Toda semana serão publicadas
questões objetivas e/ou discursivas sobre temas atuais e polêmicos relacionados
aos principais ramos do direito e tendo como perspectiva de análise o
entendimento do STJ e do STF acerca do assunto.
Serão escolhidos, primordialmente,
temas não tratados pela maioria dos livros ou cuja abordagem doutrinária destoa
da jurisprudência.
O objetivo é deixar o leitor
preparado para as mais difíceis questões de concurso.
Começamos hoje com três questões
interessantes sobre o habeas corpus.
Confiram.
QUESTÃO 1
Assinale certo ou errado para a afirmação
abaixo segundo o entendimento do STF e do STJ:
O habeas
corpus pode ser preventivo ou repressivo. Se o HC for impetrado de forma
preventiva e a coação se verificar antes de seu julgamento, o writ poderá ser convertido em liberatório
( )
QUESTÃO 2
(Juiz
Federal – TRF 5 – 2011 – adaptada) No que se refere ao habeas corpus, julgue a
afirmação abaixo:
Tem sido reiteradamente aceita, conforme a
jurisprudência do STJ, a utilização do habeas
corpus, inclusive como substitutivo de recurso próprio e, em respeito ao
princípio constitucional da celeridade processual, para o reconhecimento de
nulidades (error in procedendo),
mesmo após o trânsito em julgado da ação penal e ainda que já cumprida a
condenação, desde que a prova se mostre de plano. ( )
QUESTÃO 3 – DISCURSIVA
É possível a impetração de habeas corpus em favor de pessoa
jurídica que pratique crime ambiental?
GABARITO
Resposta
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Comentários
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1) CERTA
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Em regra, o HC preventivo pode
ser julgado como repressivo se, após a impetração e antes do pedido ser
apreciado, a ameaça à liberdade de locomoção concretizar-se.
Ex: Mário tem receio justo e
concreto de que o juiz de seu processo decrete sua prisão. Impetra então HC
preventivo no TJ no dia 10/02/2012. No dia 15/02/2012, antes que o TJ tenha
examinado o mérito do HC, o juiz efetivamente decreta a prisão de Mário. O TJ
poderá aproveitar o HC impetrado e julgá-lo como se fosse um HC liberatório
(repressivo), concedendo a liberdade ao acusado.
Esse é o entendimento do STF:
O habeas corpus preventivo
diz com o futuro. Respeita ao temor de futura violação do direito de ir e
vir. Temor que, no caso, decorrendo do conhecimento de notícia veiculada em
jornal de grande circulação, veio a ser concretizado. Justifica-se a
conversão do habeas corpus preventivo
em liberatório em razão da amplitude do pedido inicial e porque abrange a
proteção mediata e imediata do direito de ir e vir. (HC 95009/SP, rel.
Min. Eros Grau, 6.11.2008)
Este é o entendimento também do
STJ:
Aperfeiçoada a coação ilegal suportada pelo paciente com a prolação
da decisão pelo Tribunal a quo, o habeas corpus impetrado preventivamente deve ser conhecido como repressivo. (HC
89.640/SP, julgado em 25/02/2008)
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Resposta
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Comentários
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2) ERRADA
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Tratava-se de questão difícil
considerando que a afirmação estava quase toda correta. O que está errado na
alternativa? Apenas o seguinte trecho: “ainda que já cumprida a condenação”.
Segundo a jurisprudência do STJ
e do STF, se a pena já foi cumprida, não cabe o habeas corpus porque não existe mais qualquer risco à liberdade
de locomoção:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 304 C.C. ART. 297, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CUMPRIMENTO
INTEGRAL DA PENA. AUSÊNCIA DE AMEAÇA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. INTELIGÊNCIA
DA SÚMULA N.º 695 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO DESPROVIDO.
Tendo sido declarada extinta a
pena imposta ao ora Agravante, não é o habeas corpus o instrumento
processual adequado para se buscar o reconhecimento da pretendida absolvição.
Inteligência da Súmula n.º 695 da Suprema Corte. Precedentes. (AgRg no HC
144.028/SP, Min. Laurita Vaz, julgado em 13/12/2011)
A súmula 695 do STF enuncia:
Não cabe habeas corpus
quando já extinta a pena privativa de liberdade.
Vale ressaltar as informações
que estão corretas na referida alternativa:
1) A jurisprudência tem
admitido, como regra, a utilização do habeas
corpus como substitutivo de recurso próprio.
É o que se chama de habeas corpus substitutivo, consistente na possibilidade de o impetrante, sendo-lhe
negado o habeas corpus anterior,
optar por impetrar novo habeas corpus,
dirigido à instância superior, ao invés de interpor o recurso. Com um exemplo
fica mais fácil de entender: Fulano impetra HC no TJ contra decisão do juiz. O
TJ, por meio de uma Câmara criminal, denega a ordem (julga improcedente o
HC). Fulano poderia, neste caso, interpor um recurso ordinário constitucional
para o STJ (art. 105, II, a, da CF/88). No entanto, pode optar por impetrar
novo HC, desta vez, no STJ contra a decisão da Câmara criminal do TJ que
denegou o primeiro HC. Este novo HC é chamado de habeas corpus substitutivo. Se o STJ também negar o HC, Fulano terá
novamente duas opções: interpor recurso ordinário constitucional ao STF (art.
102, II, a, da CF/88) ou impetrar logo um HC no STF.
Na prática, os advogados
preferem valer-se do HC substitutivo, sendo este mais simples e rápido que o
recurso.
2) A jurisprudência admite,
como regra, a utilização do habeas
corpus mesmo após o trânsito em julgado da condenação, se o impetrante
alegar vícios insanáveis, que podem ser constatados sem necessidade de outras
provas que não as documentais e desde que a pena ainda não tenha sido
integralmente cumprida. O HC funciona, neste caso, como uma forma de
substituição da revisão criminal.
Para finalizar, queremos
demonstrar a importância de se conhecer a jurisprudência nos concursos
públicos. Este enunciado da questão foi quase que integralmente retirado do
seguinte julgado:
(...) 5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem
reiteradamente aceitando a utilização do habeas corpus, inclusive como
substitutivo de recurso próprio e em respeito ao princípio constitucional da
celeridade processual, para o reconhecimento de nulidades (error in
procedendo), inclusive após o trânsito em julgado da ação penal, desde que
ainda não-cumprida a condenação e a prova se mostre de plano. (...)
(HC 132.189/RJ, Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em
15/10/2009)
Pedimos, por gentileza, que volte
novamente à questão e compare com a ementa do julgado acima.
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QUESTÃO 3 – Discursiva
É possível a impetração de habeas corpus em favor de pessoa
jurídica que pratique crime ambiental?
Segundo a CF/88, é possível a
responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais (art. 225, §
3º). Este é o entendimento majoritário na doutrina e a posição solidificada na
jurisprudência do STJ e STF.
Quanto à possibilidade de impetração
de HC em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental, existem duas posições
na jurisprudência:
1ª corrente: Não é possível que a pessoa jurídica seja paciente
de habeas corpus em nenhuma hipótese,
considerando que se trata de instrumento que tutela a liberdade de locomoção,
característica incompatível com as pessoas jurídicas. É a posição do STF.
Com efeito, o STF entende que,
mesmo quando a pessoa jurídica for acusada de crime ambiental não pode ser
paciente (beneficiária) de habeas corpus
considerando que, ainda que condenada, a pessoa jurídica, por razões de ordem lógica,
não receberá uma pena privativa de liberdade (não será presa), sendo reprimida
com outras espécies de sanção penal. Como o habeas
corpus tutela a liberdade de ir e vir, não haveria qualquer sentido em
admitir o pedido. Nesse sentido, confira-se trechos do seguinte julgado:
(...) 1. O habeas corpus é via de verdadeiro atalho que só pode ter por alvo
-- lógico -- a "liberdade de locomoção" do indivíduo, pessoa física.
E o fato é que esse tipo de liberdade espacial ou geográfica é o bem jurídico
mais fortemente protegido por uma ação constitucional. Não podia ser diferente,
no corpo de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o
mais depurado humanismo. Afinal, habeas
corpus é, literalmente, ter a posse desse bem personalíssimo que é o
próprio corpo. Significa requerer ao Poder Judiciário um salvo-conduto que
outra coisa não é senão uma expressa ordem para que o requerente preserve, ou,
então, recupere a sua autonomia de vontade para fazer do seu corpo um
instrumento de geográficas idas e vindas. Ou de espontânea imobilidade, que já
corresponde ao direito de nem ir nem vir, mas simplesmente ficar. (...) Pessoa
Jurídica que somente poderá ser punida com multa e pena restritiva de direitos.
Noutro falar: a liberdade de locomoção do agravante não está, nem mesmo
indiretamente, ameaçada ou restringida.
(HC 88747 AgR, Relator: Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado
em 15/09/2009)
2ª corrente: Sim, é possível que a pessoa jurídica seja
paciente de habeas corpus no caso de
estar sendo acusada de crime ambiental e se o writ tiver sido proposto em favor da pessoa jurídica e também das
pessoas físicas que forem corrés na ação penal. É o que entende o STJ.
Antes de detalharmos melhor esta
corrente, convém fazer uma explicação prévia:
O STJ, no caso de ações penais
propostas contra pessoas jurídicas por crimes ambientais, adota a chamada teoria ou sistema da dupla imputação (ou de
imputações paralelas).
De acordo com esta teoria, admite-se
a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja
a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou
em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização da pessoa
jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento
subjetivo próprio (Resp nº 564960/SC). Trata-se, portanto, de crime em que o
concurso de pessoas (jurídica e física) é necessário.
Entendido isso, deve-se explicar
que, para o STJ, a pessoa jurídica pode ser admitida como paciente de habeas corpus nos casos de crimes
ambientais, desde que as pessoas físicas que também foram acusadas figurem
conjuntamente como pacientes do habeas
corpus.
Nas palavras da própria Corte: tem-se admitido a pessoa jurídica como
paciente, apenas nos casos de crimes ambientais, quando as pessoas físicas
também se apresentam nesta qualidade, no mesmo pedido, por estarem a sofrer
coação ilegal à sua liberdade de ir e vir (RHC 24933/RJ).
De acordo com o STJ, se o HC é
impetrado em favor dos réus pessoas física e jurídica, não haveria sentido não
conhecer da impetração apenas quanto à pessoa jurídica uma vez que, se a pessoa
física for excluída, não subsistirá também o processo para a pessoa jurídica (HC
147541 / RS).
Exemplo prático:
A sociedade limitada “X” foi
denunciada, juntamente com seus dirigentes Michel e Luan, pela prática de crime
ambiental. Reparem que existem três réus nesta ação penal: a pessoa jurídica
“X”, “Michel” e “Luan”.
Os advogados da pessoa jurídica
“X” impetram habeas corpus no
Tribunal pedindo o “trancamento” da ação penal e apontando como paciente apenas
a pessoa jurídica. Pelo entendimento do STJ, o habeas corpus não seria conhecido. Confira-se:
(...) II. A jurisprudência deste
Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que o habeas corpus não se presta para amparar
reclamos de pessoa jurídica, na qualidade de paciente, eis que restrito à
liberdade ambulatorial, o que não pode ser atribuído à empresa.
III. Admite-se a empresa como
paciente tão somente nos casos de crimes ambientais, desde que pessoas físicas
também figurem conjuntamente no pólo passivo da impetração, o que não se infere
na presente hipótese (Precedentes).
IV. Recurso ordinário desprovido,
nos termos do voto do Relator.
(RHC 28.811/SP, Rel. Min. Gilson
Dipp, quinta turma, julgado em 02/12/2010, DJe 13/12/2010)
Sintetizando:
É possível a impetração de HC em favor de pessoa jurídica que
pratique crime ambiental?
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STF: NÃO. Pessoa jurídica pode
cometer crime ambiental, mas não pode ser paciente de HC porque nunca poderá
ser presa.
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STJ: Depende:
· Se o HC é impetrado em favor apenas da pessoa
jurídica, não será conhecido.
· Se o HC é impetrado em favor da pessoa jurídica
e dos corréus pessoas físicas, poderá ser conhecido e ter seu mérito julgado.
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Trata-se de uma sutil distinção
que não é abordada por muitos livros de Processo Penal, razão pela qual deverão
ter redobrada atenção.
Ressalte-se, por fim, que não há
qualquer restrição para que a pessoa jurídica seja impetrante de habeas corpus em favor de pacientes
pessoas físicas. Ex: pessoa jurídica impetra um habeas corpus para obter a liberdade de um dirigente ou
funcionário.
Esperamos que tenham gostado e
aprendido coisas novas sobre o tema.
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Bons estudos e fiquem com Deus.