terça-feira, 2 de julho de 2024

Cliente do banco sacou uma grande quantia em espécie da agência bancária. Ele dirigiu até a sua empresa e, no estacionamento do escritório, foi roubado. O banco tem responsabilidade civil pelo ocorrido?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é empresário. Para exercer as atividades comerciais, ele se utiliza dos serviços bancários do Banco XXX. Ele agendou com o gerente da agência que no dia seguinte iria fazer o saque de R$ 35.000,00, em espécie (“dinheiro vivo”), para realizar o pagamento de seus funcionários.

No dia seguinte, João se dirigiu à agência e realizou o saque da quantia.

Ocorre que, ao sair do estabelecimento bancário, João foi seguido e, logo que entrou com o seu veículo no estacionamento do escritório da sua empresa, foi abordado por dois homens armados que, sob grave ameaça, exigiram os R$ 35.000,00 que ele havia acabado de sacar.

João interpretou o ocorrido como uma grave falha na prestação de serviços por parte do Banco XXX, que, no seu entender, deixou “vazar” a informação acerca da retirada vultosa de dinheiro que ocorreria naquele dia e horário.

Diante disso, ele ajuizou ação de indenização contra o Banco, apontando violação do dever de segurança que a instituição bancária deveria assegurar aos seus consumidores.

O Banco contestou alegando que “instituições financeiras não podem ser responsabilizadas pelos danos decorrentes de roubos apenas em razão do objeto ser quantia sacada em uma de suas agências”. Argumentou ainda que “a responsabilidade objetiva pela segurança pública é exclusiva do Estado”, e não do Banco.

 

A discussão chegou até o STJ. O Banco foi condenado a indenizar o cliente? A instituição financeira deve ser responsabilizada por roubo contra cliente, após este transitar por via pública e chegar ao seu destino, pelo fato de estar de posse de valores, em espécie, recentemente sacados diretamente no caixa bancário?

NÃO.

Inicialmente, cumpre relembrar o que diz a Súmula 479 do STJ:

Súmula 479-STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

 

O entendimento exposto na Súmula 479 do STJ somente se aplica nos casos de fortuito interno. Assim, se houver crime ocorrido no interior da agência, o banco terá responsabilidade objetiva, em razão do risco inerente à atividade, que abrange guarda e movimentação de altos valores em espécie.

Todavia, esse entendimento jurisprudencial não se aplica à hipótese presente, em que, a vítima, após sacar uma quantia na agência bancária, supostamente teria sido seguida por todo o percurso pelos criminosos até o estacionamento do prédio onde se situa o escritório de sua empresa e, só após chegar a este local, fora anunciado o assalto.

Dessa forma, tendo em conta os contornos fáticos delineados pela instância de origem, em um cenário em que o correntista é vítima de crime de roubo em local distante das dependências do banco onde, anteriormente, efetivara saque de dinheiro em espécie, não se revela a responsabilidade da instituição financeira pela ocorrência do crime contra o correntista tempos depois e quilômetros de distância.

Com efeito, cuida-se de evidente fortuito externo, o qual afasta o nexo de causalidade e, portanto, afasta a responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, especialmente pela razão de que o crime não foi praticado no interior do estabelecimento bancário.

Em casos semelhantes à hipótese, o STJ já firmou jurisprudência no sentido de que o banco não pode ser responsabilizado por crime ocorrido em via pública, tendo em vista que o risco inerente à atividade exercida pela instituição financeira não a torna responsável pelo crime sofrido pelo correntista fora das suas dependências.

 

Em suma:

A instituição financeira não pode ser responsabilizada pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no caixa bancário, porquanto evidencia-se fato de terceiro, que exclui a responsabilidade objetiva, por se tratar de caso fortuito externo. 

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.379.845-BA, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/5/2024 (Info 814).

 

Fortuito interno x fortuito externo:

Fortuito interno

Fortuito externo

Está relacionado com a organização da empresa.

É um fato ligado aos riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor.

Não está relacionado com a organização da empresa.

É um fato que não guarda nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pelo fornecedor.

É uma situação absolutamente estranha ao produto ou ao serviço fornecido.

Ex1: o estouro de um pneu do ônibus da empresa de transporte coletivo;

 

 

 

Ex2: cracker invade o sistema do banco e consegue transferir dinheiro da conta de um cliente.

 

Ex3: durante o transporte da matriz para uma das agências ocorre um roubo e são subtraídos diversos talões de cheque (trata-se de um fato que se liga à organização da empresa e aos riscos da própria atividade desenvolvida).

Ex1: assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo (não é parte da organização da empresa de ônibus garantir a segurança dos passageiros contra assaltos);

 

Ex2: um terremoto faz com que o telhado do banco caia, causando danos aos clientes que lá estavam.

Para o STJ, o fortuito interno NÃO exclui a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor.

Para o STJ, o fortuito externo é uma causa excludente de responsabilidade.

 


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