Dizer o Direito

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Competência no caso de crimes cometidos a bordo de navio atracado ou aeronave pousada







O art. 109, IX, da CF/88 estabelece:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
Para que sejam crimes de competência da Justiça Federal exige-se que o navio ou a aeronave esteja navegando ou voando, respectivamente?

O crime cometido a bordo de navio ancorado no porto ou de avião pousado continua sendo de competência da Justiça Federal?

Por mais incrível que pareça, a jurisprudência confere tratamento diferenciado se a hipótese for de navio ou de avião. Vejamos:

Vale ressaltar que, segundo o STJ, quando o art. 109, IX, da CF/88 fala em “navio” quer se referir a “embarcações de grande porte”. Assim, se o crime for cometido a bordo de um pequeno barco, lancha, veleiro etc., ainda que em navegação, a competência não será da Justiça Federal:
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO. ART.
109, INCISO IX, DA CF/88. CRIME COMETIDO A BORDO DE NAVIO.
CIRCUNSTÂNCIA NÃO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A expressão "a bordo de navio", constante do art. 109, inciso IX, da CF/88, significa interior de embarcação de grande porte.
2. Realizando-se uma interpretação teleológica da locução, tem-se que a norma visa abranger as hipóteses em que tripulantes e passageiros, pelo potencial marítimo do navio, possam ser deslocados para águas territoriais internacionais.
3. Se à vitima não é implementado este potencial de deslocamento internacional, inexistindo o efetivo ingresso no navio, resta afastada a competência da Justiça Federal.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 6ª Vara Criminal da Comarca de Santos/SP, suscitante.
(CC 43.404/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/02/2005, DJ 02/03/2005, p. 184)
Por fim, uma última observação: a Justiça Federal não julga contravenções penais uma vez que o art. 109, da CF fala apenas em crimes. Nesse sentido, é a súmula 38 do STJ:
Súmula 38-STJ: Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.
A doutrina afirma que existe uma única exceção no qual a Justiça Federal julgaria contravenção penal: contravenção penal praticada, por exemplo, por juiz federal.

E se a contravenção penal for conexa com crime federal?
R: Haverá a cisão dos processos:
PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME E CONTRAVENÇÃO. DESMEMBRAMENTO. CONEXÃO.
I - As contravenções, mesmo que praticadas em detrimento de interesse da União, são apreciadas na Justiça Estadual (Súmula nº 38-STJ).
II - Na hipótese de conexão ou continência, prevalece a regra constitucional (art. 109, inciso IV), indicando a necessidade do desmembramento.
Conflito julgado procedente.
STJ, CC 20454/RO, 3ª Seção, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 13.12.1999, DJ 14.02.2000.
Desse modo, se for praticada uma contravenção penal a bordo de navio ou aeronave, mesmo que esteja navegando ou em voo, a competência será da Justiça Estadual:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÃO PENAL PRATICADA A BORDO DE AERONAVE. ARTIGO 109, INCISOS IV E IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. SÚMULA Nº 38/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A Justiça Federal não tem competência para julgar contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, nos termos da Súmula nº 38 desta Corte.
2. O artigo 109, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, utilizado pelo Juízo suscitado para embasar o declínio da competência para o Juízo Federal, refere-se tão somente aos crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves, excluídas, portanto, as contravenções penais.
3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Segundo Juizado Especial Criminal de Itapuã/BA, o suscitado.
(CC 117.220/BA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 07/12/2011)



quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O mesmo julgador do processo administrativo pode julgar o feito criminal relativo ao mesmo fato (Info 488 – STJ)?



Determinado juiz praticou um fato que é previsto como infração administrativa e crime.

Foi processado administrativamente e recebeu sanção, aplicada pelo Colegiado de Desembargadores.

Encontra-se também respondendo processo criminal que, por conta de seu cargo, será julgado pelo Tribunal de Justiça.

Os Desembargadores que votaram pela sua condenação no processo administrativo poderão participar de seu julgamento no processo criminal ou haverá algum impedimento?

A 5ª Turma do STJ entendeu que não há qualquer impedimento para que os Desembargadores que atuaram no processo administrativo julguem também o feito criminal (HC 131.792-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 22/11/2011).

O rol dos impedimentos dos magistrados criminais encontra-se no art. 252 do CPP:
Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;
III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.

Segundo o STJ, a situação narrada não poderia ser enquadrada em nenhuma das hipóteses de impedimento nem mesmo naquela prevista no inciso III do art. 252.

O que esse inciso III veda é que o magistrado tivesse atuado sobre os mesmos fatos, em diferentes graus de jurisdição.

Assim, o que não pode é o julgador ter atuado no mesmo processo como juiz e, depois, como Desembargador, por exemplo.

No caso relatado, os Desembargadores atuaram não em diferentes graus de jurisdição, mas sim em esferas de natureza distintas, isto é, administrativa e penal.

Vale ressaltar, por fim, que o rol do art. 252 do CPP é taxativo e não admite interpretação ampliativa.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Lei 12.562/2011: regula a representação interventiva - esquema de aula



Aos leitores do Portal Dizer o Direito, informamos mais uma inovação legislativa neste agitado final de ano: trata-se da Lei 12.562, de 23 de dezembro de 2011, que regulamenta o inciso III do art. 36 da Constituição Federal, para dispor sobre o processo e julgamento da representação interventiva perante o Supremo Tribunal Federal.

Apresentamos abaixo a nova Lei, em forma de esquema de aula, para que você possa continuar os estudos rumo ao concurso de seus sonhos ou simplesmente se manter atualizado:


Baixar pelo Google docs:
Adi interventiva

Baixar pelo Slide share:
Adi interventiva
Veja este documento no Dizerodireito.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Radares de fiscalização de velocidade não precisam ser identificados por placas



Não é mais obrigatória a fixação de placas avisando a existência de radares fixos e móveis. 

Desde 2006, todo e qualquer radar deveria ser precedido de uma placa informando que havia o radar e seu limite máximo de velocidade.

Ocorre que entrou em vigor no dia 22/12/2011 uma nova resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) dispensando essa exigência. 

Apesar de não mais ser obrigatória a existência de placas informando sobre os radares, os equipamentos de fiscalização não podem ficar escondidos.

O Contran afirma que a mudança ocorreu com o objetivo de reduzir o número de acidentes considerando que muitos motoristas estariam se aproveitando do aviso dos radares para ultrapassar a velocidade máxima permitida em pontos da via onde não havia tal equipamento.

Entenda por que o salário mínimo de 2012 foi estabelecido por meio de decreto



O Governo Federal já estabeleceu o valor do novo salário mínimo válido a partir de 1º de janeiro de 2012: R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais).

Ao contrário de outros anos, a fixação do valor do salário mínimo não gerou grandes debates, discursos e polêmicas no Congresso Nacional. Por quê?

Porque o salário mínimo que vigorará no ano que vem foi estabelecido por meio de um simples decreto presidencial e não por lei em sentido formal. Desse modo, não houve votação do novo valor entre os deputados e senadores.

E o salário mínimo pode ser estabelecido por decreto?

Vejamos o que diz a Constituição Federal:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (grifou-se)

Desse modo, o art. 7º, IV, da CF/88 prevê que o salário mínimo deve ser estipulado por lei (em sentido formal, estrito).

Ocorre que, em 25 de fevereiro de 2011, foi publicada a Lei 12.382 por meio da qual foram previstos critérios para a fixação do salário mínimo nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015. Preconiza o art. 2º da mencionada Lei:
Art. 2º Ficam estabelecidas as diretrizes para a política de valorização do salário mínimo a vigorar entre 2012 e 2015, inclusive, a serem aplicadas em 1º de janeiro do respectivo ano. 

§ 1º Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do salário mínimo corresponderão à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste.

(...)

§ 4º A título de aumento real, serão aplicados os seguintes percentuais:
I - em 2012, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto - PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2010;
II - em 2013, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2011;
III - em 2014, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2012; e
IV - em 2015, será aplicado o percentual equivalente à taxa de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de 2013.
Desse modo, a fixação do salário mínimo, pelo menos até 2015, será feita mediante a aplicação da seguinte fórmula:
Salário mínimo atual + variação do INPC + taxa de crescimento real do PIB no ano anterior.

Por exemplo, no caso do salário mínimo de 2012, a aplicação da fórmula foi assim:
SM atual (R$ 545) + inflação do ano pelo INPC (6,3%) + PIB de 2010 (7,5%) = R$ 622,78512

Segundo divulgou a imprensa, a expectativa era de que a Presidente Dilma arredondasse o valor apurado do salário mínimo (R$ 622,78512) para R$ 625, no entanto ela reduziu para R$ 622,00, o que poderá gerar ainda questionamentos no Judiciário.

A Lei prevê ainda que os reajustes e aumentos fixados segundo esta fórmula serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto.

Essa forma de estipulação é constitucional ou seria uma burla ao art. 7º, IV da CF/88?

O STF decidiu que é constitucional.

Tal sistemática de instituição do salário mínimo foi questionada no Supremo por meio da ADI 4568/DF e a Corte julgou improcedente o pedido, entendendo que não há qualquer inconstitucionalidade nesta previsão.

Os argumentos mencionados no julgamento pela Min. Cármen Lúcia, Relatora, foram, em síntese, os seguintes:
a) A Lei 12.382/2011 contém a definição legal e formal do salário mínimo, a fixação do seu montante em 2011 e a forma de sua valorização, no sentido de sua quantificação para períodos subsequentes (até 2015).
b) Essa Lei adotou critérios objetivos para valer no intervalo de 2012 a 2015, segundo índices estipulados pelo Congresso Nacional (variação do INPC, calculado e divulgado pelo IBGE, acumulada nos 12 meses anteriores ao mês do reajuste).
c) O legislador determinou que, na ausência de divulgação do INPC os índices serão estimados pelo Poder Executivo com base em parâmetros definidos na lei.
d) Ao assim estatuir, o legislador retirou do Presidente da República qualquer discricionariedade relativa à fórmula para apuração do quantum a ser adotado, bem como no que concerne à possibilidade de revisão ou de compensação de supostos resíduos.
e) Salientou-se, ainda, que o legislador estatuíra que o valor a prevalecer no lapso de 2012 a 2015 seria o valor do salário mínimo válido em 2011 mais o reajustamento conforme índice do INPC, prevendo aumento real a ser conferido segundo o PIB. Diante desse contexto, rejeitou-se o argumento de que a lei conteria delegação para que o Presidente da República fixasse o valor do salário mínimo.
f) Reiterou-se que haveria mera aplicação aritmética dos índices, fórmulas e periodicidade fixados pelo Congresso Nacional, a serem expostos por decreto presidencial, que não inovaria a ordem jurídica, sob pena de abuso do poder regulamentar, passível de fiscalização e controle pela via legislativa ou judicial.
g) Dessa forma, frisou-se que a lei impusera ao Chefe do Poder Executivo apenas a divulgação do montante do salário mínimo, obtido pelo valor reajustado e aumentado consoante os índices fixados pelo Congresso Nacional na própria lei adversada.
h) Advertiu-se que, ainda que se retirasse do mundo jurídico a referência ao modo de se decretar a divulgação do quanto a vigorar como salário mínimo no interregno estipulado — mediante incidência dos índices dispostos no art. 2º da Lei 12.382/2011 —, isso não implicaria mudança na fixação de seu valor, que continuaria a ser o mesmo.
i)  Ademais, mencionou-se que o Congresso Nacional poderia revogar a lei quando entendesse conveniente e oportuno, sem interferência do Poder Executivo.
j) O Min. Luiz Fux acrescentou que a espécie caracterizaria o fenômeno da deslegalização.

Ficaram vencidos os Ministros Ayres Britto e Marco Aurélio, que julgavam o pleito procedente ao fundamento de que a fixação do salário mínimo deveria ser feita por lei em sentido formal e material.

O Min. Marco Aurélio enfatizou que os parâmetros determinados na lei e projetados no tempo ocasionariam automaticidade, engessamento incompatível com a mobilidade encerrada no art. 7º, IV, da CF, bem como transferência a outro Poder do que a Constituição outorgara ao Congresso Nacional.

O Min. Ayres Britto afirmou que, ao se agregar ao salário mínimo vigente aumento ou reajuste, estabelecer-se-ia um novo salário e o precedente morreria, de maneira que passaria a vigorar um outro salário mínimo, o qual não poderia ser estatuído pelo Presidente da República, em sub-rogação da competência exclusiva do Congresso de quantificar, de monetarizar o salário mínimo, atualizando-o anualmente.

A ação mencionada é a ADI 4568/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 3.11.2011.


sábado, 24 de dezembro de 2011

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

TRF-4 autoriza servidora a trabalhar a partir dos EUA



O Conselho de Administração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu na última sexta-feira (16/12) permitir que uma servidora da 1ª Vara Federal Tributária de Porto Alegre trabalhe a distância, a partir de Los Angeles, Estados Unidos, durante o período de um ano, enquanto estará em licença para acompanhar o marido.

A analista judiciária ingressou com o pedido de licença para acompanhamento do cônjuge, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que irá realizar pós-doutorado na Universidade da Califórnia. No entanto, a servidora explicou que gostaria de continuar trabalhando durante o período de afastamento, utilizando-se, para isso, dos sistemas eletrônicos desenvolvidos pela Justiça Federal da 4ª Região, tais como o processo eletrônico judicial, o editor de documentos judiciais Gedpro (Gestão Eletrônica de Processos) e o ponto eletrônico.

O desembargador federal Luiz Carlos de Castro Lugon, vice-presidente do TRF4 e relator do processo da analista no Conselho de Administração, entende que, considerando os avanços tecnológicos disponíveis na Justiça Federal da 4ª Região, a prestação de serviços à distância é a solução que melhor atende ao interesse público. O magistrado lembra que, caso deferida apenas a licença para acompanhamento do cônjuge, “o cargo não poderia ser preenchido por concurso enquanto perdurasse o benefício”.

Lugon ressalta em seu voto que os juízes da 1ª Vara Federal Tributária manifestaram-se favoráveis ao pedido da servidora e que suas atividades deverão ser controladas por sua chefia direta. Eventuais despesas operacionais, como o acesso à Internet, serão de responsabilidade da própria servidora.

Fonte: Site do TRF da 4a Região.


Comentário do Portal Dizer o Direito:

Em uma concepção clássica do direito administrativo e da administração pública, tal deliberação seria inimaginável.

Segundo o conceito tradicional de princípio da legalidade administrativa, a administração só poderia fazer aquilo que a lei autoriza ou determina. Como a lei dos servidores públicos não prevê a prestação de serviços à distância, o requerimento da servidora seria negado.

Ocorre que, desde a inserção formal do princípio da eficiência no texto constitucional por meio da EC 19/98, a administração pública mudou seu eixo de uma chamada "Administração Pública burocrática" para a proclamada "Administração Pública gerencial" (public management). Com isso, tem-se buscado transpor para o serviço público práticas que se mostraram eficientes na iniciativa privada, tendo, obviamente, sempre como limites os princípios da supremacia do interesse publico e da legalidade (mas não em seu sentido ultrarrestritivo).

No caso relatado, foi possível a conjugação da eficiência com o interesse público considerando que, como a servidora estava de licença, era seu direito não trabalhar durante esse período. Considerando que ela manifestou desejo de continuar prestando seus serviços, mostrava-se mais produtivo flexibilizar o regime de prestação do que não contar com sua mão-de-obra nesse tempo.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Comentários ao novo art. 311-A do CP - Fraude em certames de interesse público



Márcio André Lopes Cavalcante*

No último dia 16/12/2011 foi publicada a Lei 12.550/2011, trazendo a previsão de um novo crime no Código Penal (“fraudes em certames de interesse público”). Trago ao debate algumas impressões iniciais sobre o novo tipo penal:

CAPÍTULO V
DAS FRAUDES EM CERTAMES DE INTERESSE PÚBLICO

Fraudes em certames de interesse público
Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I - concurso público;
II - avaliação ou exame públicos;
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Bem jurídico: o novo tipo penal foi inserido no Título X, que trata dos “crimes contra a fé pública”. Desse modo, segundo a posição topográfica, o bem jurídico protegido é a fé pública. Apesar disso, quando o certame for promovido pelo Poder Público, tenho que o bem jurídico protegido será também a própria Administração Pública.

Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). O conteúdo sigiloso, a que se refere o caput do dispositivo, não precisa ter sido obtido por pessoa com características especiais.
Vale ressaltar, no entanto, que se o fato é cometido por funcionário público a pena é aumentada de 1/3 (um terço), conforme previsto no § 3º do art. 311-A do CP:
§ 3º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público.
Rememore-se que se equipara a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública (§ 1º do art. 327 do CP).

Sujeito passivo: a coletividade. Secundariamente, tem-se que também são vítimas:
a) o ente público ou privado que deflagrou o certame (exs: União, Estado, Município, a entidade privada, como o SEBRAE, SESI, a universidade privada, entre outros);
b) os demais candidatos prejudicados pela conduta do agente.

Tipo objetivo:
Utilizar: está empregado no sentido genérico de “fazer uso”.

Divulgar: significa “tornar público ou conhecido”, ainda que apenas para uma única pessoa, um conteúdo que ostenta o caráter de sigiloso.

Indevidamente: isto é, fora das hipóteses permitidas por lei, edital, contrato ou demais regras inerentes ao certame.

Com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame: trata-se de um especial fim de agir (o que a doutrina clássica denomina de dolo específico).

Conteúdo sigiloso: é aquele conhecido por poucos e que não pode ser revelado.
Não há uma lei ou outro ato normativo que defina o que seja sigiloso, não sendo o tipo em comento uma norma penal em branco.
Desse modo, “conteúdo sigiloso” é um elemento normativo do tipo, ou seja, depende de um juízo de valor a ser feito pelo magistrado, no caso concreto.
O conteúdo sigiloso de um concurso ou seleção envolve não apenas as perguntas e repostas das provas a serem aplicadas, podendo abranger toda e qualquer informação que não seja de conhecimento público e que, se divulgada, tenha potencial para beneficiar alguém ou comprometer a credibilidade do certame.
Assim, configura o crime em estudo a conduta de divulgar, antes das provas, de forma não pública, isto é, para uma ou algumas pessoas, a quantidade de questões que serão cobradas por disciplina, os nomes dos examinadores, a abordagem metodológica que prevalecerá na prova (doutrina, jurisprudência ou texto de lei), enfim, informações que beneficiem, ainda que em tese, determinados candidatos, por gerarem tratamento diferenciado.
A pedra de toque, portanto, é o resguardo ao princípio da impessoalidade, no seu sentido de igualdade, ou seja, não se permite que determinados candidatos tenham informações privilegiadas (não acessíveis a todos indistintamente).

Divulgação antecipada do resultado do concurso para poucas pessoas:
Prática não rara na seara dos concursos são as notícias de que o resultado de determinado concurso foi divulgado anteriormente a algumas poucas pessoas, em especial servidores do órgão para o qual os cargos se destinam. Normalmente isso ocorre porque a Instituição organizadora do certame remete ao órgão público contratante o resultado do concurso para que o Presidente da Comissão o assine e envie ao Diário Oficial para publicação, procedimento que pode durar alguns dias.
Se o Presidente da Comissão, antes da publicação do resultado no Diário Oficial, divulga a classificação final do certame e a relação de aprovados para outras pessoas, comete ele o crime do art. 311-A do CP?
Penso que não. Em primeiro lugar, porque com o encerramento da fase de correção das provas e a remessa do resultado, pela Instituição organizadora ao órgão contratante, não há mais sigilo dessa informação. A publicação no Diário Oficial é tão somente uma formalidade destinada a garantir a ampla publicidade, mas que não tem o condão de fazer com que, antes de sua efetivação, as informações sejam tidas como sigilosas pelo simples fato de não terem sido veiculadas na Imprensa Oficial. Ademais, como um segundo aspecto a ser considerado, deve-se mencionar que faltaria ao agente o elemento subjetivo especial considerando que ele não agiu com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame.

Não importa o meio pelo qual o agente tenha obtido a informação de conteúdo sigiloso: como dito, o crime é comum, de sorte que não se exige que o sujeito ativo seja funcionário da Instituição organizadora do concurso, da empresa promotora da seleção etc.

Espécies de certame: o tipo penal trata da fraude em quatro espécies de certame, que não se constituem em meros sinônimos, possuindo, cada um deles, sentido próprio.

a) Concurso público: consiste no procedimento administrativo utilizado pela Administração Pública para selecionar, por meio de provas ou de provas e títulos, os servidores, em sentido amplo, que irão ocupar cargos ou empregos públicos. O conceito de concurso público é restrito, portanto, à Administração Pública.

b) Avaliação ou exame públicos: trata-se de um procedimento por intermédio do qual o Poder Público, ou mesmo entidades privadas, por meio de provas, currículos ou outros instrumentos impessoais de aferição do mérito, fazem a seleção de pessoas para o desempenho de funções, para que tenham direito de acesso a cursos de vagas limitadas ou para o gozo de outros benefícios decorrentes do êxito no certame. Aqui se enquadram, por exemplo, i) os processos seletivos públicos para contratação de profissionais para o SEBRAE; ii) as seleções para ingresso nos colégios militares e nas escolas técnicas; iii) o exame público de habilitação na função de agente da propriedade industrial do INPI; iv) o exame público de qualificação de Mestrados e Doutorados; v) seleção de candidatos à residência médica ou odontológica.

c) Processo seletivo para ingresso no ensino superior: além do tradicional vestibular, existem outras formas de processo seletivo para ingresso no ensino superior, como é o caso das avaliações seriadas (que englobam provas em todos os anos do ensino médio) e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

d) Exame ou processo seletivo previstos em lei: nesse inciso podem ser incluídos, por exemplo, o exame da ordem (art. 8º, IV, da Lei 8.906/94) ou o processo seletivo simplificado para contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 3º, da Lei 8.745/93).

Concurso previsto na Lei de Licitações:
A Lei 8.666/93 prevê uma modalidade de licitação denominada “concurso” por meio do qual se escolhe, entre quaisquer interessados, o melhor trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores (art. 22, § 4º).
Deve-se deixar claro que o “concurso” versado pela Lei 8.666/93 não se confunde com o “concurso público” para seleção de servidores. Enquanto o aprovado no concurso público tem como objetivo o provimento em cargo público, no concurso – modalidade de licitação – a contrapartida é somente um prêmio ou remuneração, e não a investidura da pessoa, ou seja, ela não será contratada pelo Poder Público.
Caso seja fraudada essa espécie de “concurso”, tratada pela Lei de Licitações, o crime não será o do art. 311-A do CP, mas sim o do art. 90, da Lei 8.666/93, que é específico em relação ao do Código Penal e por isso não foi derrogado.

Violação de sigilo funcional: o tipo do art. 311-A do CP é especial em relação ao delito do art. 325 do CP.

Extensão prevista no § 1º:
O § 1º do art. 311-A prevê:
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.
Tenho como evidente que o sujeito que permite ou facilita o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput, em verdade, divulga ou utiliza, indevidamente, o conteúdo sigiloso do certame.

Desse modo, entendo que a previsão do § 1º é desnecessária considerando que todas as possíveis situações por ele tratadas já estão suficientemente abarcadas pelo caput do dispositivo.

Apesar de não prever expressamente, parece-me claro que, neste § 1º, também se exige o especial fim de agir, ou seja, a intenção do agente de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame.

A “cola eletrônica” passou a ser incriminada com esse novo dispositivo?
Ficou conhecida como “cola eletrônica” o procedimento fraudulento utilizado por alguns candidatos que respondiam as provas de vestibulares ou de concursos públicos com a ajuda de um “ponto eletrônico” (como os de apresentadores de TV) ou com outras formas de comunicação escondida (celulares, p. ex.). Uma ou algumas pessoas contratadas, especialistas nos temas do vestibular ou do concurso faziam a prova e, já do lado de fora da sala, passavam as respostas corretas por meio dessas tecnologias ao candidato mancomunado que, com tal auxílio, respondia a prova.
Situação como essa relatada chegou até o Supremo Tribunal Federal no Inquérito Policial 1.145/PB.
Durante o julgamento, surgiram duas teses entre os Ministros: para uns, a “cola eletrônica” seria estelionato; para outros, essa conduta não atenderia aos requisitos do art. 171 do CP. Prevaleceu a segunda posição, isto é, entendeu-se que: a) não seria estelionato porque não haveria obtenção de vantagem patrimonial (econômica); b) também não seria falsidade ideológica porque as respostas dadas pelos candidatos, por mais que obtidas fraudulentamente, corresponderiam à realidade.
Enfim, o STF entendeu que a conduta descrita nos autos como “cola eletrônica” era atípica e que não haveria nenhum tipo penal no direito brasileiro incriminando esse procedimento.
(Inq 1145, Relator(a):  Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2006, DJe-060 DIVULG 03-04-2008)

Com a previsão do art. 311-A do CP, não tenho dúvidas de que a “cola eletrônica” passou a ser criminalizada.
O especialista contratado que faz o vestibular ou o concurso e, antes de terminar o prazo de duração das provas, transmite, por meio eletrônico, as respostas corretas ao candidato que se encontra fazendo ainda a prova pratica a conduta de divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a outrem, conteúdo sigiloso do certame. Por outro lado, quem recebe os dados utiliza indevidamente o conteúdo sigiloso com o fim de beneficiar-se, de sorte que é coautor.
Com efeito, antes de terminar o prazo de duração da prova, as respostas que um candidato deu são sigilosas com relação aos demais candidatos que ainda se encontram fazendo a prova. Ao divulgá-las, a pessoa pratica os elementos descritivos e normativos do tipo penal do art. 311-A do CP.
Não há, portanto, mais espaço para a alegação de atipicidade na prática da chamada “cola eletrônica”.
Vale ressaltar, à obviedade, que a Lei 12.550/2011 somente pode ser aplicada aos fatos ocorridos após 16/12/2011, não podendo ter efeitos retroativos por representar novatio legis in pejus.

E a “cola tradicional”, também encontra tipificação no art. 311-A do CP?
Sim. É o caso, por exemplo, de um candidato que, durante o período da prova, é flagrado no banheiro do colégio consultando um livro de doutrina para conseguir responder corretamente as questões. Na hipótese relatada, o agente estará utilizando informação de conteúdo sigiloso (as questões da prova durante o período de sua realização) para consultar as respostas corretas no livro (ou na cola que leve pronta para o concurso).

Crime de conduta livre: o delito em comento pode ser praticado por ação ou omissão.
Exemplo no caso de conduta comissiva: funcionário da Instituição organizadora do concurso “vende” a prova a determinados candidatos antes de sua realização.
Exemplo na hipótese de conduta omissiva: fiscal de sala do concurso, previamente cooptado pelo candidato meliante, finge não ver que o agente está respondendo a prova com o uso de um “ponto eletrônico”.

Elemento subjetivo: é o dolo, acrescido de um especial fim de agir (“dolo específico”), qual seja, a intenção do agente de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame.
Não há previsão da modalidade culposa.

Consumação: cuida-se de crime material, exigindo, portanto, a produção de resultado naturalístico, consistente na utilização ou divulgação de conteúdo sigiloso do certame.
A consumação ocorre com a utilização ou divulgação, ainda que parcial do conteúdo sigiloso. No exemplo da “cola eletrônica”, se o especialista transmitiu uma única resposta da prova para o candidato está consumado o delito, ainda que a comunicação das demais questões não tenha sido possível em virtude do fiscal da sala ter percebido o fato e ter retirado a prova e o aparelho receptor do candidato beneficiado.

Obtenção de vantagem:
O tipo não exige que o agente ou terceiro tenha obtido qualquer vantagem. Tal situação, caso ocorra, poderá ser considerada nas circunstâncias judiciais (art. 59 do CP).

Prejuízo à administração pública ou a outras pessoas:
De igual modo, não é indispensável que tenha havido prejuízo ao Poder Público ou a outras pessoas. No entanto, se da ação ou omissão resulta dano à administração pública, há a incidência de uma qualificadora prevista no § 2º fazendo com que a pena passe a ser de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
O dano de que trata esse § 2º não é apenas o dano patrimonial, como poderia parecer em uma análise rápida. Abrange, portanto, também o dano moral ou, como alguns autores preferem no caso de pessoas jurídicas, o “dano institucional”. Essa conclusão é construída pelo fato de que o tipo penal está incluído no Título que trata sobre os crimes contra a “fé pública”, de modo que tutela a crença da sociedade no valor e legitimidade das Instituições e, no caso específico, dos certames públicos. Abalar essa convicção geral significa produzir danos não aferíveis economicamente, mas igualmente lesivos, como o desestímulo de que os bons profissionais realizem novamente o concurso daquele ente público ou organizado por aquela determinada Instituição.
A ocorrência desse dano, seja patrimonial ou institucional, há de ser devidamente comprovada não sendo razoável imaginar que toda e qualquer fraude tentada ou mesmo consumada gere a incidência da qualificadora. No caso, por exemplo, de uma fraude tentada mas que foi descoberta e não gerou a anulação do concurso ou de nenhuma questão, não há que se falar em dano à administração pública.
Sublinhe-se ainda o fato de que a qualificadora somente é cabível no caso de dano à administração pública, de sorte que, se a fraude ocorreu em vestibular de universidade privada, por exemplo, tendo sido a seleção anulada por conta do crime, mesmo assim não haverá a incidência do § 2º por se tratar de dano à instituição privada.

Tentativa: tratando-se de crime material, a tentativa é perfeitamente possível. Ex: no esquema da “cola eletrônica”, o especialista que respondeu a prova, digitou todas as respostas no transmissor eletrônico, no entanto, por uma falha no aparelho, a comunicação com o candidato que ainda estava respondendo a prova não se concretizou. Frise-se, mais uma vez, que, se houve a comunicação de uma única questão, o crime restou consumado.

Deve-se atentar para o fato de que não são puníveis os atos preparatórios.
Para o fim de ilustrar a diferença entre os atos preparatórios e os executórios, tomemos mais uma vez um exemplo decorrente da “cola eletrônica”.
Se o edital do concurso afirma que o candidato não pode, após o início das provas, portar aparelho de comunicação e o agente é flagrado, pelo fiscal de sala, antes de iniciar o teste, com um “ponto eletrônico”, trata-se de mero ato preparatório, não sendo punível a tentativa.
Situação diferente ocorreria se esse mesmo candidato fosse surpreendido com o “ponto eletrônico” após o início da prova, ocasião em que já iniciou a execução do crime, mesmo que ainda não tenha recebido nenhuma resposta no aparelho de comunicação que portava. Cuida-se aqui de tentativa (art. 14, II do CP) uma vez que o início de execução do crime não se confunde, necessariamente, com o início de execução da ação típica.

Competência: em regra, a competência é da justiça estadual.
Vale ressaltar, no entanto, que, se o delito for praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, a competência será da Justiça Federal. É o caso, por exemplo, de fraudes em concurso para cargos ou empregos públicos de órgãos, autarquias, fundações ou empresas públicas federais.

Competência no caso de concursos públicos organizados pelo CESPE:
Questão interessante diz respeito aos concursos organizados pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. O CESPE é um órgão desprovido de personalidade jurídica, integrante da UnB, que, por sua vez, é uma fundação federal. Diante disso, indaga-se: no caso de fraude em concurso, organizado pelo CESPE, mas para cargo público de ente estadual (exs: MPE, DPE, Polícia Civil etc.), de quem será a competência para processar e julgar esse delito?No caso de demandas cíveis, a jurisprudência do STJ e do TRF da 1ª Região é firme no sentido de que, se o concurso organizado pelo CESPE, destina-se a preencher cargos em ente público estadual, a competência é da justiça estadual. O argumento mencionado nos julgados é o de que tendo o CESPE/UnB sido contratado pelo Poder Público do Estado, compete ao juízo comum estadual dirimir controvérsias acerca do referido certame. Nesse sentido, confira-se:
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. ACÓRDÃO FIRMADO EM LEI LOCAL.
1. A competência para o exame de questões afetas a concurso público da Polícia Militar do Distrito Federal, realizado pelo Cespe, que ingressou no processo na qualidade de assistente, é da Justiça comum estadual, pois o ente federal é mero executor (Precedente da Sexta Turma).
2.Recurso especial ao qual se nega seguimento.
(REsp 997.291 - DF -  Ministro  CELSO LIMONGI (Des. Conv. do TJ /SP, 16/03/2010)
PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. SECRETARIA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL DE MINAS GERAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO CESPE/UNB. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
I - A circunstância de o CESPE/UnB haver sido contratado para realizar o concurso não acarreta a sua legitimidade ou seu interesse processual para intervir no polo passivo da ação como réu ou assistente.
II - Ainda que se reconhecesse a legitimidade passiva do CESPE/UnB para integrar a lide, tem-se que, no caso, o órgão agiu com base em competência delegada por outro ente federativo, no caso o Estado de Minas Gerais, o que também é suficiente para afastar, por si só, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.
III - Incompetência da Justiça Federal reconhecida, de ofício. Remessa dos autos principais à Justiça Estadual determinada. Agravo de Instrumento prejudicado. Devolução ao MM Juízo a quo.
(AG 2009.01.00.025436-0/DF, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma,e-DJF1 p.419 de 24/10/2011)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO DO ESTADO DO ACRE. PROVA ELABORADA PELO CENTRO DE SELEÇÃO E PROMOÇÃO DE EVENTOS (CESPE) UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB), POR DELEGAÇÃO DO ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS.
I. Atuando o CESPE/UnB por delegação de órgão do Estado do Acre, em promoção de concurso público para provimento de cargo de Juiz de Direito Substituto, compete à Justiça do Estado processar e julgar os processos em que é impugnada matéria atinente estritamente ao certame.
II. Reserva da vaga pretendida, para preservar a possibilidade jurídica do pedido, até posterior exame pelo juízo competente.
III. Apelações prejudicadas. Incompetência da Justiça Federal reconhecida, com a declaração de nulidade dos atos decisórios e a remessa dos autos à Justiça do Estado do Acre.
(AC 2009.34.00.000767-5/DF, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Conv.  Juiz Federal Francisco Neves Da Cunha (conv.), Sexta Turma,e-DJF1 p.450 de 14/11/2011)
Penso que esse entendimento, inteiramente adequado para as ações cíveis, não deve prevalecer quanto às lides penais. Desse modo, no caso de fraudes a concursos públicos organizados pelo CESPE/Unb, ainda que para cargos estaduais, a competência será da Justiça Federal tendo em vista que o crime terá sido praticado em detrimento de serviço prestado pelo CESPE/Unb, entidade pública federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/88. Cumpre esclarecer que a logística quanto à segurança do conteúdo das provas, acesso aos locais de realização e sigilo quanto às respostas é atribuição do CESPE/Unb e não da Instituição contratada. Logo, em tais hipóteses o CESPE não atua como mero delegatário, mas sim em atividade própria.

Vale ressaltar, como já feito, que o crime em tela tem como objeto jurídico a fé pública. No caso de fraude em concurso organizado pelo CESPE/Unb foi a fé pública da Instituição, sua confiabilidade e imagem de segurança que foram vilipendiadas pela conduta do agente.

A competência da justiça federal torna-se ainda mais patente se o caso envolver diretamente servidor público do CESPE, hipótese na qual, penso, não haverá dúvidas quanto à competência federal.

Preceito secundário insuficiente à proteção satisfatória do bem jurídico:
A pena prevista para o tipo (reclusão, de 1 a 4 anos, e multa) revela-se desproporcional à intensa gravidade do crime.
A realização de uma seleção ou concurso público, além de implicar no dispêndio de vultosos recursos financeiros, de abranger o serviço de inúmeras pessoas e de demandar um complexo sistema logístico, envolve o sonho, a esperança e a completa dedicação de milhares de candidatos que vislumbram nesse projeto a perspectiva de, mediante o mérito, alcançarem situações de vida melhores.
O reconhecimento da existência desses inúmeros fatores, aliado à enorme quantidade de vítimas secundárias desse delito, faz com que se conclua que a reprimenda penal foi insatisfatória para o trauma social que essa forma de delinquência causa nos envolvidos.
Relembre-se que, pela pena prevista no caput do art. 311-A do CP, é inadmissível a pena de decretação de prisão preventiva (art. 313, I, do CPP) e será praticamente certa a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (art. 44 do CP), isto é, se o processo tiver curso normal, visto que é ainda cabível, em tese, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).
Para realçar a insuficiência do preceito secundário, deve-se fazer uma comparação com o estelionato. No crime de fraude a certames a pena máxima imposta é menor que a prevista para o delito de estelionato (art. 171, caput, do CP), sendo que, no estelionato, na grande maioria dos casos, há apenas uma ou poucas vítimas. Aliás, na hipótese de o estelionato abranger mais de um ofendido, pode-se aplicar o instituto do concurso formal (art. 70 do CP), fazendo com que a reprimenda seja aumentada. Como no delito do art. 311-A do CP, o sujeito passivo é a sociedade, mesmo havendo milhares de candidatos prejudicados com a fraude, não há possibilidade de ser imposta a causa de aumento do art. 70 do CP considerando que o crime será único.
Impende mencionar, ademais, que o estelionato é uma infração penal que tem como único bem jurídico atingido o patrimônio, enquanto que, no delito de fraude a certames, temos como bens jurídicos vilipendiados a fé pública, o patrimônio dos demais candidatos e, eventualmente, o da própria administração pública.
Concluindo, a despeito de abarcar a violação a mais bens jurídicos e a uma pluralidade maior de vítimas, o crime do art. 311-A do CP (a meu ver, uma forma especial e qualificada de estelionato) é punido com menor rigor que a infração penal do art. 171 do CP.
Como único alento, tem-se que, quase sempre, a fraude a concursos públicos gera dano à administração pública, de sorte a atrair a incidência da qualificadora prevista no § 2º do art. 311-A do CP, fazendo com que a pena passe a ser de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Suspensão condicional do processo:
Se o acusado for denunciado pelo art. 311-A, caput ou § 1º, do CP, isto é, sem a incidência do § 2º, terá direito à suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).

Inadmissibilidade de decretação da prisão preventiva:
Se o acusado estiver indiciado ou for denunciado pela forma simples do delito do art. 311-A do CP, não caberá a decretação de prisão preventiva, em virtude de a pena máxima ser inferior a 4 anos (art. 313, I, do CPP).

Prisão em flagrante: é possível. No entanto, como a prisão preventiva não é admitida, ao flagranteado deverá ser concedida liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III, do CPP).

Acentuada probabilidade de o condenado receber pena restritiva de direitos:
Em caso de condenação pelo delito do art. 311-A do CP, se a fraude não foi praticada mediante violência ou grave ameaça à pessoa e se o sentenciado não for reincidente em crime doloso, é muito grande a probabilidade de a pena privativa a ele aplicada ser substituída por restritiva de direitos.

Proibição de participação em concurso, avaliação ou exame públicos como nova forma de interdição temporária de direitos:
A interdição temporária de direitos é prevista no CP como uma das modalidades de pena restritiva de direitos (art. 43, V).
A Lei 12.550/2011 acrescentou uma nova espécie de pena de interdição temporária de direitos, inserindo o inciso V ao art. 47 do CP:
Art. 47. (...)
V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.
Desse modo, caso o candidato que fraudou ou tentou fraudar o certame seja condenado, se a pena privativa de liberdade for substituída por restritiva de direitos, revela-se recomendável ao magistrado aplicar a novel sanção do art. 47, V, do CP. Essa proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos durará pelo tempo da pena privativa de liberdade imposta e que foi convertida.
A inserção desse inciso V ao art. 47 do CP revela que a intenção deliberada do legislador, ao prever o preceito secundário do delito do art. 311-A do CP, foi justamente a de possibilitar a aplicação da pena restritiva de direitos para o condenado pelo crime tanto que, já antevendo tal situação, fez inserir nova espécie de interdição temporária de direitos específica para o caso.

Esse art. 47, V, do CP não tem aplicação restrita à condenação pelo art. 311-A do CP podendo ser utilizado como sanção restritiva de direitos pelo magistrado em outras hipóteses, desde que haja relação com a conduta praticada. Seria o caso, por exemplo, de uma condenação por crime contra a administração pública.

* Juiz Federal Substituto (TRF da 1ª Região).
Foi Defensor Público estadual, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.


Como citar este texto em trabalhos científicos:

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários ao novo art. 311-A do CP - Fraude em certames de interesse público. Portal Dizer o Direito. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2011/12/comentarios-ao-novo-art-311-do-cp.html>. Acesso em: dd mm aa


Emenda Constitucional nº 68, de 21 de dezembro de 2011



Altera o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação:

        "Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

        § 1° O disposto no caput não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do § 5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal.

        § 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal.

      § 3° Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, o percentual referido no caput será nulo."(NR)
Art. 2° Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.

Brasília, 21 de dezembro de 2011

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Biografia da nova Ministra do STF, Rosa Maria Weber Candiota da Rosa




A nova ministra do STF, Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, tomou posse na segunda-feira (dia 19/12), assumindo a vaga deixada pela ministra Ellen Gracie, que se aposentou em agosto.

Ela é a terceira mulher a integrar a Suprema Corte e completa o quórum de 11 ministros.

Perante o Plenário, a nova ministra prestou o seguinte juramento:
“Prometo bem e fielmente cumprir os deveres do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, em conformidade com a Constituição e as leis da República”. 
O diretor-geral da Secretaria da Suprema Corte, Alcides Diniz, fez, então, a leitura do Termo de Posse, que foi assinado pelo presidente do STF, pela nova ministra, pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelo diretor-geral da Secretaria.

Lido e assinado o termo, o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, declarou empossada  a ministra Rosa Weber e a convidou a ocupar seu lugar na bancada dos ministros, para onde ela foi novamente conduzida pelo decano e pelo ministro mais novo do STF.

Depois da solenidade, a ministra Rosa Weber, acompanhada de familiares, recebeu cumprimentos dos convidados.

Biografia resumida
Rosa Maria Weber Candiota da Rosa nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Aprovada em primeiro lugar em exame vestibular, ingressou em 1967 na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, em primeiro lugar, em 1971, como aluna laureada.

Foi inspetora do Trabalho do Ministério do Trabalho (DRT/RS), mediante concurso público (1975 a 1976).

Ingressou na magistratura trabalhista em 1976, como juíza substituta, classificada em quarto lugar em concurso de provas e títulos promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).
Foi promovida por merecimento em agosto de 1991 ao cargo de juíza togada do TRT da 4ª Região (atualmente, o que seria o cargo de Desembargadora Federal do Trabalho). 
Foi presidente do TRT da 4ª Região no biênio 2001-2003.
Foi professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Faculdade de Direito da PUC/RS. 

Em 21 de fevereiro de 2006 tomou posse como ministra do TST, cargo que exercia até ser nomeada para o Supremo Tribunal Federal.

Fonte: STF

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A decisão do Min. Marco Aurélio sobre os poderes correicionais do CNJ



Atualizado em 25/12/2011

A imprensa tem noticiado, com bastante destaque, a decisão do Min. Marco Aurélio, proferida no dia de ontem (19/12/2011) e que teria limitado os poderes do CNJ.

O Portal DIZER O DIREITO explica essa decisão para você.

A Associação Nacional dos Magistrados Brasileiros – AMB ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.638) contra a Resolução 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre o procedimento administrativo disciplinar aplicável às infrações praticadas por magistrados.

Em síntese, os argumentos expostos pela AMB foram os seguintes:
a) inconstitucionalidade formal da Resolução, porque versaria ora sobre matéria cuja competência é privativa dos tribunais (art. 96, incisos I e III, da CF), ora sobre tema reservado à lei complementar (art. 93, caput, incisos VIII e X, da CF);
b) inconstitucionalidade material de inúmeros dispositivos da Resolução.

O Min. Marco Aurélio, relator da ação, concedeu, em parte, a medida cautelar. Em sua decisão, podemos destacar alguns pontos mais relevantes:
a) As competências atribuídas ao CNJ pela EC 45/2004 produzem, em tese, uma tensão entre a autonomia dos tribunais e a atuação do Conselho;
b) Os poderes conferidos ao CNJ não autorizam a suprimir a independência dos tribunais, transformando-os em meros órgãos autômatos, desprovidos de autocontrole. A solução de eventual controvérsia entre as atribuições do Conselho e as dos tribunais não ocorre com a simples prevalência do primeiro, na medida em que a competência do segundo também é prevista na Constituição.
c) A competência normativa do CNJ não pode atropelar o autogoverno dos tribunais, tampouco pode invadir a esfera de competência reservada ao legislador.
d) Por força do princípio federativo (art. 60, § 4o, da CF) é inafastável, ainda que por emenda constitucional, a autonomia dos Tribunais de Justiça, que são órgãos de cúpula do Poder Judiciário local.
e) Não incumbe ao CNJ criar deveres, direitos e sanções administrativas, mediante resolução, ou substituir-se ao Congresso e alterar as regras previstas na Lei Orgânica da Magistratura referentes ao processo disciplinar. O art. 5º, § 2º, da EC 45/2004, de caráter transitório, não lhe autoriza chegar a tanto (§ 2º Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro-Corregedor).
f) O conteúdo da Resolução de que trata o art. 5º, § 2º, da EC 45/2004 restringe-se à regulação concernente ao funcionamento do próprio Conselho e às atribuições do Ministro-Corregedor.
g) Em casos de omissão da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), deve-se aplicar subsidiariamente o Estatuto dos Servidores Públicos.
h) Ao CNJ não cabe, mediante resolução, estabelecer normas cogentes sobre processo disciplinar de modo a vincular os tribunais.
i) Aos magistrados não se aplicam as sanções administrativas da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65) uma vez que as penalidades disciplinares são aquelas previstas na Loman.
j) A Resolução do CNJ, ao prever que o julgamento dos magistrados, em processo administrativo disciplinar, será realizado em sessão pública não ofende nenhuma garantia da magistratura considerando que a CF/88 estabelece que os julgamentos do Poder Judiciário e as decisões administrativas dos tribunais serão públicos (art. 93, IX e X).
k) É constitucional o art. 9º da Resolução do CNJ prevendo que a notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita por qualquer pessoa, exigindo-se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante.

Contudo, a questão mais aguardada e polêmica envolvendo esse julgamento era a seguinte: a competência para instaurar processos administrativos disciplinares contra magistrados é concorrente entre as Corregedorias dos Tribunais e o CNJ ou o Conselho somente pode atuar de forma subsidiária?A discussão se assenta na correta interpretação do art. 103-B, § 4º, III, da CF/88, em especial da expressão “sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais”:
Art. 103-B (...)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
(...)
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (grifou-se)

Na decisão monocrática em comento o Relator é textual ao afirmar que, em âmbito disciplinar, a competência do CNJ é subsidiária, e não concorrente.

O Min. Marco Aurélio, citando voto do Min. Celso de Mello (MS 28.799/DF), estabelece as hipóteses em que o CNJ poderia atuar nos processos disciplinares envolvendo magistrados, afastando a atuação das Corregedorias locais:
a) quando houvesse inércia das Corregedorias dos Tribunais na adoção de medidas de índole administrativo-disciplinar;
b) em caso de simulação investigatória;
c) comprovada indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e controle;
d) evidenciada a incapacidade de promover, com independência, procedimentos administrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados.

Vale ressaltar, mais uma vez, que se trata de decisão monocrática do Min. Marco Aurélio e que ainda será submetida ao Plenário do STF para referendo.

Leia a íntegra da decisão

Atualização em 22/12/2011:
A Advocacia-Geral da União protocolou no dia 21/12, no Supremo Tribunal Federal, um Mandado de Segurança, com pedido de liminar, para suspender os efeitos da decisão proferida pelo Min. Marco Aurélio.
Na ação, a AGU afirmou que a decisão atacada viola a Lei 9.868/1999 e o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, bem como os princípios do colegiado e do devido processo legal. A norma prevê que a concessão de medidas cautelares em ADI deve ser decretada por maioria absoluta do Plenário do STF. A exceção fica para o período de recesso, quando o presidente deve analisar o caso, ou designar a decisão para outro ministro.
Um dos pontos destacados foi o fato da decisão ter sido tomada quando já estava em vigor o recesso do Poder Judiciário. Para a AGU, diante disso, a competência seria do Presidente da Corte, conforme artigo 13, inciso VIII, do Regimento Interno do Supremo. O dispositivo destaca que é atribuição do Presidente do STF decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias.
A AGU ressaltou ainda que a decisão não aponta em nenhum momento, em relação aos dispositivos impugnados, qual seria a extrema urgência que demandaria providência imediata do Supremo.
O Mandado de Segurança defende que, em relação à discussão sobre a competência concorrente ou subsidiária do Conselho, não há perigo na demora de julgamento, razão pela qual a liminar não deveria ter sido concedida.

Atualização em 25/12/2011:
O presidente do presidente do STF, Min. Cezar Peluso, na manhã de 24/12/2011, negou a liminar do mandado de segurança proposto contra a decisão do Min. Marco Aurélio, que proíbe o CNJ de iniciar processos disciplinares contra magistrados, antes de o caso ser investigado pelas corregedorias estaduais. Com isso, na prática, o Min. Cezar Peluso manteve a decisão do Min. Marco Aurélio aqui examinada.
A decisão definitiva sobre o tema será ainda tomada pelo Plenário da Corte, mas agora somente na volta do recesso.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Histórico das Constituições brasileiras



Mais um esquema de aula para os leitores do Portal Dizer o Direito.
A evolução do constitucionalismo brasileiro tem sido cada vez mais cobrada nos concursos públicos e na OAB.
Bons estudos!

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Histórico das constituições brasileiras

Baixar pelo Slide share: Constituicoes esquema
Veja este documento em Dizerodireito.


sábado, 17 de dezembro de 2011

Nova Lei 12.551/2011: meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão dos empregados



Prevê o art. 3º da CLT:
Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
A partir desse dispositivo, podemos extrair os seguintes requisitos:
a)     Pessoa física: empregado é sempre uma pessoa física, sendo impossível ser uma pessoa jurídica;
b)     Pessoalidade: empregado é um trabalhador que presta serviços pessoalmente, isto é, não pode ser substituído por terceiros, a não ser que o empregador concorde;
c)      Não-eventualidade: o empregado presta serviços continuamente, ou seja, de modo não-eventual. Não precisa que o serviço seja desempenhado diariamente. Basta que seja com habitualidade (ex.: vigilante que trabalha um dia inteiro e folga dois);
d)     Onerosidade: o empregado recebe uma remuneração (salário) pelo serviço que presta. Assim, não é empregado aquele que labora gratuitamente, como um voluntário que trabalha em um asilo;
e)     Subordinação: empregado é um trabalhador que presta serviço subordinado ("sob a dependência do empregador"). Logo, não é empregado o trabalhador autônomo. Trata-se de subordinação jurídica. Não importa a subordinação econômica ou técnica.

Normalmente, o empregado presta seus serviços dentro do estabelecimento da empresa (ex: vendedor de uma loja; operário de uma indústria etc.). Entretanto, o trabalho desempenhado pelo empregado em outros locais diferentes das instalações da empresa (como na sua própria residência) não descaracteriza a existência de relação de emprego, desde que presentes seus elementos caracterizadores acima mencionados.

Quando o empregado presta serviços em sua própria residência ou fora do estabelecimento da empresa, a doutrina a isso denomina de “trabalho a domicílio” (sistema de home office) ou “trabalho à distância” (que seria um gênero).

Não há conceito legal de trabalho à distância no ordenamento jurídico brasileiro, mas a expressão é usada para designar o trabalho que não é realizado no estabelecimento do empregador, e sim fora dele, portanto, com a utilização dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo, em especial de serviços. Não há rigor conceitual. Mas em geral os meios utilizados são o computador, com a Internet.
Será à distância o trabalho realizado, por exemplo, na residência do prestador, o que não quer dizer que só o será o fornecido desse local. Centros localizados fora da empresa também podem ser unidades de fornecimento de trabalho à distância.
(MASSONI, Túlio de Oliveira. Aplicação das leis trabalhistas no teletrabalho. Disponível em: http:// http://www.conjur.com.br/2011-set-01/aplicar-leis-trabalhistas-relacao-teletrabalho. Acesso em: 17 dez 2011)

No caso do trabalho à distância, persiste a existência de poder diretivo do empregador e de subordinação jurídica do empregado?
SIM. Mesmo no caso de trabalho à distância o empregado continua sendo subordinado juridicamente ao patrão, que tem formas de controlar a produção, a data de entrega, a qualidade do produto confeccionado etc.

Nesse sentido, foi publicada ontem, a Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que tem como objetivo deixar claro na legislação duas situações que já são aceitas pela jurisprudência:
a)      O trabalho realizado à distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego, em nada se diferencia do trabalho prestado no estabelecimento do empregador;
b)      O poder diretivo do empregador, isto é, o comando, o controle e a supervisão das atividades do empregado, pode ser realizado por meios telemáticos e informatizados, persistindo, portanto, a subordinação jurídica.

Desse modo, conforme expresso na ementa, a lei teve como finalidade equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos.

Vejamos a nova lei em comparação com a redação antiga da CLT:

Redação atual
Redação anterior
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Não havia.

Quais os direitos dos empregados que laboram sob o regime do trabalho à distância?
A princípio, os trabalhadores à distância devem gozar dos mesmos direitos previstos ao empregado que preste serviços no estabelecimento do empregador. Essa garantia é prevista no art. 6º da CLT, na Convenção 177, de 1996 e na Recomendação 184, ambas da OIT.

Os trabalhadores à distância têm direito a horas extras?
A jurisprudência é dividida quanto a esse tema.

1ª corrente
Não seriam devidas as horas extras uma vez que os trabalhadores à distância, seriam enquadrados na previsão do art. 62, I, da CLT, que trata dos empregados cuja atividade é incompatível com o controle da jornada de trabalho.

“Admitindo a reclamante a prestação de serviços em sua residência, no horário que lhe fosse mais conveniente, assim como o auxílio prestado por terceiros (filhos, genro e noras), impossível avaliar o período de tempo despendido. Assim incabível o pedido de horas extras.”
(TRT 3ª R. - 2ª T. - RO/21773/99 - Relª. Juíza Taísa Maria Macena de Lima - DJMG 14.06.2000 - p. 15)
2ª corrente
As horas extras são devidas considerando que existem formas telemáticas ou informatizadas de o empregador controlar a jornada de trabalho do empregado mesmo sendo o trabalho à distância.

"O controle da jornada de trabalho externo, mediante aparelho de comunicação utilizável como telefone celular, rádio ou Pager, é constitutivo do direito ao recebimento de horas extras, quando caracterizada a extrapolação do limite legal de duração do trabalho." (Recurso Ordinário nº 19990582346 - Acórdão nº 20010111667 - São Paulo - Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região - Oitava Turma - Juíza Relatora Vilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva - julgado em 19.03.2001 - DJ in 10.4.2001)

Salvo em casos excepcionais, nos quais reste evidente uma forma de controle da jornada de trabalho pelo empregador, mesmo à distância, a primeira corrente é a que prevalece.


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