Olá meus amigos do Dizer o
Direito,
Vamos analisar um julgado
proferido pelo STJ no dia de ontem e aproveitar para discorrer acerca de algumas peculiaridades dos
crimes permanentes.
O caso hipotético é o seguinte:
Rafael e mais três comparsas decidem abordar um rico empresário, levá-lo
até um cativeiro e mantê-lo no local até que a família pague um milhão de reais
como resgate. Qual o crime praticado por Rafael?
R: Extorsão mediante sequestro
(art. 159 do CP).
Cuidado para não responder sem pensar muito e dizer que se trata simplesmente de sequestro. "Sequestro" é diferente de "extorsão mediante
sequestro".
Sequestro (art. 148)
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Extorsão mediante sequestro (art. 159)
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Art. 148. Privar alguém de sua
liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três
anos.
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Art. 159. Sequestrar pessoa com
o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou
preço do resgate:
Pena - reclusão, de oito a
quinze anos.
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Aqui o elemento subjetivo é o
dolo, sem qualquer finalidade específica.
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Neste delito, a intenção do
agente, com a privação da liberdade da vítima, é obter, para si ou para
outrem, alguma vantagem, como condição ou preço do resgate.
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A diferença, portanto, é que a
extorsão mediante sequestro é um delito específico (mais especial) em relação
ao sequestro. O art. 159 é um tipo específico de sequestro no qual o agente tem uma finalidade especial, que é a obtenção da vantagem como condição ou preço do resgate.
No caso relatado, o propósito
de Rafael era o de obter a vantagem econômica (um milhão de reais) como preço do
resgate. Logo, é o crime do art. 159 do CP.
No dia em que Rafael e seus comparsas capturaram o empresário (02/07/2010),
Rafael possuía 17 anos. Na data em que o empresário foi libertado (02/11/2010),
após o pagamento do resgate, Rafael já havia completado 18 anos (fez
aniversário no dia 02/10/2010).
Rafael irá responder por ato infracional (como adolescente) ou por crime (como adulto)?
R: Responderá por crime (como adulto).
Qual o motivo?
R: A extorsão mediante sequestro
(art. 159), assim como o sequestro (art. 148), é classificada como crime
permanente. No crime permanente a consumação se prolonga no tempo, por vontade
do agente. Assim, a consumação do delito persistirá durante todo o tempo em que
a vítima estiver privada de sua liberdade de locomoção.
Como o empresário ficou durante 4
meses sequestrado, a consumação da extorsão mediante sequestro foi prolongada durante
todo esse tempo.
Logo, quando Rafael completou 18
anos, a consumação da extorsão ainda estava ocorrendo e, mesmo assim, ele optou
por continuar a consumar o crime, de forma que se pode dizer que o crime foi
consumado também quando ele já tinha mais de 18 anos.
No dia de ontem, a 5ª Turma do
STJ, ao julgar o HC 169150 (Min. Marco Aurélio Bellizze), que tratava de tema
semelhante a este narrado, chegou a esta mesma conclusão e decidiu que se o réu “atingiu a idade de 18 anos durante a
consumação do crime, não há de se cogitar de inimputabilidade”.
Outras consequências que decorrem do fato de um crime ser considerado
permanente:
- Flagrante: no crime permanente, é possível a prisão em flagrante a qualquer momento. No exemplo dado, a qualquer instante em que a polícia descobrisse o cativeiro poderia ir até lá e prender em flagrante os envolvidos.
- Prescrição: a prescrição só começa a correr depois de cessada a permanência. Logo, no caso narrado, o prazo prescricional iniciou-se no dia da libertação da vítima (02/11/2010) e não no momento em que foi capturado.
- Lei nova: se, durante a permanência, for editada uma lei nova, ainda que mais grave, ela será aplicada ao caso concreto, considerando que o réu decidiu continuar a consumação do delito (continuando com o sequestro), mesmo após ser editada a nova lei. Existe até mesmo uma súmula do STF sobre o tema:
Súmula 711-STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Entenderam tudo até agora?
Então se preparem para a pergunta que poderia confundir alguns:
Qual é o momento da consumação do crime de
extorsão mediante sequestro (art. 159)?
Trata-se de crime formal, de
consumação antecipada.
Algumas provas podem afirmar que se trata de delito de tendência
interna transcendente de resultado cortado.
O mais importante a saber é que este
crime se consuma com a privação da liberdade da vítima, independentemente da
obtenção da vantagem pelo agente.
Vejamos o STJ:
(...) 1. O delito previsto no art. 159 do Código Penal é crime complexo, que ofende ao mesmo tempo o patrimônio e a liberdade da vítima. Em sua forma qualificada – com resultado morte – fere ainda um terceiro bem jurídico, a vida, razão porque é punido de forma mais rigorosa. (...)3. "A extorsão mediante sequestro, como crime formal ou de consumação antecipada, opera-se com a simples privação da liberdade de locomoção da vítima, por tempo juridicamente relevante. Ainda que o sequestrado não tenha sido conduzido ao local de destino, o crime está consumado" (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 6ª edição. São Paulo: Atlas. 2007, pág. 1.476).4. No caso, tem-se que a vítima foi surpreendida em um quarto de hotel, chegando a ser algemada para viabilizar o seu transporte para o local do cativeiro, não restando dúvidas acerca da consumação do delito. (...)(HC 113.978/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 16/09/2010)
Desse modo, o crime se consuma
desde a privação da liberdade da vítima. Durante o tempo em que a vítima ficar
privada de sua liberdade (no cativeiro, p. ex.), a consumação do delito vai
ficar se prolongando, mas pode-se dizer perfeitamente que o crime já se
consumou desde o instante em que houve a privação da liberdade por tempo
juridicamente relevante.
Tanto isso é verdade que, segundo
a jurisprudência, o local do crime, para fins de competência, é a localidade
onde ocorreu o sequestro e não o da entrega do resgate: (STF. HC 73521, Min. Ilmar
Galvão, 1ª Turma, julgado em 16/04/1996)
O momento consumativo não ocorre
com a entrega do resgate porque se trata de crime formal, ou seja, consiste em delito que
não exige, para consumação, que ocorra o resultado naturalístico esperado. Não se
exige a obtenção da vantagem para que o delito se consuma. Com a palavra, mais
uma vez o STJ:
Extorsão mediante seqüestro: a consumação desse delito prescinde da efetiva obtenção da vantagem, pelo que, com a privação de liberdade, já está consumado o delito.(HC 87.764/SC, Min. Celso Limongi (Des. Conv. do TJ/SP), 6ª T, em 07/05/2009)
Se Rafael, no dia 15/10/2010, tivesse ficado com pena do empresário e decidisse,
voluntariamente, libertá-lo, haveria desistência voluntária? Rafael ficaria
livre do crime do art. 159?
R: NÃO. Não há desistência voluntária
e sim delito consumado. Lembre-se que o crime se consumou com a privação da
liberdade por tempo juridicamente relevante. O fato de a vítima continuar no
cativeiro somente fez com que esta consumação fosse sendo prolongada no tempo.
Se a vítima tivesse conseguido fugir do cativeiro no dia 10/10/2010, haveria
crime tentado ou consumado?
R: Crime consumado. A obtenção da
vantagem indevida não é necessária para a consumação. Trata-se de mero
exaurimento. Repita-se: o crime foi consumado com a privação da liberdade por
tempo juridicamente relevante.
Vejamos duas questões de concurso sobre o tema:
1 - (Delegado de Polícia/MG – 2007 – adaptada) O crime de extorsão
mediante sequestro consuma-se no momento em que a privação da liberdade da
vítima se completa ( )
2 - (Delegado de Polícia/CE – 2006 – adaptada) A extorsão mediante
sequestro é crime de natureza permanente e sendo crime contra o patrimônio tem
sua consumação quando o valor do resgate é efetivamente pago, pois é nesse momento
que ocorre o concreto dano ao patrimônio (
)
Gabarito:
1 – Certa / 2 – Errada
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assuntos postados.
Perseverança, força e fé.
Bons estudos.
Fiquem com Deus.