Dizer o Direito

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

STF não admite a “poupança” dos dias em que o réu ficou preso indevidamente como crédito para descontar de condenação futura por outro crime



Vamos comentar hoje interessante julgado da 1ª Turma do STF a respeito da detração.

O julgamento foi provocado por conta de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União que tem realizado um trabalho fantástico ao levar ao Supremo Tribunal Federal interessantes questões sobre direito penal e processual penal.
Trata-se de tema muito relevante que será certamente cobrado nos concursos, além de ser importante para a prática dos operadores do direito. Confira:

Inicialmente, você lembra o que é detração penal?
A detração penal ocorre quando:
- o juiz das execuções penais
- desconta
- da pena ou da medida de segurança aplicada ao réu
- o tempo que ele ficou preso provisoriamente (isto é, antes do trânsito em julgado)
- ou o tempo em que ficou internado (em hospital de custódia).

Exemplo:
Eduardo foi preso em flagrante por roubo com emprego de arma em 02/01/2011.
Foi, então, denunciado pelo art. 157, § 2º, I, do CP, tendo respondido o processo preso cautelarmente.
Em 01/08/2011 foi sentenciado a 5 anos de reclusão, tendo ocorrido o trânsito em julgado.
Percebe-se, portanto, que Eduardo ficou preso provisoriamente (antes do trânsito em julgado) durante 7 meses.
Este período de prisão provisória (7 meses) deverá ser descontado, pelo juízo da execução penal, da pena imposta a Eduardo (5 anos).
Assim, restará a Eduardo cumprir ainda 4 anos e 5 meses de reclusão.
O ato do juiz de descontar este período é chamado, pela lei, de detração.

A detração está prevista no art. 42 do Código Penal:
Detração
Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
Qual foi a tese sobre detração sustentada pela DPU no STF (HC 111081)?
O assistido da DPU, Marcelo, foi condenado por tráfico de drogas a uma pena de 6 anos e 4 meses de reclusão, fato ocorrido em 30/09/2009.
Antes desse processo por tráfico de drogas, Marcelo respondeu a outra ação penal acusado de ter cometido outro crime (que vamos chamar aqui de crime “X”).
Durante o processo que respondeu pelo crime “X”, Marcelo ficou preso provisoriamente (cautelarmente) durante quase 2 meses.
Ao final do processo pelo crime “X”, Marcelo foi absolvido.
Já que Marcelo foi absolvido do crime “X”, esses 2 meses que ficou preso provisoriamente (por conta do crime “X”) poderão ser descontados da condenação imposta pelo crime de tráfico de drogas?

A DPU, defendendo os interesses de Marcelo, impetrou habeas corpus no STF com o objetivo de que fosse reconhecido este direito ao seu assistido.

Em outras palavras, a DPU requereu ao STF que fosse descontada, na pena atual, o tempo de prisão cautelar por crime anterior em relação ao qual o réu foi absolvido.

A tese da DPU era a de que a detração poderia ser reconhecida com relação ao tempo de prisão provisória relativa a outro delito pelo qual o réu foi absolvido.


O que a 1ª Turma do STF decidiu?
A 1ª Turma do STF, na data de ontem (28/02/2012), por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, ou seja, não reconheceu a tese da DPU.

O relator do HC foi o Min. Luiz Fux. De acordo com ele, a detração pressupõe a custódia penal pelo mesmo crime ou por delito posterior, sendo 
inadmissível empreender a operação do desconto em relação a delitos anteriores, como se lícito fosse instalar uma conta corrente delinquencial, viabilizando ao imputado a prática de ilícitos impuníveis amparáveis por créditos de não persecução”.
A Min. Cármen Lúcia questionou: 
Estão querendo criar o 'cartão fidelidade prisão'? Soma de pontos para usar lá na frente?”.
Segundo o Min. Dias Toffoli, o deferimento do habeas corpus seria a concessão, pelo Estado, de um crédito para praticar um ilícito.

O Min. Marco Aurélio afirmou que o erro do Estado ao ter permitido a prisão provisória do réu pelo outro delito, do qual ele foi absolvido, poderia ser resolvido em outro campo do direito.

Trata-se de tema inédito no STF?
Não. O Supremo já havia rejeitado tese semelhante. Vejamos:
HABEAS CORPUS. DETRAÇÃO PENAL. CÔMPUTO DO PERÍODO DE PRISÃO ANTERIOR À PRÁTICA DE NOVO CRIME: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO.
1. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que "não é possível creditar-se ao réu qualquer tempo de encarceramento anterior à prática do crime que deu origem a condenação atual" (RHC 61.195, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ 23.9.1983).
2. Não pode o Paciente valer-se do período em que esteve custodiado - e posteriormente absolvido - para fins de detração da pena de crime cometido em período posterior.
3. Habeas Corpus indeferido.
(HC 93979, Relator(a):  Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 22/04/2008)
Este mesmo entendimento é seguido pelo STJ: REsp 848.531/RS

Desse modo, se a pessoa, por exemplo, ficou presa cautelarmente durante 1 ano e depois foi absolvida, não terá crédito de 1 ano em eventual crime que venha a cometer no futuro. Não existe, portanto, uma “conta poupança penal” onde se guarda o tempo indevidamente preso para se poder utilizar no futuro cometendo um delito.
Este tempo em que a pessoa ficou indevidamente presa poderá, em tese, ser objeto de ação de indenização contra o Estado, nos termos do art. 5º, LXXV, da CF/88, aplicável analogicamente: o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

Como pode ser cobrado no seu concurso:
Não é possível creditar-se ao réu qualquer tempo de encarceramento anterior à prática do crime que deu origem à condenação atual (afirmativa correta).


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