Dizer o Direito

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Teste seus conhecimentos sobre HABEAS CORPUS



O Dizer o Direito lança hoje mais uma série de publicações destinada à sua adequada preparação para concursos públicos. Trata-se da série “Teste seus conhecimentos”.

Toda semana serão publicadas questões objetivas e/ou discursivas sobre temas atuais e polêmicos relacionados aos principais ramos do direito e tendo como perspectiva de análise o entendimento do STJ e do STF acerca do assunto.

Serão escolhidos, primordialmente, temas não tratados pela maioria dos livros ou cuja abordagem doutrinária destoa da jurisprudência.

O objetivo é deixar o leitor preparado para as mais difíceis questões de concurso.

Começamos hoje com três questões interessantes sobre o habeas corpus. Confiram.

QUESTÃO 1
Assinale certo ou errado para a afirmação abaixo segundo o entendimento do STF e do STJ:
O habeas corpus pode ser preventivo ou repressivo. Se o HC for impetrado de forma preventiva e a coação se verificar antes de seu julgamento, o writ poderá ser convertido em liberatório (     )

QUESTÃO 2
(Juiz Federal – TRF 5 – 2011 – adaptada) No que se refere ao habeas corpus, julgue a afirmação abaixo:
Tem sido reiteradamente aceita, conforme a jurisprudência do STJ, a utilização do habeas corpus, inclusive como substitutivo de recurso próprio e, em respeito ao princípio constitucional da celeridade processual, para o reconhecimento de nulidades (error in procedendo), mesmo após o trânsito em julgado da ação penal e ainda que já cumprida a condenação, desde que a prova se mostre de plano. (     )

QUESTÃO 3 – DISCURSIVA
É possível a impetração de habeas corpus em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental?


GABARITO

Resposta
Comentários
1) CERTA
Em regra, o HC preventivo pode ser julgado como repressivo se, após a impetração e antes do pedido ser apreciado, a ameaça à liberdade de locomoção concretizar-se.
Ex: Mário tem receio justo e concreto de que o juiz de seu processo decrete sua prisão. Impetra então HC preventivo no TJ no dia 10/02/2012. No dia 15/02/2012, antes que o TJ tenha examinado o mérito do HC, o juiz efetivamente decreta a prisão de Mário. O TJ poderá aproveitar o HC impetrado e julgá-lo como se fosse um HC liberatório (repressivo), concedendo a liberdade ao acusado.

Esse é o entendimento do STF:
O habeas corpus preventivo diz com o futuro. Respeita ao temor de futura violação do direito de ir e vir. Temor que, no caso, decorrendo do conhecimento de notícia veiculada em jornal de grande circulação, veio a ser concretizado. Justifica-se a conversão do habeas corpus preventivo em liberatório em razão da amplitude do pedido inicial e porque abrange a proteção mediata e imediata do direito de ir e vir. (HC 95009/SP, rel. Min. Eros Grau, 6.11.2008)

Este é o entendimento também do STJ:
Aperfeiçoada a coação ilegal suportada pelo paciente com a prolação da decisão pelo Tribunal a quo, o habeas corpus impetrado preventivamente deve ser conhecido como repressivo. (HC 89.640/SP, julgado em 25/02/2008)


Resposta
Comentários
2) ERRADA
Tratava-se de questão difícil considerando que a afirmação estava quase toda correta. O que está errado na alternativa? Apenas o seguinte trecho: “ainda que já cumprida a condenação”.

Segundo a jurisprudência do STJ e do STF, se a pena já foi cumprida, não cabe o habeas corpus porque não existe mais qualquer risco à liberdade de locomoção:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 304 C.C.  ART. 297, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA. AUSÊNCIA DE AMEAÇA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N.º 695 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO DESPROVIDO.
Tendo sido declarada extinta a pena imposta ao ora Agravante, não é o habeas corpus o instrumento processual adequado para se buscar o reconhecimento da pretendida absolvição. Inteligência da Súmula n.º 695 da Suprema Corte. Precedentes. (AgRg no HC 144.028/SP, Min. Laurita Vaz, julgado em 13/12/2011)

A súmula 695 do STF enuncia:
Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade.

Vale ressaltar as informações que estão corretas na referida alternativa:
1) A jurisprudência tem admitido, como regra, a utilização do habeas corpus como substitutivo de recurso próprio.
É o que se chama de habeas corpus substitutivo, consistente na possibilidade de o impetrante, sendo-lhe negado o habeas corpus anterior, optar por impetrar novo habeas corpus, dirigido à instância superior, ao invés de interpor o recurso. Com um exemplo fica mais fácil de entender: Fulano impetra HC no TJ contra decisão do juiz. O TJ, por meio de uma Câmara criminal, denega a ordem (julga improcedente o HC). Fulano poderia, neste caso, interpor um recurso ordinário constitucional para o STJ (art. 105, II, a, da CF/88). No entanto, pode optar por impetrar novo HC, desta vez, no STJ contra a decisão da Câmara criminal do TJ que denegou o primeiro HC. Este novo HC é chamado de habeas corpus substitutivo. Se o STJ também negar o HC, Fulano terá novamente duas opções: interpor recurso ordinário constitucional ao STF (art. 102, II, a, da CF/88) ou impetrar logo um HC no STF.
Na prática, os advogados preferem valer-se do HC substitutivo, sendo este mais simples e rápido que o recurso.

2) A jurisprudência admite, como regra, a utilização do habeas corpus mesmo após o trânsito em julgado da condenação, se o impetrante alegar vícios insanáveis, que podem ser constatados sem necessidade de outras provas que não as documentais e desde que a pena ainda não tenha sido integralmente cumprida. O HC funciona, neste caso, como uma forma de substituição da revisão criminal.

Para finalizar, queremos demonstrar a importância de se conhecer a jurisprudência nos concursos públicos. Este enunciado da questão foi quase que integralmente retirado do seguinte julgado:

(...) 5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem reiteradamente aceitando a utilização do habeas corpus, inclusive como substitutivo de recurso próprio e em respeito ao princípio constitucional da celeridade processual, para o reconhecimento de nulidades (error in procedendo), inclusive após o trânsito em julgado da ação penal, desde que ainda não-cumprida a condenação e a prova se mostre de plano. (...)
(HC 132.189/RJ, Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em 15/10/2009)

Pedimos, por gentileza, que volte novamente à questão e compare com a ementa do julgado acima.


QUESTÃO 3 – Discursiva
É possível a impetração de habeas corpus em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental?

Segundo a CF/88, é possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais (art. 225, § 3º). Este é o entendimento majoritário na doutrina e a posição solidificada na jurisprudência do STJ e STF.

Quanto à possibilidade de impetração de HC em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental, existem duas posições na jurisprudência:

1ª corrente: Não é possível que a pessoa jurídica seja paciente de habeas corpus em nenhuma hipótese, considerando que se trata de instrumento que tutela a liberdade de locomoção, característica incompatível com as pessoas jurídicas. É a posição do STF.

Com efeito, o STF entende que, mesmo quando a pessoa jurídica for acusada de crime ambiental não pode ser paciente (beneficiária) de habeas corpus considerando que, ainda que condenada, a pessoa jurídica, por razões de ordem lógica, não receberá uma pena privativa de liberdade (não será presa), sendo reprimida com outras espécies de sanção penal. Como o habeas corpus tutela a liberdade de ir e vir, não haveria qualquer sentido em admitir o pedido. Nesse sentido, confira-se trechos do seguinte julgado:
(...) 1. O habeas corpus é via de verdadeiro atalho que só pode ter por alvo -- lógico -- a "liberdade de locomoção" do indivíduo, pessoa física. E o fato é que esse tipo de liberdade espacial ou geográfica é o bem jurídico mais fortemente protegido por uma ação constitucional. Não podia ser diferente, no corpo de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo. Afinal, habeas corpus é, literalmente, ter a posse desse bem personalíssimo que é o próprio corpo. Significa requerer ao Poder Judiciário um salvo-conduto que outra coisa não é senão uma expressa ordem para que o requerente preserve, ou, então, recupere a sua autonomia de vontade para fazer do seu corpo um instrumento de geográficas idas e vindas. Ou de espontânea imobilidade, que já corresponde ao direito de nem ir nem vir, mas simplesmente ficar. (...) Pessoa Jurídica que somente poderá ser punida com multa e pena restritiva de direitos. Noutro falar: a liberdade de locomoção do agravante não está, nem mesmo indiretamente, ameaçada ou restringida.
(HC 88747 AgR, Relator:  Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 15/09/2009)

2ª corrente: Sim, é possível que a pessoa jurídica seja paciente de habeas corpus no caso de estar sendo acusada de crime ambiental e se o writ tiver sido proposto em favor da pessoa jurídica e também das pessoas físicas que forem corrés na ação penal. É o que entende o STJ.

Antes de detalharmos melhor esta corrente, convém fazer uma explicação prévia:
O STJ, no caso de ações penais propostas contra pessoas jurídicas por crimes ambientais, adota a chamada teoria ou sistema da dupla imputação (ou de imputações paralelas).
De acordo com esta teoria, admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização da pessoa jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (Resp nº 564960/SC). Trata-se, portanto, de crime em que o concurso de pessoas (jurídica e física) é necessário.

Entendido isso, deve-se explicar que, para o STJ, a pessoa jurídica pode ser admitida como paciente de habeas corpus nos casos de crimes ambientais, desde que as pessoas físicas que também foram acusadas figurem conjuntamente como pacientes do habeas corpus.
Nas palavras da própria Corte: tem-se admitido a pessoa jurídica como paciente, apenas nos casos de crimes ambientais, quando as pessoas físicas também se apresentam nesta qualidade, no mesmo pedido, por estarem a sofrer coação ilegal à sua liberdade de ir e vir (RHC 24933/RJ).
De acordo com o STJ, se o HC é impetrado em favor dos réus pessoas física e jurídica, não haveria sentido não conhecer da impetração apenas quanto à pessoa jurídica uma vez que, se a pessoa física for excluída, não subsistirá também o processo para a pessoa jurídica (HC 147541 / RS).

Exemplo prático:
A sociedade limitada “X” foi denunciada, juntamente com seus dirigentes Michel e Luan, pela prática de crime ambiental. Reparem que existem três réus nesta ação penal: a pessoa jurídica “X”, “Michel” e “Luan”.

Os advogados da pessoa jurídica “X” impetram habeas corpus no Tribunal pedindo o “trancamento” da ação penal e apontando como paciente apenas a pessoa jurídica. Pelo entendimento do STJ, o habeas corpus não seria conhecido. Confira-se:

(...) II. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que o habeas corpus não se presta para amparar reclamos de pessoa jurídica, na qualidade de paciente, eis que restrito à liberdade ambulatorial, o que não pode ser atribuído à empresa.
III. Admite-se a empresa como paciente tão somente nos casos de crimes ambientais, desde que pessoas físicas também figurem conjuntamente no pólo passivo da impetração, o que não se infere na presente hipótese (Precedentes).
IV. Recurso ordinário desprovido, nos termos do voto do Relator.
(RHC 28.811/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, quinta turma, julgado em 02/12/2010, DJe 13/12/2010)

Sintetizando:
É possível a impetração de HC em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental?
STF: NÃO. Pessoa jurídica pode cometer crime ambiental, mas não pode ser paciente de HC porque nunca poderá ser presa.
STJ: Depende:
· Se o HC é impetrado em favor apenas da pessoa jurídica, não será conhecido.
· Se o HC é impetrado em favor da pessoa jurídica e dos corréus pessoas físicas, poderá ser conhecido e ter seu mérito julgado.

Trata-se de uma sutil distinção que não é abordada por muitos livros de Processo Penal, razão pela qual deverão ter redobrada atenção.

Ressalte-se, por fim, que não há qualquer restrição para que a pessoa jurídica seja impetrante de habeas corpus em favor de pacientes pessoas físicas. Ex: pessoa jurídica impetra um habeas corpus para obter a liberdade de um dirigente ou funcionário.

Esperamos que tenham gostado e aprendido coisas novas sobre o tema.

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Bons estudos e fiquem com Deus.


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