante uma gestação cujo fruto nascerá morto ou morrerá em curto
espaço de tempo após o parto, sem desenvolver qualquer atividade cerebral,
física, psíquica ou afetiva, própria do ser humano.
Embora, em seu voto, a Ministra
sustentasse a relatividade dos conceitos da ciência sobre o que é vida e
sobre a aplicabilidade dos conceitos e paradigmas da ciência às demais áreas
da vida humana, em virtude de sua mutabilidade, ela se reportou, em seu voto,
à Resolução nº 1480/97 do Conselho Federal de Medicina, que estabeleceu como
parâmetro para diagnosticar a morte de uma pessoa a ausência de atividade
motora em virtude da morte cerebral, isto é, a certeza de que o indivíduo não
apresentará mais capacidade cerebral.
Este é, segundo a Ministra, “um critério claro, seguro e garantido”
que pode ser aplicado, por analogia, ao feto anencefálico.
“A gestante deve ficar livre
para optar sobre o futuro de sua gestação do feto anencéfalo”, sustentou a Ministra Rosa Weber.
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Min. Joaquim
Barbosa
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Em se tratando de feto com vida
extrauterina inviável, não há possibilidade alguma de que esse feto venha a
sobreviver fora do útero materno. Desse modo, a antecipação desse evento, em
nome da saúde física e psíquica da mulher não se contrapõe ao princípio da
dignidade da pessoa humana. Ao fazer a ponderação entre os valores jurídicos
tutelados pelo direito, a vida extrauterina inviável e a liberdade e
autonomia privada da mulher, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve
prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor
representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu
sentimento pessoal.
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Min. Luiz Fux
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“Impedir a interrupção da
gravidez sob ameaça penal efetivamente equivale a uma tortura, vedada pela
Constituição Federal”.
Com base em inúmeros estudos e
dados científicos, o Ministro Luiz Fux afirmou ser possível chegar a “três
conclusões lastimáveis” sobre a gestação de anencéfalos: que a expectativa de
vida deles fora do útero é absolutamente efêmera, que o diagnóstico de
anencefalia pode ser feito com razoável índice de precisão e que as
perspectivas de cura da deficiência na formação do tubo neural são
absolutamente inexistentes nos dias de hoje.
Diante dessas conclusões, o Ministro ressaltou a importância de se proteger a saúde física e psíquica da
gestante, dois componentes da dignidade humana da mulher.
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Min. Cármen Lúcia
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O Supremo não está decidindo
nem permitindo a introdução do aborto no Brasil, menos ainda a possibilidade
de aborto em virtude de qualquer deformação.
“Estamos discutindo o direito à
vida, à liberdade e à responsabilidade”. “Estamos deliberando sobre a
possibilidade jurídica de uma pessoa ou de um médico ajudar uma mulher que
esteja grávida de um feto anencéfalo, a fim de ter a liberdade de fazer a escolha
sobre qual é o melhor caminho a ser seguido, quer continuando quer não
continuando com essa gravidez”, explicou.
“Todas as opções, mesmo essa
interrupção, são de dor. A escolha é qual a menor dor, não é de não doer
porque a dor do viver já aconteceu, a dor do morrer também”, disse a Ministra, destacando que, para ela, a interrupção da gravidez de fetos
anencéfalos não é criminalizável para que seja preservada a dignidade da vida
“que é o que a Constituição assegura como o princípio fundamental do constitucionalismo
contemporâneo”.
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Min. Ayres Britto
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Em seu voto, afirmou que não se
pode falar em aborto de anencéfalo porque o que as mulheres carregam no
ventre, nesses casos, é um natimorto cerebral, sem qualquer expectativa de
vida extrauterina. “Dar à luz é dar a vida, e não a morte”, afirmou,
acrescentando que se os homens engravidassem, a interrupção da gravidez de
anencéfalos “estaria autorizada desde sempre”.
O Ministro salientou que
nenhuma mulher será obrigada a interromper a gravidez se estiver gerando um
feto anencéfalo mas, não se pode levar às últimas consequências esse martírio
contra a vontade da mulher, pois isso corresponde à tortura, ao tratamento
cruel.
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Min. Gilmar Mendes
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Considerou a interrupção da
gravidez de feto anencéfalo como hipótese de aborto, mas defendeu que essa
situação está compreendida como causa de excludente de ilicitude, já prevista
no Código Penal, por ser comprovado que a gestação de feto anencéfalo é perigosa
à saúde da gestante.
Ressalvou que seria indispensável
que as autoridades competentes regulamentem de forma adequada, com normas de
organização e procedimento, o reconhecimento da anencefalia a fim de
“conferir segurança ao diagnóstico dessa espécie”.
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Min. Celso de Mello
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O STF, no estágio em que já se
acha este julgamento, está a reconhecer que a mulher, apoiada em razões
fundadas nos seus direitos reprodutivos e protegida pela eficácia
incontrastável dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana,
da liberdade, da autodeterminação pessoal e da intimidade, tem o direito
insuprimível de optar pela antecipação terapêutica de parto nos casos de
comprovada malformação fetal por anencefalia; ou então, legitimada por razões
que decorrem de sua autonomia privada, o direito de manifestar sua liberdade
individual, em clima da absoluta liberdade, pelo prosseguimento natural do
processo fisiológico de gestação.
“Nós não estamos autorizando
práticas abortivas, legitimando a prática do aborto”, disse o Ministro, observando que “esta é outra questão que
poderá ser submetida à apreciação desta Corte, em outro momento, mas não é o
caso”. Ele fez questão de afirmar que há uma grande diferença entre
legalização do aborto e a antecipação terapêutica do parto em caso de
anencefalia.
Em seu voto, ele lembrou que há
diversos conceitos de vida, sobre seu início e fim, e que a Constituição não
define quando ela se inicia. Entretanto, o Ministro lembrou que o critério
deve ser mesmo o previsto na Lei 9.434/97 e na Resolução 1.752/97 do Conselho
Federal de Medicina (CFM), que consideram morto um ser humano quando cessa
completamente sua atividade cerebral, ou seja, a morte encefálica. Por
analogia, segundo ele, o feto anencéfalo não é um ser humano vivo, porque não
tem cérebro e nunca vai desenvolver atividade cerebral.
Portanto, sequer haveria
tipicidade de crime contra a vida na interrupção antecipada de tal parto.
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Min. Ricardo
Lewandowski
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O voto do Ministro Lewandowski
seguiu duas linhas de raciocínio. Na primeira, ele destacou os limites
objetivos do controle de constitucionalidade.
Afirmou que o STF só pode
exercer o papel de legislador negativo. Nesse aspecto, o Ministro observou
que o Congresso Nacional, se assim o desejasse, poderia ter alterado a
legislação para incluir os anencéfalos nos casos em que o aborto não é
criminalizado, mas até hoje não o fez. O tema, assinalou, é extremamente
controvertido, e ambos os lados defendem suas posições com base na dignidade
da pessoa humana.
Sustentou que o Congresso se
encontra profundamente dividido, refletindo, aliás, a abissal cisão da
própria sociedade brasileira em torno da matéria.
O segundo ponto enfatizado pelo
Ministro foi a possibilidade de que uma decisão favorável ao aborto de fetos
anencéfalos torne lícita a interrupção da gestação de embriões com diversas
outras patologias que resultem em pouca ou nenhuma perspectiva de vida
extrauterina.
Para o Ministro, uma decisão
judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, ao
arrepio da legislação penal vigente, abriria a possibilidade de interrupção
da gestação de inúmeros outros casos.
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Min. Cezar Peluzo
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Segundo o Ministro, o
anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo.
Lembrou, ainda, que a questão
dos anencéfalos tem de ser tratada com “cautela redobrada”, diante da
imprecisão do conceito, das dificuldades do diagnóstico e dos dissensos em
torno da matéria.
Os apelos para a liberdade e
autonomia pessoais são “de todo inócuos” e “atentam contra a própria ideia de
um mundo diverso e plural”. A discriminação que reduz o feto “à condição de
lixo”, a seu ver, “em nada difere do racismo, do sexismo e do especismo”.
Todos esses casos retratam, de acordo com o voto, “a absurda defesa e
absolvição da superioridade de alguns sobre outros”.
Ao encerrar seu voto, o
presidente do STF ressaltou ainda que não cabe ao STF atuar como legislador
positivo, e que o Legislativo não incluiu o caso dos anencéfalos nas
hipóteses que, no art. 124 do Código Penal, autorizam o aborto.
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O Ministro Dias Toffoli não
participou do julgamento por julgar-se impedido, considerando que, na época em
que era Advogado-Geral da União, atuou na elaboração do parecer da AGU em favor da
ADPF.
Como fica a situação das pessoas que já foram condenadas criminalmente
por interromperem uma gestação de feto anencefálico? Esta decisão do STF irá
retroagir?
Entendo que SIM.
O Plenário do STF,
em decisão com eficácia erga omnes e
efeito vinculante, decidiu que é atípica a conduta da interrupção da gravidez de
um feto anencefálico. Não há, portanto, crime.
As decisões condenatórias que, eventualmente tenham sido proferidas, podem ser desconstituídas mediante habeas
corpus ou revisão criminal considerando que violam preceito fundamental da
Constituição Federal segundo decisão do STF, repita-se, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.
A jurisprudência favorável pode então retroagir para alcançar casos já julgados?
Este sempre foi um acirrado
debate na doutrina. Penso que, com esta decisão do STF, a tendência seja
reconhecer que a jurisprudência favorável ao réu possui eficácia retroativa
como se fosse uma lex mitior (lei mais
favorável). Isso porque o entendimento da Corte, manifestado na ADPF 54, com toda
a certeza irá retroagir para alcançar (e desconstituir) eventuais condenações
por aborto de fetos anencefálicos que tenham sido proferidas.
Na doutrina, Nilo Batista e Eugenio
Raúl Zaffaroni, Paulo Queiroz, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes, entre outros, defendem que a jurisprudência
pode retroagir para ser aplicada em casos já julgados desde que seja mais
benéfica ao réu e se constitua em uma interpretação criativa, com uma mudança massificada
de entendimento, e não mera alteração momentânea.
Penso que, com a decisão da ADPF
54, ganha força esta tese, ou seja, a de que a jurisprudência mais favorável pode sim retroagir para alcançar condenações já transitadas em julgado. Trata-se da aplicação da teoria
(idealizada no processo civil) da relativização da coisa julgada
inconstitucional em benefício do réu.
Bons estudos. Um grande abraço a todos.