Dizer o Direito

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A decisão do Min. Marco Aurélio sobre os poderes correicionais do CNJ



Atualizado em 25/12/2011

A imprensa tem noticiado, com bastante destaque, a decisão do Min. Marco Aurélio, proferida no dia de ontem (19/12/2011) e que teria limitado os poderes do CNJ.

O Portal DIZER O DIREITO explica essa decisão para você.

A Associação Nacional dos Magistrados Brasileiros – AMB ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.638) contra a Resolução 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre o procedimento administrativo disciplinar aplicável às infrações praticadas por magistrados.

Em síntese, os argumentos expostos pela AMB foram os seguintes:
a) inconstitucionalidade formal da Resolução, porque versaria ora sobre matéria cuja competência é privativa dos tribunais (art. 96, incisos I e III, da CF), ora sobre tema reservado à lei complementar (art. 93, caput, incisos VIII e X, da CF);
b) inconstitucionalidade material de inúmeros dispositivos da Resolução.

O Min. Marco Aurélio, relator da ação, concedeu, em parte, a medida cautelar. Em sua decisão, podemos destacar alguns pontos mais relevantes:
a) As competências atribuídas ao CNJ pela EC 45/2004 produzem, em tese, uma tensão entre a autonomia dos tribunais e a atuação do Conselho;
b) Os poderes conferidos ao CNJ não autorizam a suprimir a independência dos tribunais, transformando-os em meros órgãos autômatos, desprovidos de autocontrole. A solução de eventual controvérsia entre as atribuições do Conselho e as dos tribunais não ocorre com a simples prevalência do primeiro, na medida em que a competência do segundo também é prevista na Constituição.
c) A competência normativa do CNJ não pode atropelar o autogoverno dos tribunais, tampouco pode invadir a esfera de competência reservada ao legislador.
d) Por força do princípio federativo (art. 60, § 4o, da CF) é inafastável, ainda que por emenda constitucional, a autonomia dos Tribunais de Justiça, que são órgãos de cúpula do Poder Judiciário local.
e) Não incumbe ao CNJ criar deveres, direitos e sanções administrativas, mediante resolução, ou substituir-se ao Congresso e alterar as regras previstas na Lei Orgânica da Magistratura referentes ao processo disciplinar. O art. 5º, § 2º, da EC 45/2004, de caráter transitório, não lhe autoriza chegar a tanto (§ 2º Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro-Corregedor).
f) O conteúdo da Resolução de que trata o art. 5º, § 2º, da EC 45/2004 restringe-se à regulação concernente ao funcionamento do próprio Conselho e às atribuições do Ministro-Corregedor.
g) Em casos de omissão da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), deve-se aplicar subsidiariamente o Estatuto dos Servidores Públicos.
h) Ao CNJ não cabe, mediante resolução, estabelecer normas cogentes sobre processo disciplinar de modo a vincular os tribunais.
i) Aos magistrados não se aplicam as sanções administrativas da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65) uma vez que as penalidades disciplinares são aquelas previstas na Loman.
j) A Resolução do CNJ, ao prever que o julgamento dos magistrados, em processo administrativo disciplinar, será realizado em sessão pública não ofende nenhuma garantia da magistratura considerando que a CF/88 estabelece que os julgamentos do Poder Judiciário e as decisões administrativas dos tribunais serão públicos (art. 93, IX e X).
k) É constitucional o art. 9º da Resolução do CNJ prevendo que a notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita por qualquer pessoa, exigindo-se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante.

Contudo, a questão mais aguardada e polêmica envolvendo esse julgamento era a seguinte: a competência para instaurar processos administrativos disciplinares contra magistrados é concorrente entre as Corregedorias dos Tribunais e o CNJ ou o Conselho somente pode atuar de forma subsidiária?A discussão se assenta na correta interpretação do art. 103-B, § 4º, III, da CF/88, em especial da expressão “sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais”:
Art. 103-B (...)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
(...)
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (grifou-se)

Na decisão monocrática em comento o Relator é textual ao afirmar que, em âmbito disciplinar, a competência do CNJ é subsidiária, e não concorrente.

O Min. Marco Aurélio, citando voto do Min. Celso de Mello (MS 28.799/DF), estabelece as hipóteses em que o CNJ poderia atuar nos processos disciplinares envolvendo magistrados, afastando a atuação das Corregedorias locais:
a) quando houvesse inércia das Corregedorias dos Tribunais na adoção de medidas de índole administrativo-disciplinar;
b) em caso de simulação investigatória;
c) comprovada indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle;
d) evidenciada a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados.

Vale ressaltar, mais uma vez, que se trata de decisão monocrática do Min. Marco Aurélio e que ainda será submetida ao Plenário do STF para referendo.

Leia a íntegra da decisão

Atualização em 22/12/2011:
A Advocacia-Geral da União protocolou no dia 21/12, no Supremo Tribunal Federal, um Mandado de Segurança, com pedido de liminar, para suspender os efeitos da decisão proferida pelo Min. Marco Aurélio.
Na ação, a AGU afirmou que a decisão atacada viola a Lei 9.868/1999 e o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, bem como os princípios do colegiado e do devido processo legal. A norma prevê que a concessão de medidas cautelares em ADI deve ser decretada por maioria absoluta do Plenário do STF. A exceção fica para o período de recesso, quando o presidente deve analisar o caso, ou designar a decisão para outro ministro.
Um dos pontos destacados foi o fato da decisão ter sido tomada quando já estava em vigor o recesso do Poder Judiciário. Para a AGU, diante disso, a competência seria do Presidente da Corte, conforme artigo 13, inciso VIII, do Regimento Interno do Supremo. O dispositivo destaca que é atribuição do Presidente do STF decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias.
A AGU ressaltou ainda que a decisão não aponta em nenhum momento, em relação aos dispositivos impugnados, qual seria a extrema urgência que demandaria providência imediata do Supremo.
O Mandado de Segurança defende que, em relação à discussão sobre a competência concorrente ou subsidiária do Conselho, não há perigo na demora de julgamento, razão pela qual a liminar não deveria ter sido concedida.

Atualização em 25/12/2011:
O presidente do presidente do STF, Min. Cezar Peluso, na manhã de 24/12/2011, negou a liminar do mandado de segurança proposto contra a decisão do Min. Marco Aurélio, que proíbe o CNJ de iniciar processos disciplinares contra magistrados, antes de o caso ser investigado pelas corregedorias estaduais. Com isso, na prática, o Min. Cezar Peluso manteve a decisão do Min. Marco Aurélio aqui examinada.
A decisão definitiva sobre o tema será ainda tomada pelo Plenário da Corte, mas agora somente na volta do recesso.
Dizer o Direito!