Dizer o Direito

quinta-feira, 1 de março de 2012

Adolescente inicia a execução de extorsão mediante sequestro quando tinha 17 anos, mas no momento em que a vítima é libertada, ele já havia completado 18 anos. Responderá por ato infracional ou por crime?



Olá meus amigos do Dizer o Direito,

Vamos analisar um julgado proferido pelo STJ no dia de ontem e aproveitar para discorrer acerca de  algumas peculiaridades dos crimes permanentes.

O caso hipotético é o seguinte:

Rafael e mais três comparsas decidem abordar um rico empresário, levá-lo até um cativeiro e mantê-lo no local até que a família pague um milhão de reais como resgate. Qual o crime praticado por Rafael?
R: Extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP).

Cuidado para não responder sem pensar muito e dizer que se trata simplesmente de sequestro. "Sequestro" é diferente de "extorsão mediante sequestro".

Sequestro (art. 148)
Extorsão mediante sequestro (art. 159)
Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:
Pena - reclusão, de oito a quinze anos.
Aqui o elemento subjetivo é o dolo, sem qualquer finalidade específica.
Neste delito, a intenção do agente, com a privação da liberdade da vítima, é obter, para si ou para outrem, alguma vantagem, como condição ou preço do resgate.

A diferença, portanto, é que a extorsão mediante sequestro é um delito específico (mais especial) em relação ao sequestro. O art. 159 é um tipo específico de sequestro no qual o agente tem uma finalidade especial, que é a obtenção da vantagem como condição ou preço do resgate.

No caso relatado, o propósito de Rafael era o de obter a vantagem econômica (um milhão de reais) como preço do resgate. Logo, é o crime do art. 159 do CP.

No dia em que Rafael e seus comparsas capturaram o empresário (02/07/2010), Rafael possuía 17 anos. Na data em que o empresário foi libertado (02/11/2010), após o pagamento do resgate, Rafael já havia completado 18 anos (fez aniversário no dia 02/10/2010).

Rafael irá responder por ato infracional (como adolescente) ou por crime (como adulto)?
R: Responderá por crime (como adulto).

Qual o motivo?
R: A extorsão mediante sequestro (art. 159), assim como o sequestro (art. 148), é classificada como crime permanente. No crime permanente a consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. Assim, a consumação do delito persistirá durante todo o tempo em que a vítima estiver privada de sua liberdade de locomoção.
Como o empresário ficou durante 4 meses sequestrado, a consumação da extorsão mediante sequestro foi prolongada durante todo esse tempo.

Logo, quando Rafael completou 18 anos, a consumação da extorsão ainda estava ocorrendo e, mesmo assim, ele optou por continuar a consumar o crime, de forma que se pode dizer que o crime foi consumado também quando ele já tinha mais de 18 anos.

No dia de ontem, a 5ª Turma do STJ, ao julgar o HC 169150 (Min. Marco Aurélio Bellizze), que tratava de tema semelhante a este narrado, chegou a esta mesma conclusão e decidiu que se o réu “atingiu a idade de 18 anos durante a consumação do crime, não há de se cogitar de inimputabilidade”.

Outras consequências que decorrem do fato de um crime ser considerado permanente:
  • Flagrante: no crime permanente, é possível a prisão em flagrante a qualquer momento. No exemplo dado, a qualquer instante em que a polícia descobrisse o cativeiro poderia ir até lá e prender em flagrante os envolvidos.
  • Prescrição: a prescrição só começa a correr depois de cessada a permanência. Logo, no caso narrado, o prazo prescricional iniciou-se no dia da libertação da vítima (02/11/2010) e não no momento em que foi capturado.
  • Lei nova: se, durante a permanência, for editada uma lei nova, ainda que mais grave, ela será aplicada ao caso concreto, considerando que o réu decidiu continuar a consumação do delito (continuando com o sequestro), mesmo após ser editada a nova lei. Existe até mesmo uma súmula do STF sobre o tema:
Súmula 711-STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

Entenderam tudo até agora?

Então se preparem para a pergunta que poderia confundir alguns: 
Qual é o momento da consumação do crime de extorsão mediante sequestro (art. 159)?
Trata-se de crime formal, de consumação antecipada. 
Algumas provas podem afirmar que se trata de delito de tendência interna transcendente de resultado cortado.

O mais importante a saber é que este crime se consuma com a privação da liberdade da vítima, independentemente da obtenção da vantagem pelo agente.

Vejamos o STJ:
(...) 1. O delito previsto no art. 159 do Código Penal é crime complexo, que ofende ao mesmo tempo o patrimônio e a liberdade da vítima. Em sua forma qualificada – com resultado morte – fere ainda um terceiro bem jurídico, a vida, razão porque é punido de forma mais rigorosa. (...)3. "A extorsão mediante sequestro, como crime formal ou de consumação antecipada, opera-se com a simples privação da liberdade de locomoção da vítima, por tempo juridicamente relevante. Ainda que o sequestrado não tenha sido conduzido ao local de destino, o crime está consumado" (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 6ª edição. São Paulo: Atlas. 2007, pág. 1.476).4. No caso, tem-se que a vítima foi surpreendida em um quarto de hotel, chegando a ser algemada para viabilizar o seu transporte para o local do cativeiro, não restando dúvidas acerca da consumação do delito. (...)(HC 113.978/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 16/09/2010)
Desse modo, o crime se consuma desde a privação da liberdade da vítima. Durante o tempo em que a vítima ficar privada de sua liberdade (no cativeiro, p. ex.), a consumação do delito vai ficar se prolongando, mas pode-se dizer perfeitamente que o crime já se consumou desde o instante em que houve a privação da liberdade por tempo juridicamente relevante.

Tanto isso é verdade que, segundo a jurisprudência, o local do crime, para fins de competência, é a localidade onde ocorreu o sequestro e não o da entrega do resgate: (STF. HC 73521, Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, julgado em 16/04/1996)

O momento consumativo não ocorre com a entrega do resgate porque se trata de crime formal, ou seja, consiste em delito que não exige, para consumação, que ocorra o resultado naturalístico esperado. Não se exige a obtenção da vantagem para que o delito se consuma. Com a palavra, mais uma vez o STJ:
Extorsão mediante seqüestro: a consumação desse delito prescinde da efetiva obtenção da vantagem, pelo que, com a privação de liberdade, já está consumado o delito.(HC 87.764/SC, Min. Celso Limongi (Des. Conv. do TJ/SP), 6ª T, em 07/05/2009)
Se Rafael, no dia 15/10/2010, tivesse ficado com pena do empresário e decidisse, voluntariamente, libertá-lo, haveria desistência voluntária? Rafael ficaria livre do crime do art. 159?
R: NÃO. Não há desistência voluntária e sim delito consumado. Lembre-se que o crime se consumou com a privação da liberdade por tempo juridicamente relevante. O fato de a vítima continuar no cativeiro somente fez com que esta consumação fosse sendo prolongada no tempo.

Se a vítima tivesse conseguido fugir do cativeiro no dia 10/10/2010, haveria crime tentado ou consumado?
R: Crime consumado. A obtenção da vantagem indevida não é necessária para a consumação. Trata-se de mero exaurimento. Repita-se: o crime foi consumado com a privação da liberdade por tempo juridicamente relevante.

Vejamos duas questões de concurso sobre o tema:

1 - (Delegado de Polícia/MG – 2007 – adaptada) O crime de extorsão mediante sequestro consuma-se no momento em que a privação da liberdade da vítima se completa (    )

2 - (Delegado de Polícia/CE – 2006 – adaptada) A extorsão mediante sequestro é crime de natureza permanente e sendo crime contra o patrimônio tem sua consumação quando o valor do resgate é efetivamente pago, pois é nesse momento que ocorre o concreto dano ao patrimônio (     )

Gabarito:
1 – Certa / 2 – Errada

Publique suas dúvidas no Facebook e no Twitter do site e vamos utilizar estas ferramentas como um espaço para debatermos os assuntos postados.

Perseverança, força e fé.

Bons estudos.

Fiquem com Deus.


Dizer o Direito!